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MOACYR SCLIAR
Cão sequestrado
Assaltante rouba pit bull em SP. Cotidiano, 24.jun.03
Depois de dias de ansiedade, o cão sequestrado foi
devolvido, são e salvo. Mas a alegria do reencontro não durou
muito. Logo ficou claro que o pit
bull já não era o mesmo. Alguma
coisa tinha acontecido com ele.
O que já dava para desconfiar a
partir do próprio episódio do sequestro. Pit bulls são tradicionalmente cães de guarda, que devem
reagir vigorosamente à presença
de estranhos. Mas isso não acontecera. Ele se deixara conduzir
docilmente por um sujeito que
nunca vira. Tão pouco escapara
do cativeiro, a exemplo de cães
que não raro percorrem trajetos
de vários quilômetros para voltar
à casa.
E agora, retornando ao lar onde
fora criado, não mostrava qualquer alegria, qualquer entusiasmo. Nem sombra do animal vigoroso e alegre que fora até então.
Pelo contrário, arrastava-se pelos
cantos ou então ficava horas deitado, o olhar perdido. Recusava
até a comida. Não latia; de vez em
quando, soltava um dorido uivo.
Estaria doente? Teria, durante
o cativeiro, se contaminado com
uma bactéria ou algo semelhante? O veterinário que o examinou
disse que não: o pit bull estava em
perfeitas condições de saúde. De
saúde física, pelo menos. Porque
era evidente que passava por um
grave distúrbio emocional. E aos
poucos a certeza foi emergindo: o
pit bull estava sofrendo da síndrome de Estocolmo. Como aqueles
reféns que, em 1973, apegaram-se
aos assaltantes do banco sueco,
recusando-se até a serem libertados, o cão agora sentia falta de
seu sequestrador.
O que fazer? Um vizinho deu
uma idéia: tratar a doença com a
própria doença. O cão seria entregue ao sequestrador, que aliás
também se afeiçoara ao animal,
descrevendo-o como "muito bonito". Passaria uns tempos lá e depois seria -mediante combinação, obviamente- sequestrado
de novo, mas desta vez pelo dono
legítimo, aquele que o tinha comprado por uma razoável quantia.
O problema é encontrar o sequestrador, que, como é habitual
entre sequestradores, desapareceu. Amigos têm sugerido colocar
avisos em postes de eletricidade,
como se faz quando some um animal de estimação. No caso ali estaria a foto do pit bull com um recado tipo "Amigo sequestrador,
volte. Sinto falta de você e quero
lhe ver", ou algo no estilo. Não se
sabe se vai funcionar, mas tudo
indica que vale a pena tentar. A
síndrome de Estocolmo ainda é
uma incógnita. E, quando ocorre
em pit bulls, uma incógnita maior
ainda.
Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.
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