São Paulo, domingo, 30 de dezembro de 2001

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DROGAS

A legislação precisa de sanção do presidente FHC

Para especialistas, lei enquadra dependentes como criminosos

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Só o veto do presidente da República impedirá que a Justiça brasileira continue enquadrando o dependente de drogas como criminoso -posição que vai na contracorrente de todas as tendências modernas e fere recomendação de assembléia especial das Nações Unidas, de 1998.
A nova legislação, aprovada há duas semanas pelo Congresso e que Fernando Henrique tem 15 dias para sancionar, oferece a usuários e dependentes a possibilidade de escolher entre a cadeia e o tratamento. Se fizerem a segunda escolha, terão que disputar lugar com os 4 milhões de pacientes mentais que não têm acesso aos serviços de saúde.
"A lei dá a impressão de ser mais justa com o usuário e o dependente, mas é apenas uma maquiagem, que pune com rigor ainda maior", diz o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, diretor do Proad, um programa de atenção a dependentes da Unifesp, Universidade Federal de São Paulo.
Silveira considera a nova lei um "contra-senso, pois a grande maioria dos juízes já não condena os usuários -em lugar de avançar, temos um retrocesso". Se sancionada, a nova legislação deve aumentar o número de dependentes e usuários nas cadeias.
"Mesmo aceitando a internação, e caso haja vaga, o dependente poderá ser preso se tiver uma recaída. E a recaída faz parte do processo de tratamento, chega a ocorrer em 80% dos casos."
A lei ainda abre caminho para a perda de direitos civis -como dirigir, abrir conta em banco e até se casar. E pode mandar para a cadeia um dependente ou usuário que aceitou prestar serviços à comunidade e quebrou a promessa.
O psiquiatra Sérgio Seibel, presidente do Conen (Conselho Estadual de Entorpecentes), diz que a lei brasileira "vai usar o tratamento para penalizar o dependente, o que não funciona", e que Estado não tem espaço físico nem pessoal treinado para isso. "Só haverá perspectivas quando o usuário não for considerado criminoso."
O juiz aposentado Walter Maierovitch, que já dirigiu a Secretaria Nacional Antidrogas, acha que o presidente não sancionará uma lei que enquadra o dependente químico como criminoso. "Fernando Henrique é um intelectual, com os olhos abertos para o mundo. Não vai querer ter seu nome associado a uma lei como essa."
Maierovitch diz que os defensores da lei conseguiram passar a impressão de que o usuário e o dependente não seriam mais considerados criminosos, nem iriam para a cadeia. "Só engano. Vários artigos da lei se referem ao ato do dependente como crime. O artigo 21 fala das penas aplicadas a quem porta a droga para uso próprio. E o artigo 24 diz que vai para a cadeia quem sofrer uma recaída."
Maierovitch diz que nova lei traz a filosofia da chamada "justiça terapêutica", prática já adotada em vários Estados brasileiros e que dá ao dependente a opção de escolher entre o tratamento e o processo judicial. "A justiça terapêutica não passa de tribunais para dependentes químicos concebidos nos Estados Unidos."
O mecanismo da justiça terapêutica contempla a participação de um profissional de saúde. Depois de dizer ao juiz que prefere o tratamento, o usuário é avaliado por uma equipe que inclui um psiquiatra. Essa equipe determina se ele precisa de tratamento.
"Se ele não for um dependente, será alertado para os riscos legais e de saúde e mandado para casa", diz Ricardo de Oliveira Silva, procurador de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul e presidente da Associação Nacional de Justiça Terapêutica.


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