UOL


São Paulo, segunda-feira, 30 de junho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENTREVISTA DA 2ª

MIGUEL SROUGI

Especialista diz que chance de cura aumenta de 30% para 85% se diagnóstico for feito na fase inicial

"Brasil subestima número de mortes por câncer de próstata"

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

Pelo menos metade das mortes por câncer de próstata ocorridas no país poderiam ser evitadas com diagnóstico e tratamento precoces da doença. Mas, por ignorância ou preconceito, muitos homens só procuram ajuda médica com o tumor em fase avançada, quando as chances de cura não ultrapassam 30%. O diagnóstico na fase inicial possibilita a cura em 85% dos casos.
O alerta é do médico Miguel Srougi, 56, professor titular de urologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e pós-graduado em urologia pela Faculdade de Medicina da Universidade Harvard (EUA), que lança em agosto o livro "Próstata: Isso É Com Você", sua primeira obra dirigida ao público leigo.
O câncer de próstata é o tumor maligno mais frequente entre os homens -afeta 17% da população masculina- e mata, em média, 8.200 brasileiros por ano, segundo os registros oficiais. Para Srougi, as mortes no país são subestimadas por não haver notificação compulsória dos casos. "Acreditamos que estejam ocorrendo 20 mil mortes por ano."
Ainda assim, acredita que os homens estão mais atentos aos exames de prevenção. Na década de 70, segundo ele, 60% dos casos de câncer de próstata eram descobertos quando já havia metástase. Atualmente, apenas 6% dos casos são diagnosticados nessa fase.
Para Srougi, embora exista muito preconceito cultural em relação ao exame de toque (quando o médico toca a próstata através do ânus para avaliar a dimensão e consistência da glândula para definir se existem indícios de câncer local), o principal fator que inibe a sua realização é o medo de sentir dor. "Os homens que fazem o exame voltam a fazê-lo sem nenhum constrangimento."
Srougi, que fez o seu primeiro exame de próstata há dois anos, aos 54, afirma que os homens devem começar a prevenção aos 50. Se tiverem histórico familiar de câncer, devem procurar o urologista a partir dos 45.
"Não me acho o melhor exemplo", disse o médico em entrevista à Folha, referindo-se ao fato de ter retardado em quatro anos o seu primeiro exame.
 

Folha - Quando se trata de câncer de próstata, o que é pior: a doença, o preconceito ou a ignorância?
Miguel Srougi -
O câncer de próstata tem cura, principalmente se for detectado no início. Nós ajudamos, de forma consistente, 80% a 90% dos homens.
O preconceito e a ignorância têm um efeito mais perverso porque causam um sofrimento psicológico e emocional que compromete muito a qualidade de vida dos pacientes.
Além de procurar o câncer e tratá-lo, é muito importante que os médicos também levem em conta tudo o que cerca o diagnóstico e o tratamento do doente. As questões de ordem emocional, familiar, social, as repercussões que a doença causa nesse indivíduo e no meio que o cerca.

Folha - Quanto custam o preconceito e a ignorância?
Srougi -
No caso do câncer de próstata, o custo é muito alto. O tumor descoberto no início cura 80%, 90% dos casos. Quando descoberto no momento em que o tumor sai da próstata, que é uma etapa mais adiante, a gente cura 30% dos casos.
O indivíduo que não tem o diagnóstico feito no momento certo perde a chance histórica de ter a sua doença curada. Além disso, existem outras implicações sérias.
Os Estados Unidos fizeram um levantamento tentando calcular o custo de um doente com câncer descoberto num momento já avançado. Eles mostraram que o governo gasta com esse doente, que quase sempre vai morrer de câncer, US$ 370 mil.

Folha - Por que o governo brasileiro não promove campanhas de conscientização, como já se vem fazendo com o câncer de mama?
Srougi -
O câncer de próstata tem uma alta prevalência, 17% dos homens vão ter esse tipo de câncer até o fim da vida, ou seja, um em cada seis. Esse é um número americano. No Brasil, os números são muito mais simplórios, mas tenho a impressão de que subestimamos os números verdadeiros.
Há registro de 8.200 mortes por ano relacionadas à doença. Acreditamos que estejam ocorrendo 20 mil mortes por ano.
Por diferentes motivos, o número de homens que têm risco de desenvolver câncer de próstata é muito alto. Se a gente for fazer uma campanha de detecção e, em seguida, diagnosticar o câncer naqueles casos em que os exames são suspeitos, depois tratar esses doentes e, ainda, resolver as complicações que surgem por causa do tratamento ou da doença, teríamos uma despesa da ordem de R$ 1,5 bilhão, R$ 2 bilhões.
Essa quantia é absolutamente exagerada para um país tão pobre, com tantas injustiças na área de saúde como é o Brasil.
O orçamento anual do Ministério da Saúde é de R$ 22 bilhões. Seria uma coisa absolutamente incorreta, inadequada, a gente usar R$ 2 bilhões só para estudar pacientes e tratar doentes com câncer de próstata.
A única solução para o Brasil é a gente motivar os líderes empresariais, os dirigentes de cada grupo social para que procurem meios dentro da própria sociedade para financiar essas campanhas de detecção de câncer de próstata.

Folha - Ainda é muito frequente o receio do homem de fazer o exame de toque?
Srougi -
Esse conceito está se reduzindo, mas ainda é altamente prevalente. Aí se misturam o medo da dor e o preconceito cultural.
Na verdade, tenho a impressão de que, mais do que o preconceito cultural, o que existe mesmo é medo. O homem tem medo da dor mais do que a mulher. É interessante que os homens que fazem o exame uma vez voltam a fazê-lo sem nenhum constrangimento, pois percebem que o exame não dói.
É muito mais racional ele perder 15 ou 20 segundos da vida fazendo o toque e detectando um câncer precoce do que, depois, sofrer anos seguidos.

Folha - O exame de sangue, o PSA, substitui o exame de toque?
Srougi -
Os exames têm de ser feitos conjuntamente. O PSA falha em 20% dos casos em que há câncer, o toque falha em 35% dos casos. Fazendo os dois juntos, só escapam 8% dos casos de câncer.

Folha - Qual a melhor idade para começar a fazer o exame?
Srougi -
Existe já um consenso de que todo homem, depois dos 50 anos, tem de fazer um exame de próstata anual: o toque e o PSA.
Existem três grupos de risco de câncer de próstata. Há os que têm história familiar, um parente de primeiro grau com câncer, nesses indivíduos as chances de câncer aumentam de duas a cinco vezes. Um segundo grupo de risco é formado pelos negros, e o terceiro por indivíduos que ingerem dietas com alto teor de gordura.
Nos países que consomem muita gordura animal, como, por exemplo, os do norte da Europa, as chances de câncer são dez vezes maiores do que nos Estados Unidos. E nos EUA as chances de câncer de próstata são cinco vezes maiores do que no Japão, onde há alto consumo de peixes e vegetais.

Folha - Há um temor generalizado entre os homens de que o tratamento de câncer de próstata provoque impotência. O que tem de mito e de verdade nessa história?
Srougi -
O câncer de próstata mexe com a cabeça dos homens porque sempre se relacionou próstata com atividade sexual, com função sexual. Na verdade, não tem muita relação.
A próstata tem relação com a função reprodutora, não sexual. Ela produz o líquido que é o esperma, que conduz o espermatozóide, mas isso não tem nada a ver com a atividade sexual.
O câncer de próstata não causa nenhum problema na área sexual, mas, infelizmente, o tratamento da doença coloca em risco a vida sexual do paciente.
Tanto a cirurgia como a radioterapia, os hormônios que a gente utiliza em alguns casos, todos eles comprometem ou podem comprometer a vida sexual.
Isso, naturalmente, gera um temor muito grande em relação ao problema. Isso faz com que muitos homens até evitem tocar no assunto, procurar um médico, fazer check-up. Há pessoas que preferem não saber, fingir que aquilo não existe, a procurar uma ajuda.

Folha - Novos remédios, como o Viagra, contornam a impotência após o tratamento?
Srougi -
Dos homens que fazem cirurgia para tratar um câncer, metade fica impotente. Quando são tratados com radioterapia, de 35% a 40% ficam impotentes. Quando recebem hormônios, todos ficam impotentes.
As medicações de que a gente dispõe, como o Viagra e os outros novos produtos, ajudam de 30% a 40% desses homens a recuperarem a função sexual.
Quando esses remédios não atuam, os médicos têm outros recursos para ajudar os doentes. Dificilmente alguém fica impotente de forma definitiva.

Folha - O que o motivou a fazer esse livro voltado ao público leigo?
Srougi -
Um pouco a vontade de disseminar conhecimentos sobre a próstata. Tem um pouco da minha inquietude de querer produzir e deixar marcas da minha passagem pela vida. Existe, talvez, um sentimento mais idealista de fazer com que as pessoas entendam o problema.

Folha - O sr. já fez exame de toque?
Srougi -
Eu faço.

Folha - Desde quando?
Srougi -
Comecei dois anos atrás, aos 54. Não sou o melhor exemplo. É uma contradição total. Essa é uma característica pessoal minha, eu me sinto muito invulnerável.


Texto Anterior: Plano Diretor: Liminar suspende plenária no Butantã
Próximo Texto: Frase
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.