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São Paulo, terça-feira, 30 de dezembro de 2003

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SP 450

"A Banda" e "Disparada" polarizaram disputa que simbolizou a era dos festivais de música popular brasileira em São Paulo

EU ESTAVA LÁ - ZUZA HOMEM DE MELLO
Jornalista, 70

Acordo evitou polêmica no mais famoso festival

KIYOMORI MORI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Caetano Veloso ficou reclamando do "injusto" quinto lugar de Gilberto Gil; Roberto Carlos, derrotado, escapou discretamente dos jornalistas; Chico Buarque foi para a casa dos pais comemorar; Jair Rodrigues preferiu beber com os amigos.
Naquela noite chuvosa de 10 de setembro de 1966, em que Gil não sonhava ser ministro, Roberto Carlos ainda não era o "Rei", Chico era um quase anônimo e Jair só cantava samba, chegava ao fim o 2º Festival da Música Popular Brasileira.
"Esse dia foi o marco divisor da era dos festivais de música popular brasileira", afirma o jornalista Zuza Homem de Mello, 70, que na época era técnico de som da TV Record e que acompanhou de perto os bastidores da disputa.
Das 2.635 canções inscritas, apenas 12 haviam sido selecionadas para a final. "Todo mundo tinha um palpite: taxistas, imprensa, estudantes e até mesmo os funcionários da Record faziam "bolões" para apostar quem ganharia a tão esperada decisão", lembra Zuza. "O clima era de final de campeonato de futebol, as famílias e vizinhos se reuniam na frente dos poucos televisores da época para assistir às eliminatórias e discutir quais eram as melhores", conta.
Mas a disputa já estava polarizada. "Disparada", de Geraldo Vandré e Théo de Barros, cantada por Jair Rodrigues, e "A Banda", de Chico Buarque, interpretada por Nara Leão, eram as grandes favoritas -e viriam a dividir um "conveniente" primeiro lugar.
"As duas canções contavam com torcidas organizadas -era a primeira vez que isso acontecia em um festival de canção-, e havia muita tensão para saber quem levaria o prêmio", diz Zuza.
Nos bares da galeria Metrópole, na avenida São Luiz, os compositores e maiores nomes da música brasileira se encontravam para discutir o festival. "Era um microcosmo do que seria a platéia do teatro da Record", explica Zuza. "Lá era possível beber uma cerveja no balcão com Gil, Toquinho e Geraldo Vandré e discutir o andamento das eliminatórias, que duraram dois meses. Dava para sentir o favoritismo de "A Banda" e "Disparada"."
Os cerca de 700 ingressos para assistir à final, nos estúdios da Record na rua da Consolação, haviam se esgotado rapidamente e se tornaram peça cobiçada nas mãos de cambistas. Cinemas e teatros cancelaram as sessões daquele dia porque acreditavam que não haveria público interessado. Até mesmo o ex-governador Carvalho Pinto foi assistir à decisão ao vivo. "Em São Paulo, todo mundo estava envolvido e curioso para saber quem ganharia", diz Zuza.
Segundo o jornalista e crítico, autor de obras de referência da música popular brasileira, os jurados haviam escolhido "A Banda" por sete votos a cinco. "Mas Chico avisou, nos bastidores, que, se ganhasse, não iria receber o prêmio. Então os jurados e o diretor da Record Paulinho Machado de Carvalho decidiram alterar o resultado para evitar uma polêmica", afirma Zuza, que recebeu a missão de guardar o envelope com o verdadeiro resultado final. "O Paulinho pediu para eu manter o envelope em um lugar seguro. Coloquei-o no cofre da minha mãe, que acabou perdendo."
Zuza manteve o segredo até o ano passado, quando publicou em seu livro "A Era dos Festivais" (editora 34) o resultado escondido no envelope. "Achei que era a hora de as pessoas saberem a verdade", conta ele, que considera "Disparada" uma obra-prima da música popular brasileira.


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