São Paulo, domingo, 30 de outubro de 2005

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16 ANOS DEPOIS

Costa Freire foi detido em 2004, acusado de tráfico de drogas; os outros sete continuam soltos em seus países

Só brasileiro está preso, mas por tráfico

DO ENVIADO AO CANADÁ

A cada um dos dez seqüestradores de Abilio Diniz cabia uma tarefa muito bem definida, como numa unidade militar, ou de acordo com as regras da célula que o grupo de fato era. Ao brasileiro Raimundo Rosélio Costa Freire, então com 24 anos, ficou a interação com o empresário.
Era com ele, e só com ele, que Diniz podia falar durante os seis dias em que sobreviveu no buraco cavado sob o chão da cozinha e transformado em cela no sobrado número 59 da praça Hachiro Miyazaki, no bairro paulistano do Jabaquara, na zona sul da cidade.
(O imóvel, aliás, foi comprado três meses depois do seqüestro por um senhor, que preferiu se manter anônimo nesses anos todos e morreu três meses atrás, segundo os ex-vizinhos; seus herdeiros decidem agora o que fazer com a casa, que está vazia.)
Foi Raimundo Rosélio Costa Freire, também, o último a ser transferido do Carandiru, em São Paulo, para seu Ceará natal. E o último a ser libertado, em 1999, depois da "operação dominó" jurídica que tomou o caso com o retorno do casal Christine Lamont e David Spencer para o Canadá.
Pois o brasileiro é o único dos dez que está na cadeia. De volta. Espera julgamento na unidade 2 do Instituto Penal Paulo Oliveira, segundo informou à Folha a secretaria de Comunicação Social da Polícia Federal daquele Estado.
A acusação não tem a ver com o crime de seqüestro, de que foi considerado culpado e pelo qual ainda estava em liberdade condicional. Agora, é tráfico de drogas. De acordo com a Delegacia de Repressão aos Entorpecentes (DRE) local, Costa Freire foi preso em flagrante em setembro de 2004, com cerca de 10 kg de cocaína, 13 kg de maconha e um rifle.
Professor de história, o brasileiro estava com outro professor, José Helton Cunha, num sítio na região metropolitana de Fortaleza. Costa Freire negou saber da presença de drogas ali e disse que estava na propriedade do amigo para terminarem uma monografia.

Biografia
Ligado nos anos 80 a movimentos da extrema esquerda latino-americana, o cearense de Juazeiro do Norte militou no Partido dos Trabalhadores depois de solto, formou-se em história e lançou um livro com seu trabalho de conclusão de curso, "Pão de Fel - Das Utopias Guerrilheiras ao Seqüestro de Abilio Diniz" (Premius, 1997), de título auto-explicativo.
Se for condenado, será vítima de uma ironia legislativa. Muito por conta da repercussão pública do seqüestro de que Costa Freire participou, o Congresso Nacional aprovou lei em 1990 que fez da prática um "crime hediondo" -assim como já ocorria com o tráfico de drogas.
Dos outros sete, todos vindos de organizações guerrilheiras como as Forças Populares de Libertação de El Salvador (FPL), integrante da Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional (FFMNL), e o braço chileno do Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR), todos estão ligados de uma maneira ou de outra a movimentos sociais -agora, dentro da lei.
O ex-líder, o argentino Humberto Paz, vive em La Tablada, um bairro industrial do município de La Matanza, no subúrbio de Buenos Aires, onde se "dedica às artes plásticas", segundo um amigo que prefere não ser identificado, e trabalha em obras sociais com o irmão, Horácio, parceiro de 1989.
Já o "grupo chileno", como eram chamados os outros cinco, se manteve coeso até pouco tempo atrás. Maria Emilia Marchi, 53, que trabalha como fiscal de estradas do Ministério de Obras Públicas, em Santiago, separou-se há quatro meses de Ulisses Galardo Acevedo, outro participante, que agora estuda sociologia.
Isso dividiu um pouco a turma, formada ainda por Pedro Lembach, hoje trabalhando numa gráfica também na capital chilena; Héctor Ramón Collante Tápia, pedreiro como o pai numa cidadezinha do interior do Chile; e Sérgio Olivares, que abriu um armazém com a mãe e o irmão na periferia de Santiago.
(SÉRGIO DÁVILA)


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