São Paulo, domingo, 31 de março de 2002

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Juiz conservador garantiu paternidade

DA REPORTAGEM LOCAL

Quando Yasmin nasceu, no dia 13 de fevereiro de 1999, foi levada do Hospital São João de Deus para o quarto preparado com tudo rosa no andar de cima do Núcleo de Beleza do Loirinho.
O salão fica na rua dos Beija-Flores, em Santa Luzia, cidade histórica próxima a Belo Horizonte. No cartório, a menina foi registrada como Yasmin Santarelli Ogando Dias.
Dias é o sobrenome do pai biológico, José Geraldo, o Índio, 31. Ogando é da mãe Ilda. E Santarelli, de Jarbas Porto, é o sobrenome do Loirinho, transexual, companheiro de Índio, e que tem Yasmin como filha. "É como se ela tivesse vindo de dentro de mim", diz Loirinho, 36.
Yasmin nasceu de uma relação eventual entre Índio e Ilda, empregada que cuidou da casa e do salão durante um período. Grávida, Ilda prometeu que a futura criança seria dos dois rapazes, e Loirinho passou a cuidar dela ainda na barriga da mãe.
Acompanhou o pré-natal, viu o ultra-som. Só mais tarde soube que o pai era o próprio companheiro, mas diz que não ligou.
Como seu casamento homossexual era conhecido, Índio entrou na Justiça para preservar a guarda da criança. "Eu pedi garantias de que, em tempo algum, ninguém poderia pleitear a guarda em razão de o pai ser homossexual e de viver com um companheiro", diz a advogada do casal, Rosa Maria de Jesus Werneck, 40.
O processo durou dois anos e a sentença foi dada em outubro do ano passado. O juiz Marcos Henrique Caldeira Brant, 42, dois filhos, disse que a sentença reconhecia "a dois homens que vivem uma relação homoafetiva a garantia de que poderão ficar com a criança". "É o reconhecimento da paternidade gay", afirmou o juiz.
Loirinho não tem a guarda de Yasmin, porque legalmente a guarda não pode ser concedida a duas pessoas do mesmo sexo. Mas, se Índio morrer ou perder a guarda, Yasmin ficará com Loirinho, diz a advogada do casal.
Yasmin, hoje com três anos, está aprendendo que tem uma mãe biológica, que mora no mesmo bairro, e que tem uma "mãe diferente", que cuida dela e de cujos braços nunca sai.
Loirinho, como transexual, veste-se como mulher e tem formas femininas. "Meu sonho é fazer a cirurgia para mudar o sexo, pensando mais na menina", ele conta. "Fico triste quando ela quer tomar banho comigo e eu falo que um dia ela vai entender."
O juiz Caldeira Brant, considerado conservador, disse que a sentença foi dada por conta da "relação afetiva" do casal. "Há milhares de crianças sem referência nos abrigos. Essa criança tem o pai, tem conforto e seu próprio quarto. A relação homoafetiva do pai não é impedimento."
Índio trabalha como marmoreiro e Loirinho como cabeleireiro.


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