São Paulo, segunda-feira, 30 de abril de 2001

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TRANSPORTE

Grupos que controlam ônibus urbanos não investem no sistema de São Paulo, mas compram novas empresas

Empresário sucateia frota e amplia negócios

Caio Guatelli/Folha Imagem
Ônibus urbanos na avenida Santo Amaro; idade média da frota em São Paulo é de 8 anos


ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

Enquanto oferecem à cidade de São Paulo um dos serviços de ônibus mais decadentes do país, atrasam os salários de funcionários, acumulam dívidas tributárias, reivindicam subsídios e aumento de tarifa, os quatro empresários que controlam mais da metade do transporte coletivo na capital paulista também aproveitam para expandir seus negócios.
Os grupos Ruas, Niquini, Constantino e Belarmino, que dominam 26 das 49 viações e 60% dos mais de 3 milhões de usuários transportados diariamente, lideraram cortes de 6% da frota e de 12% dos trajetos percorridos pelos ônibus de um ano para cá.
Eles já receberam subvenções de R$ 29 milhões na gestão de Marta Suplicy (PT) e foram dos poucos a terem quitados os débitos deixados por Celso Pitta. Mesmo assim, não mostraram disposição de investir no sistema. Só não deixam de apostar na aquisição de novas empresas.
Líder no mercado paulistano, José Ruas Vaz arrendou este ano, com outros sócios, a Caio (Companhia Americana Industrial de Ônibus), que foi líder brasileira do setor de carrocerias até 1995, mas faliu no ano passado, com dívidas de R$ 100 milhões.
No começo do mês, apenas 3 das 13 viações ligadas ao grupo depositaram em dia os salários. A Caio, de Botucatu, recebeu cerca de R$ 10 milhões de imediato.
Os investimentos da família de Constantino de Oliveira se concentraram na companhia aérea Gol, que começou a operar em janeiro com preços mais baixos para tentar abocanhar 10% da arrecadação dos vôos nacionais.
Romero Niquini, que chegou a São Paulo há 20 meses, adquiriu em fevereiro a viação intermunicipal Campo Limpo, com 128 ônibus e 500 funcionários. Belarmino de Ascenção Marta comprou a Nove de Julho (atual Intersul), com 114 ônibus de turismo.
Esses empresários não colocam novos ônibus urbanos para operar desde 1998. A idade da frota de São Paulo já beira 8 anos, contra 4 anos da média nacional. A falta de investimentos, segundo eles, é motivada pela concorrência de 15 mil perueiros que entraram no mercado na década de 90.
A conivência do poder público com esse tipo de transporte não-regulamentado teria sido responsável pela queda de 150 milhões para 90 milhões na quantidade de usuários dos ônibus desde 1996.
"O sistema está falido. Os empresários, ainda não. A tendência é deixar de prestar esse serviço por aqui. Ninguém vai colocar dinheiro em coisa ruim", diz Sérgio Pavani, presidente do Transurb (sindicato das empresas).
Técnicos da prefeitura reconhecem a queda de rentabilidade dos ônibus, mas desconfiam de que a política de não-investimento seja mais uma forma de pressionar a administração municipal a injetar dinheiro no sistema.
No próprio setor há quem admita a acomodação de empresários. "Quando começou a crise, eles deixaram de colocar recursos. Não houve investimentos, a situação ficou degradada e, por isso, não consegue mais se recuperar", afirma Carlos Henrique Carvalho, gerente técnico da NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos).
A prefeitura divulgará esta semana um estudo da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo) sobre as receitas e despesas dos ônibus. O secretário dos Transportes, Carlos Zarattini, admite um déficit operacional, mas inferior ao que as viações dizem.
Pelos cálculos do Transurb, faltam pelo menos R$ 35 milhões mensais para completar a arrecadação de R$ 100 milhões e cobrir os gastos do sistema. "Talvez algumas empresas não estejam dando lucro hoje, mas deram lucros suficientes para que esses empresários virassem grandes potências", afirma Zarattini.
Para os empresários, os cortes da frota e dos trajetos percorridos são apenas uma forma de readequar a oferta à demanda.
Enquanto isso, dados da SPTrans (São Paulo Transporte, responsável pela administração do transporte coletivo) indicam elevação da produtividade, favorável aos patrões. A média do IPK (Índice de Passageiros por Quilômetro) de janeiro a março subiu em 2001 de 1,65 para 1,74 (5,5%).
"O meu negócio aqui é o seguinte: lucro não é vergonha. Eu sei que meu endividamento é pequeno. Agora, você paga a prestação de um carro e começa a desconfiar de que o consórcio não é sério. Eu vou enfiar dinheiro nisso?", questiona Romero Niquini.
Os empresários dizem que ainda não deixaram seus negócios em São Paulo porque a demissão dos funcionários seria muito cara.
A prefeitura duvida de que as atuais empresas deixem de disputar a licitação do sistema prevista para este ano. Até mesmo porque Marta Suplicy admite manter as subvenções e planeja um reajuste da tarifa de R$ 1,15, que deve ser definido nesta semana.
A vantagem dos subsídios só existe em São Paulo. Dados da NTU do ano passado indicam que a cidade foi a que mais cortou custos e elevou a produtividade em pesquisa realizada também em Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Fortaleza, Porto Alegre, Recife e Salvador.



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