|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA DA 2ª
MIGUEL SROUGI
Especialista diz que chance de cura aumenta de 30% para 85% se diagnóstico for feito na fase inicial
"Brasil subestima número de mortes por câncer de próstata"
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Pelo menos metade das mortes
por câncer de próstata ocorridas
no país poderiam ser evitadas
com diagnóstico e tratamento
precoces da doença. Mas, por ignorância ou preconceito, muitos
homens só procuram ajuda médica com o tumor em fase avançada,
quando as chances de cura não ultrapassam 30%. O diagnóstico na
fase inicial possibilita a cura em
85% dos casos.
O alerta é do médico Miguel
Srougi, 56, professor titular de
urologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e pós-graduado em urologia pela Faculdade de Medicina da Universidade Harvard (EUA), que lança em
agosto o livro "Próstata: Isso É
Com Você", sua primeira obra dirigida ao público leigo.
O câncer de próstata é o tumor
maligno mais frequente entre os
homens -afeta 17% da população masculina- e mata, em média, 8.200 brasileiros por ano, segundo os registros oficiais. Para
Srougi, as mortes no país são subestimadas por não haver notificação compulsória dos casos.
"Acreditamos que estejam ocorrendo 20 mil mortes por ano."
Ainda assim, acredita que os
homens estão mais atentos aos
exames de prevenção. Na década
de 70, segundo ele, 60% dos casos
de câncer de próstata eram descobertos quando já havia metástase.
Atualmente, apenas 6% dos casos
são diagnosticados nessa fase.
Para Srougi, embora exista muito preconceito cultural em relação
ao exame de toque (quando o médico toca a próstata através do
ânus para avaliar a dimensão e
consistência da glândula para definir se existem indícios de câncer
local), o principal fator que inibe a
sua realização é o medo de sentir
dor. "Os homens que fazem o
exame voltam a fazê-lo sem nenhum constrangimento."
Srougi, que fez o seu primeiro
exame de próstata há dois anos,
aos 54, afirma que os homens devem começar a prevenção aos 50.
Se tiverem histórico familiar de
câncer, devem procurar o urologista a partir dos 45.
"Não me acho o melhor exemplo", disse o médico em entrevista
à Folha, referindo-se ao fato de ter
retardado em quatro anos o seu
primeiro exame.
Folha - Quando se trata de câncer
de próstata, o que é pior: a doença,
o preconceito ou a ignorância?
Miguel Srougi - O câncer de
próstata tem cura, principalmente se for detectado no início. Nós
ajudamos, de forma consistente,
80% a 90% dos homens.
O preconceito e a ignorância
têm um efeito mais perverso porque causam um sofrimento psicológico e emocional que compromete muito a qualidade de vida
dos pacientes.
Além de procurar o câncer e tratá-lo, é muito importante que os
médicos também levem em conta
tudo o que cerca o diagnóstico e o
tratamento do doente. As questões de ordem emocional, familiar, social, as repercussões que a
doença causa nesse indivíduo e
no meio que o cerca.
Folha - Quanto custam o preconceito e a ignorância?
Srougi - No caso do câncer de
próstata, o custo é muito alto. O
tumor descoberto no início cura
80%, 90% dos casos. Quando descoberto no momento em que o
tumor sai da próstata, que é uma
etapa mais adiante, a gente cura
30% dos casos.
O indivíduo que não tem o diagnóstico feito no momento certo
perde a chance histórica de ter a
sua doença curada. Além disso,
existem outras implicações sérias.
Os Estados Unidos fizeram um
levantamento tentando calcular o
custo de um doente com câncer
descoberto num momento já
avançado. Eles mostraram que o
governo gasta com esse doente,
que quase sempre vai morrer de
câncer, US$ 370 mil.
Folha - Por que o governo brasileiro não promove campanhas de
conscientização, como já se vem fazendo com o câncer de mama?
Srougi - O câncer de próstata
tem uma alta prevalência, 17%
dos homens vão ter esse tipo de
câncer até o fim da vida, ou seja,
um em cada seis. Esse é um número americano. No Brasil, os
números são muito mais simplórios, mas tenho a impressão de
que subestimamos os números
verdadeiros.
Há registro de 8.200 mortes por
ano relacionadas à doença. Acreditamos que estejam ocorrendo
20 mil mortes por ano.
Por diferentes motivos, o número de homens que têm risco de desenvolver câncer de próstata é
muito alto. Se a gente for fazer
uma campanha de detecção e, em
seguida, diagnosticar o câncer naqueles casos em que os exames
são suspeitos, depois tratar esses
doentes e, ainda, resolver as complicações que surgem por causa
do tratamento ou da doença, teríamos uma despesa da ordem de
R$ 1,5 bilhão, R$ 2 bilhões.
Essa quantia é absolutamente
exagerada para um país tão pobre, com tantas injustiças na área
de saúde como é o Brasil.
O orçamento anual do Ministério da Saúde é de R$ 22 bilhões.
Seria uma coisa absolutamente
incorreta, inadequada, a gente
usar R$ 2 bilhões só para estudar
pacientes e tratar doentes com
câncer de próstata.
A única solução
para o Brasil é a
gente motivar os
líderes empresariais, os dirigentes
de cada grupo social para que procurem meios dentro da própria sociedade para financiar essas
campanhas de detecção de câncer
de próstata.
Folha - Ainda é
muito frequente o
receio do homem
de fazer o exame
de toque?
Srougi - Esse
conceito está se
reduzindo, mas
ainda é altamente
prevalente. Aí se
misturam o medo
da dor e o preconceito cultural.
Na verdade, tenho a impressão de que, mais do
que o preconceito cultural, o que
existe mesmo é medo. O homem
tem medo da dor mais do que a
mulher. É interessante que os homens que fazem o exame uma vez
voltam a fazê-lo sem nenhum
constrangimento, pois percebem
que o exame não dói.
É muito mais racional ele perder
15 ou 20 segundos da vida fazendo o toque e detectando um câncer precoce do que, depois, sofrer
anos seguidos.
Folha - O exame de sangue, o
PSA, substitui o exame de toque?
Srougi - Os exames têm de ser feitos conjuntamente. O PSA falha em
20% dos casos em
que há câncer, o
toque falha em
35% dos casos. Fazendo os dois juntos, só escapam
8% dos casos de
câncer.
Folha - Qual a
melhor idade para
começar a fazer o
exame?
Srougi - Existe já
um consenso de
que todo homem,
depois dos 50
anos, tem de fazer
um exame de
próstata anual: o
toque e o PSA.
Existem três
grupos de risco de
câncer de próstata. Há os que têm
história familiar,
um parente de
primeiro grau com câncer, nesses
indivíduos as chances de câncer
aumentam de duas a cinco vezes.
Um segundo grupo de risco é formado pelos negros, e o terceiro
por indivíduos que ingerem dietas com alto teor de gordura.
Nos países que consomem muita gordura animal, como, por
exemplo, os do norte da Europa,
as chances de câncer são dez vezes
maiores do que nos Estados Unidos. E nos EUA as chances de câncer de próstata são cinco vezes
maiores do que no Japão, onde há
alto consumo de peixes e vegetais.
Folha - Há um temor generalizado entre os homens de que o tratamento de câncer de próstata provoque impotência. O que tem de
mito e de verdade nessa história?
Srougi - O câncer de próstata
mexe com a cabeça dos homens
porque sempre se relacionou
próstata com atividade sexual,
com função sexual. Na verdade,
não tem muita relação.
A próstata tem relação com a
função reprodutora, não sexual.
Ela produz o líquido que é o esperma, que conduz o espermatozóide, mas isso não tem nada a ver
com a atividade sexual.
O câncer de próstata não causa
nenhum problema na área sexual,
mas, infelizmente, o tratamento
da doença coloca em risco a vida
sexual do paciente.
Tanto a cirurgia como a radioterapia, os hormônios que a gente
utiliza em alguns casos, todos eles
comprometem ou podem comprometer a vida sexual.
Isso, naturalmente, gera um temor muito grande em relação ao
problema. Isso faz com que muitos homens até evitem tocar no
assunto, procurar um médico, fazer check-up. Há pessoas que preferem não saber, fingir que aquilo
não existe, a procurar uma ajuda.
Folha - Novos remédios, como o
Viagra, contornam a impotência
após o tratamento?
Srougi - Dos homens que fazem
cirurgia para tratar um câncer,
metade fica impotente. Quando
são tratados com radioterapia, de
35% a 40% ficam impotentes.
Quando recebem hormônios, todos ficam impotentes.
As medicações de que a gente
dispõe, como o Viagra e os outros
novos produtos, ajudam de 30% a
40% desses homens a recuperarem a função sexual.
Quando esses remédios não
atuam, os médicos têm outros recursos para ajudar os doentes. Dificilmente alguém fica impotente
de forma definitiva.
Folha - O que o motivou a fazer
esse livro voltado ao público leigo?
Srougi - Um pouco a vontade de
disseminar conhecimentos sobre
a próstata. Tem um pouco da minha inquietude de querer produzir e deixar marcas da minha passagem pela vida. Existe, talvez, um
sentimento mais idealista de fazer
com que as pessoas entendam o
problema.
Folha - O sr. já fez exame de toque?
Srougi - Eu faço.
Folha - Desde quando?
Srougi - Comecei dois anos
atrás, aos 54. Não sou o melhor
exemplo. É uma contradição total. Essa é uma característica pessoal minha, eu me sinto muito invulnerável.
Texto Anterior: Plano Diretor: Liminar suspende plenária no Butantã Próximo Texto: Frase Índice
|