São Paulo, quinta-feira, 30 de maio de 2002

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PASQUALE CIPRO NETO

"Corpus Christi", "pari passu", "grosso modo"...

Hoje é feriado , e muita gente não sabe por quê. Não me cabe entrar no mérito religioso da questão; cabe-me, quando muito, explicar o que não é difícil deduzir: "Corpus Christi" significa "corpo de Cristo". Essa expressão latina, uma das tantas que ficaram em nossa língua, nomeia a celebração do corpo de Cristo.
Na verdade, o nome da festa religiosa é só um belo pretexto para tratar de um assunto que os leitores não se cansam de sugerir: a forma e o significado de algumas expressões latinas.
As mais pedidas são "a priori" e "a posteriori", que muita gente usa como simples marcadores de tempo. "A priori" significaria "antes", e "a posteriori", "depois". Não é bem assim. Na verdade, trata-se de termos relativos à filosofia. O "Aurélio" diz que se emprega "a priori" quando se faz referência a "conhecimento que se admite provisoriamente, ainda não suficientemente justificado, sendo incerto se o virá a ser". "A posteriori" se refere ao que resulta de experiência ou dela depende. Não se trata, pois, de nada tão simples como "antes" e "depois".
Outra expressão latina que se mantém em várias línguas é "pari passu" (que não se grafa "par e passo"): "Acompanhou "pari passu" o discurso do presidente". Essa locução significa "a passo igual", "simultaneamente".
Também é bom citar a expressão "grosso modo" ("de modo grosseiro"; "aproximadamente"), também usada na forma original nos textos filosóficos, jurídicos etc. Vale a pena conhecer este comentário do dicionário "Houaiss": "Uso de caráter internacional (das línguas de cultura ocidentais), no Brasil, modernamente (mas por provável perda da competência), vem sendo dito e escrito como "em grosso modo", "de grosso modo", "a grosso modo", como locuções adverbiais vernáculas". E agora, José? Em linguagem formal, convém usar "grosso modo".
É bom lembrar que, nos casos em que se mantém a grafia original de expressão estrangeira, recomenda-se fazer alguma marcação gráfica (aspas, itálico etc.).
Bem, agora vamos passar do latim para o grego, para discutir duas palavras que, por motivos não muito nobres, têm sido lidas e ouvidas com frequência: "pedofilia" e "pedófilo". Não foram poucos os leitores que escreveram para questionar o "verdadeiro significado" dessas palavras: "Se "pedo" quer dizer "filho", "criança" e "filo" significa "amante", "amigo", o significado de "pedófilo" não é "que tem amor às crianças'?"
Pois bem, o significado literal é esse mesmo, mas é interessante ver o que registram vários dicionários, em edições de diferentes "idades". O de Laudelino Freire (de 1940) diz que "pedofilia" é "amor às crianças". O "Morais" (de 1949) diz que "pedófilo" é "que gosta muito de crianças".
O "Aurélio" (1972) apenas tira o "muito" do "Morais", mas na edição de 1999 diz que "pedófilo" é "aquele que sofre de pedofilia", que, por sua vez, define como "(...) desejo forte e repetido de práticas sexuais e de fantasias sexuais com crianças pré-púberes". O dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e o "Houaiss", ambos de 2001, seguem o mesmo caminho. Como se vê, os dicionários fazem o que as leis deveriam fazer: ajustar-se à realidade. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
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