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São Paulo, sábado, 30 de agosto de 2003

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LETRAS JURÍDICAS

Mais tempo de vida não basta ao idoso

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Para o idoso, pobre ou remediado, o suporte físico da vida pelo sustento se relaciona essencialmente com sua aposentadoria, quando ele se afasta da atividade profissional. Problema grave da velhice para a maior parte da cidadania está na enorme diferença entre os benefícios altíssimos destinados a poucos felizardos e os que mal dão para o pão de cada dia, pagos a 90% dos demais.
Isso sem falar na encruzilhada social em que o idoso vive: a medicina prolongou sua existência, mas nem a medicina nem o poder público lhe asseguram meios e modos de preservar, no período alongado, a plena dignidade de vida. A aprovação do Estatuto do Idoso na Câmara e os próximos debates no Senado sugerem a síntese constitucional da questão.
A Carta Magna tem normas que efetivamente protegem a velhice, ao lado de outras, compostas por meras palavras e frases ocas. O artigo 14 dá exemplo de modesto favorecimento indireto, ao considerar facultativo o voto aos maiores de 70 anos. É um quase nada diante do artigo 153, que, antes da emenda constitucional nº 20/98, trazia benefício para pessoas com mais de 60 anos na incidência do imposto sobre a renda, mas foi revogado.
O artigo 203 determina que a assistência social seja prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição. Embora destinada a todos, aparentemente beneficiaria os mais velhos, até ao impor salário mínimo mensal -cujo recebimento efetivo esbarra, porém, na burocracia. A lentidão burocrática é incompatível com pelo menos três refeições ao dia, mas isso não interessa ao burocrata.
Lendo os artigos 229 e 230 da Carta Magna, logo nos convenceremos de que os filhos maiores têm o dever de amparar os pais na velhice, na carência de meios e na enfermidade. Sua aplicação depende muito dos valores pessoais envolvidos em cada caso. Como o Estado não cumpre o papel dele e a sociedade mostra indiferença, as pessoas não se sentem obrigadas individualmente.
O dever de ajudar o velho, assegurando sua participação na comunidade, em modo compatível com a idade avançada, tem como responsáveis (na ordem do artigo 230) a família, a sociedade e o Estado. O terceiro lugar do Estado permite que o poder público não cumpra suas obrigações, protegido pela lentidão do Poder Judiciário, que livra a administração das cobranças dos que precisam de ajuda. O benefício da preferência processual para o idoso não tem sido grande vantagem.
A gratuidade dos transportes coletivos urbanos para os maiores de 65 anos (parágrafo 2º do artigo 230) é dos poucos casos de beneficio imediato. Há o PIS (Programa de Integração Social) e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público. Seriam muito bons se a arrecadação das contribuições respectivas financiasse a plena integração social. O seguro-desemprego, na crise atual, é útil para os mais velhos, ante a concorrência dos jovens no mercado de trabalho.
O exame da Constituição leva a uma síntese conclusiva: envelhecer é um fato da natureza e do tempo. Prolongar a vida é um fato da medicina e do progresso. Envelhecer com dignidade é prêmio negado à parcela da população pobre submetida às durezas da idade provecta. Talvez o Estatuto do Idoso possa temperar essa situação, porém, sem muita esperança a curto prazo.


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