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LETRAS JURÍDICAS
Mais tempo de vida não basta ao idoso
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Para o idoso, pobre ou remediado, o suporte físico da vida pelo
sustento se relaciona essencialmente com sua aposentadoria,
quando ele se afasta da atividade
profissional. Problema grave da
velhice para a maior parte da cidadania está na enorme diferença
entre os benefícios altíssimos destinados a poucos felizardos e os
que mal dão para o pão de cada
dia, pagos a 90% dos demais.
Isso sem falar na encruzilhada
social em que o idoso vive: a medicina prolongou sua existência,
mas nem a medicina nem o poder
público lhe asseguram meios e
modos de preservar, no período
alongado, a plena dignidade de vida. A aprovação do Estatuto do
Idoso na Câmara e os próximos
debates no Senado sugerem a síntese constitucional da questão.
A Carta Magna tem normas que
efetivamente protegem a velhice,
ao lado de outras, compostas por
meras palavras e frases ocas. O artigo 14 dá exemplo de modesto favorecimento indireto, ao considerar facultativo o voto aos maiores
de 70 anos. É um quase nada
diante do artigo 153, que, antes da
emenda constitucional nº 20/98,
trazia benefício para pessoas com
mais de 60 anos na incidência do
imposto sobre a renda, mas foi revogado.
O artigo 203 determina que a assistência social seja prestada a
quem dela necessitar, independentemente de contribuição. Embora destinada a todos, aparentemente beneficiaria os mais velhos,
até ao impor salário mínimo
mensal -cujo recebimento efetivo esbarra, porém, na burocracia.
A lentidão burocrática é incompatível com pelo menos três refeições ao dia, mas isso não interessa
ao burocrata.
Lendo os artigos 229 e 230 da
Carta Magna, logo nos convenceremos de que os filhos maiores
têm o dever de amparar os pais na
velhice, na carência de meios e na
enfermidade. Sua aplicação depende muito dos valores pessoais
envolvidos em cada caso. Como o
Estado não cumpre o papel dele e
a sociedade mostra indiferença,
as pessoas não se sentem obrigadas individualmente.
O dever de ajudar o velho, assegurando sua participação na comunidade, em modo compatível
com a idade avançada, tem como
responsáveis (na ordem do artigo
230) a família, a sociedade e o Estado. O terceiro lugar do Estado
permite que o poder público não
cumpra suas obrigações, protegido pela lentidão do Poder Judiciário, que livra a administração das
cobranças dos que precisam de
ajuda. O benefício da preferência
processual para o idoso não tem
sido grande vantagem.
A gratuidade dos transportes
coletivos urbanos para os maiores
de 65 anos (parágrafo 2º do artigo
230) é dos poucos casos de beneficio imediato. Há o PIS (Programa
de Integração Social) e o Programa de Formação do Patrimônio
do Servidor Público. Seriam muito bons se a arrecadação das contribuições respectivas financiasse
a plena integração social. O seguro-desemprego, na crise atual, é
útil para os mais velhos, ante a
concorrência dos jovens no mercado de trabalho.
O exame da Constituição leva a
uma síntese conclusiva: envelhecer é um fato da natureza e do
tempo. Prolongar a vida é um fato
da medicina e do progresso. Envelhecer com dignidade é prêmio
negado à parcela da população
pobre submetida às durezas da
idade provecta. Talvez o Estatuto
do Idoso possa temperar essa situação, porém, sem muita esperança a curto prazo.
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