São Paulo, quarta, 30 de dezembro de 1998

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Adolescentes depõem e acusam funcionários da Febem por morte

PRISCILA LAMBERT
SÍLVIA CORRÊA
da Reportagem Local

Adolescentes infratores da Unidade Educacional 17 da Febem (Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor) acusaram ontem formalmente funcionários da fundação pelo incêndio que deixou um morto e 22 feridos na véspera do Natal.
Cinco dos 70 menores internados na unidade depuseram no inquérito de rebelião, incêndio e morte instaurado no 81º DP (Belém) para apurar o caso.
O delegado Natanael da Silva Abreu, titular do distrito, não deu detalhes das declarações, mas confirmou que os menores apresentaram a mesma versão do incidente que vem sendo divulgada pela Pastoral do Menor.
Segundo a versão, funcionários da Febem atearam fogo a uma porta de madeira que separava um banheiro do dormitório onde 40 menores haviam se trancado após um início de rebelião. O fogo teria se propagado pelas roupas estendidas no quarto e encurralado os adolescentes.
Nos próximos dias, pelo menos 60 meninos devem ser ouvidos. Em seguida, segundo o delegado Abreu, prestarão depoimento os seis funcionários da Febem que estavam de plantão na unidade.
Ontem à noite, dez menores continuavam internados em hospitais, alguns em estado grave.
À tarde, cerca de 200 pessoas participaram de uma celebração ecumênica em solidariedade ao garoto morto e aos feridos.
O culto, realizado na Igreja São José do Belém (zona sudeste de SP), foi celebrado pelo padre Julio Lancellotti, da Pastoral do Menor.
Familiares dos meninos feridos e entidades de defesa da criança e do adolescente estiveram presentes.
No altar, foram expostas colagens feitas por menores que descreviam o momento em que eles estavam refugiados no dormitório, quando começou o incêndio.
"Os meninos tentaram se refugiar com medo de apanhar dos monitores. Meu filho disse que eles amontoaram armários e camas em frente às portas para impedir a entrada deles. Aí, os monitores jogaram querosene na porta e atearam fogo", conta Áurea Santos Ferreira, 37, cujo filho teve queimaduras no pescoço, nas costas e nos braços.
"Para fugir do fogo, eles tentavam sair pela porta, mas os monitores batiam neles e empurravam-nos de volta ao quarto."
"Foi um massacre", disse chorando Rosalina Maria de Jesus, mãe de um garoto que está na UTI do hospital do Tatuapé com queimaduras de terceiro grau.
Funcionários da Febem, presentes ao culto, contam outra versão.
Segundo José de Souza, coordenador de turno da UE- 17, vários monitores, inclusive ele, foram feridos com estiletes e pauladas durante a tentativa de fuga.
"Os monitores tentaram negociar com os menores, mas eles se recusaram e atearam fogo para chamar a atenção", disse Souza, com um hematoma no rosto.
O presidente da Febem, Eduardo Roberto Domingues da Silva, também esteve presente ao culto.
"Garanto que vamos apurar todas as condições que levaram à essa situação. Isso não podia ter acontecido, ainda mais por ser uma unidade pequena", disse, ao ser chamado ao altar.



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