São Paulo, sábado, 30 de setembro de 2006

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WALTER CENEVIVA

Em busca de outro Montesquieu


A liberdade quase exclusiva do Legislativo na produção das leis é a mentira brasileira mais evidente


O GOVERNO pelo povo, característico da democracia em Atenas (Grécia) era tudo, menos do povo, entendida essa palavra como referente a todos os atenienses. As decisões coletivas eram adotadas por um corpo reduzido, composto pelos cidadãos. A esse grupo que excluía escravos e estrangeiros, entre outros, cabia definir qual o interesse público e o bem comum a defender. Não há caudilho cruel, nem democrata fervoroso, que falsa ou sinceramente tenha tomado decisões sem as vincular ao bem comum. Pedro de Alcântara, depois Pedro 1º, deu o exemplo brasileiro. Foi quando comunicou a decisão de desobedecer as cortes portuguesas e continuar no Brasil.
Transmitiu a José Clemente Pereira, presidente do Senado, a célebre mensagem: "Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que fico".
Bem comum e interesse público repetem hoje as contradições da Grécia clássica quanto ao poder do povo. A eleição direta pelo povo não prepondera nos Estados Unidos. Na França, o presidente do Conselho da Magistratura é o presidente da República. A liberdade quase exclusiva do Legislativo na produção das leis é a mentira brasileira mais evidente.
Basta pensar nas medidas provisórias do Executivo, no domínio deste sobre a maioria do Congresso, seja quem for o presidente da República, com os conchavos pós-eleição.
No parlamentarismo italiano, o Parlamento cumpre a função legislativa, mas um de seus membros, o primeiro-ministro, é o chefe de governo. O povo elege os parlamentares, que, mediante composições de natureza diversificada, escolhem e situam o governo, em permanente interação dinâmica em que o povo pouco interfere.
Há as ditaduras republicanas (o Egito), monárquicas (a Arábia Saudita), teocráticas (o Irã), unipartidárias (a China). Montesquieu não as levou em conta porque, no seu tempo, a visão era preponderantemente européia. Fora da Europa uma ou outra figura era conhecida, aí incluído nosso Pedro 2º, cujo Poder Moderador garantido pela Casa Imperial de 1824 era muito maior que o da simples e equilibrada moderação entre as correntes políticas.
Em resumo: a tripartição dos poderes é, na atualidade, balela que leva a uma constatação quase unânime: a governabilidade não decorre da participação efetiva do povo e os sistemas de governo para a assegurar não são adequados às condições do mundo atual.
A simplificação sistemática da ordem jurídica pública é impossível no mundo de hoje, se pensada em termos da doutrina de Montesquieu. Nos governos religiosos, a "ditadura" tem matizes, desde a absoluta do papa no catolicismo, dos líderes muçulmanos no Irã ou de correntes radicais de religiosos diversos em outras partes do planeta, com posições fundamentalistas, que não cabem no modelo de Montesquieu. Precisamos entender a variedade estrutural deste nosso admirável mundo novo para podermos, substituindo a tripartição, dizer que Montesquieu acabou. Após as eleições deste ano em nosso país, precisaremos pensar em novas formas assecuratórias de exercícios do poder efetivo pela sociedade, em modo democrático para todo o povo, reformulando a estrutura e a operação do Estado, ajustadas às mudanças dos últimos cem anos. É preciso começar.


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