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PASQUALE CIPRO NETO
Quantas são as luas de Saturno?
Estava num título jornalístico, publicado na semana passada: "Sonda inicia sua
jornada a lua de Saturno". Diga
lá, caro leitor: partindo-se do
pressuposto de que o redator agiu
bem quando não empregou o
acento grave (indicador de crase)
sobre o "a" de "jornada a lua de
Saturno", pode-se concluir que
Saturno tem mais de uma lua?
Para começar, não custa lembrar que, em rigor, "crase" não é o
nome do acento; é a contração ou
a fusão de duas vogais iguais. Em
"cor", por exemplo, houve crase,
já que, na evolução do latim para
o português, "colore" passou a
"coor" e daí a "cor". A transformação do grupo "oo" em "o" configura um caso de crase.
Na escola, não se costuma falar
desse tipo de crase, ligado à etimologia ou à gramática histórica.
Costuma-se falar da fusão da preposição "a" com um segundo "a",
que, nas maior parte dos casos, é
artigo definido. Em "O homem
chegou à Lua em 1969", por
exemplo, ocorre crase da preposição "a", regida pelo verbo "chegar", com o artigo "a", determinante do substantivo feminino
"Lua", que, no caso, é o nome do
único satélite natural da Terra.
Na língua de hoje, marca-se esse
tipo de crase com o acento grave.
Pois bem, caro leitor, o último
exemplo foi intencional, provocativo. Por que em "jornada a lua
de Saturno" o "l" de "lua" é minúsculo e o "a" não recebe acento
grave, mas em "O homem chegou
à Lua em 1969" ocorre exatamente o contrário, isto é, grafa-se
"Lua" com inicial maiúscula e o
"a" com acento grave?
A questão das iniciais maiúsculas e minúsculas não parece difícil: "Lua", que é o nome do satélite da Terra, passa, por extensão
de sentido, a designar o(s) satélite(s) de qualquer planeta, caso
em que se grafa com inicial minúscula ("as luas de Júpiter").
A segunda questão é um pouco
mais delicada, mas não é nenhum bicho-de-sete-cabeças. Em
"Sonda inicia sua jornada a lua
de Saturno", o substantivo "jornada" (que, no caso, é sinônimo
de "viagem") rege a preposição
"a" (jornada a algum lugar). E
que lugar é esse? Pois bem, esse lugar não é a lua de Saturno, mas
uma das luas desse planeta, que,
como se sabe, tem mais de um satélite, ou seja, mais de uma lua.
Imagine que uma nave espacial
vá a esse satélite e volte de lá com
algum material (areia, pedras ou
sabe-se lá o quê). Seria possível
encontrar nos jornais um título
como este: "Sonda traz rochas de
lua de Saturno". Você estranharia o "de" antes de "lua"? Certamente, não -se soubesse que Saturno tem mais de uma lua, ou seja, mais de um satélite. Se Saturno tivesse apenas um satélite, o título certamente seria este: "Sonda
traz rochas da lua de Saturno".
Moral da história: em "Sonda
inicia sua jornada a lua de Saturno" ocorre exatamente o que se vê
em "Sonda traz rochas de lua de
Saturno", ou seja, não se emprega
artigo definido antes de "lua", fato que funciona como indicador
de que as luas são pelo menos
duas. Se não há artigo antes de
"lua", não pode haver acento grave no "a", que, no caso, não passa
de mera preposição.
Convém lembrar que, fora do
texto jornalístico, as frases que vimos tenderiam a incorporar o artigo indefinido ("uma", nos dois
casos): "...jornada a uma lua (ou
"a uma das luas') de Saturno";
"...rochas de uma lua (ou "de uma
das luas') de Saturno". É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
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