São Paulo, segunda-feira, 30 de abril de 2001

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VIOLÊNCIA

Rapazes erraram caminho de baile funk

Grupo é torturado e baleado nas mãos por traficantes em favela

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Dez jovens que pretendiam se divertir num baile funk, na madrugada de ontem, erraram o caminho, foram desviados para uma cilada no alto da favela de São Carlos (no Estácio, zona norte do Rio) e espancados com paus e pedras por cerca de 50 traficantes. Depois de serem torturados durante quase três horas, sete deles foram baleados nas mãos.
O grupo, formado por três mulheres e sete homens - entre eles um menor de idade -, pegou uma Kombi do transporte alternativo em São Gonçalo (zona metropolitana do Rio), onde mora, e veio para o Rio.
Uma das vítimas, Jeferson Nascimento de Araújo, 18, conta que, na subida do morro de São Carlos, um garoto que usava um celular perguntou para onde eles pretendiam ir e de onde eram.
"Respondemos que vínhamos de São Gonçalo e estávamos indo para o baile funk. Ele disse para subir direto", diz Araújo, contando que, no topo do morro, foram surpreendidos por traficantes que usavam vários tipos de armas, como pistolas, fuzis e até granadas.
Segundo Araújo, quando soube que o grupo vinha de São Gonçalo, um dos traficantes teria dito: "Ah, é do CV" - uma referência ao Comando Vermelho, facção criminosa rival do Terceiro Comando, que domina o tráfico de drogas no morro do São Carlos.
"Eu estava de camisa vermelha. Eles tiraram a camisa e queimaram", diz Araújo. Ele disse que ninguém do grupo pertence a facções e que todos queriam apenas "curtir um baile funk".
Os traficantes do São Carlos mandaram que os rapazes tirassem as roupas. Eles foram espancados, obrigados a rolar no chão e a bater uns nos outros.
Edson Vieira da Silva, 23, conta que duas mulheres passaram de cabeça baixa pelo local enquanto eles eram espancados. "Os traficante perguntaram se elas queriam morrer." Silva, que disse ter sido obrigado a cheirar cocaína por um dos bandidos, chamado de "Diabo", disse que não vai mais querer saber de baile funk.
"Lá em Niterói [município vizinho a São Gonçalo" não tem esse negócio. Você quer ir para um baile funk se divertir, vai. Agora, só quero saber de forró".

Tiros
Antes de serem liberados pelos bandidos, cada um dos rapazes levou um tiro na mão e todos foram obrigados a descer o morro correndo. O menor de idade J.S.L, 17, levou três tiros. "Disseram que ele era pretinho e que tinha cara de bandido. Foi preconceito", conta Silva.
Os rapazes foram atendidos no hospital Souza Aguiar, no centro da cidade. Dois deles permaneceram internados, pois precisavam ser operados.
A delegada Sueli Peçanha Murat de Souza informou que os sete não têm antecedentes criminais.
"São trabalhadores. Não sabiam o caminho e os traficantes acharam que eles eram de uma favela inimiga", afirma.
Sueli disse que o chefe do tráfico do morro do São Carlos, Irapuan David Lopes, conhecido como Gan-Gan, foi reconhecido por alguns dos rapazes. O traficante tem prisão preventiva decretada por tráfico de drogas.
A polícia ainda vai ouvir três garotas que faziam parte do grupo e continuaram em poder dos traficantes depois dos rapazes terem sido liberados. Elas estão em casa e passam bem.



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