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São Paulo, segunda-feira, 30 de junho de 2003

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CIDADE SUJA

Tribo urbana começa a usar até escada e andaime para pichar; prática não é só mais de jovens da periferia

Pichadores ousam e chegam à classe média

Juca Varella/Folha Imagem
Ciclista passa por muro pichado na zona leste de São Paulo; pichadores, que, segundo a prefeitura, podem chegar a 50 mil, disputam lugares cada vez mais altos e difíceis para deixar suas marcas

SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
JUCA VARELLA
REPÓRTER-FOTOGRÁFICO

Escurece em São Paulo. É a deixa para que os irmãos estudantes Maurício, 20, e Vinicius, 21, deixem o apartamento da família na Vila Mariana, coloquem a escada retrátil no teto do Celta ganho dos pais e busquem o lugar ideal para fazerem o que mais gostam.
E o que eles mais gostam de fazer é pichar muro, qualquer um.
Quanto mais "cornado" o lugar, mais "ibope" eles ganham (leia glossário nesta página). O objetivo é deixar registrados em lugar de visibilidade e com letras de difícil leitura para os não-iniciados o nome de sua gangue (Os Loucos) e sua grife (Toda Hora).
Os futuros advogado e desenhista industrial, respectivamente, que serviram de guias para que a reportagem da Folha penetrasse no fechado mundo dos pichadores, personificam duas tendências recentes dessa tribo que contribui para a atual aparência de abandono de diversas regiões da cidade:
* a ousadia cada vez maior dos praticantes, que começam a usar não só escadas mas também andaimes e até cadeiras suspensas;
* a atração que esse mundo até agora restrito a jovens pobres da periferia começa a despertar na classe média paulistana.
"O que eles fazem é por protesto, típico de adolescentes que não têm perspectivas na sociedade", disse o acadêmico Arthur Lara, um dos principais estudiosos da pichação como fenômeno urbano, autor da tese "Grafite -Arte Urbana em Movimento", da USP. "E o que os move é a adrenalina."

50 mil
Esse exército sem cara, cujo contingente está entre 5.000 pessoas, segundo a Coordenação da Juventude da Prefeitura, e 50 mil pessoas, segundo os próprios pichadores, é formado por jovens de 15 a 25 anos que moram nos bairros distantes do centro.
Trabalham geralmente como motoboys e a maioria largou os estudos. Andam com mochilas, onde levam os tubos de spray, que compram a R$ 6 nas lojas e pela metade do preço de ambulantes que aparecem em seus bairros com carregamentos roubados.
Dividem-se em grifes, que disputam palmo a palmo o espaço urbano pichável. "Ganha" quem pichar em lugares mais altos e mais inacessíveis, e as brigas saem quando um picha sobre o outro.
"Antes, o "ibope" vinha de quem pichasse mais longe", conta o veterano Drácula, 28, da tradicional grife Sobrecarga. "Aparecia neguinho deixando a marca na Espanha e até no Cristo Redentor. Agora, o negócio é subir alto."
A meca atual dos pichadores, para onde todos os biquinhos de tinta-spray se voltam, é o Terraço Itália, um dos edifícios mais altos da cidade, que já conta com uma assinatura no cume. Segundo os pichadores, é obra do "Homem-Aranha", que, na verdade, pode ser mais de uma pessoa.
Um dos que se encaixam na descrição é Vagner, da gangue Pigmeus, do Capão Redondo. Sua principal "obra" toma há um ano a fachada de sete andares de uma agência bancária no Cambuci. Vagner não quis falar à Folha.
A altura é o sonho, mas, no dia-a-dia, os pichadores sujam qualquer lugar à mão. Seguindo algumas regras. Por exemplo, evitam muros intactos. "É sinal de que os donos estão ligados e vão pintar por cima logo mais", diz NTO, 21, da Peraltas. "Preferimos as "agendas" (muros já muito pichados)."

Exceções
A maioria atende também às placas pregadas nas paredes que afirmam que a empresa usa o dinheiro que gastaria repintando o muro fazendo doações a entidades beneficentes, artifício recente cada vez mais utilizado pelas vítimas frequentes. "Pode até ser enganação dos caras, mas como vamos saber?", pergunta Xocone, 19, também da Peraltas.
Apesar de desorganizados, os pichadores se encontram todas as terças à noite em frente ao Centro Cultural São Paulo, na rua Vergueiro. Ali, sem ser incomodados pela polícia, bebem cerveja, fumam maconha, ouvem forró e trocam experiências.
Uma delas é singela. Todo pichador sabe que tem de levar seu spray escondido em um lugar e o biquinho disparador em outro. O motivo? "Quando os policiais dão geral e encontram tinta ficam com raiva e querem pintar nossa cara", diz Jé, 25, da grife Wolf's.


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