São Paulo, domingo, 31 de março de 2002

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SOCIEDADE

Parentes e amigos, que não consideram natural uma mulher não engravidar, tentam achar "explicações" para a atitude

Mães sem filhos ainda convivem com o preconceito

CARLA GOMES
DA REVISTA

"Minha família acha que sou infeliz porque nunca consegui engravidar", conta Lucy Oberg Guimarães de Andrade, 51. Ginecologista, Lucy estima ter participado de quase 20 mil partos. Mas o dela, para decepção da família, nunca fez parte de seus sonhos.
Casada duas vezes, Lucy integra uma tribo que tem crescido a cada dia: a das mulheres que deixam de exercer um direito considerado "sagrado": a maternidade.
Nos EUA, a taxa das sem-filhos, em 1998, era de 19% na faixa etária de 40 a 44 anos. Com base nos dados, a escritora Madelyn Cain lançou "The Childless Revolution" ("A Revolução das Sem-filhos"), livro em que defende a tese de que o grupo das "childless" vive hoje situação semelhante à de homossexuais há 20 anos: perto de, em suas palavras, "sair do armário".
Entre os anos 40 e 60, a média brasileira era de mais de seis filhos por mulher. Segundo as prévias do IBGE (o número final sai em maio), a média obtida no Censo 2000 deve ficar em 2,2 filhos por mulher. Na França e na Espanha, já é de 1,5 criança por mulher.
"Nosso processo foi parecido com o de países desenvolvidos, mas aqui aconteceu mais rápido", diz a demógrafa Elza Berquó, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Na Inglaterra, essas mudanças levaram um século.
Para Elza, escolher ou não ter filhos foi uma revolução da mulher, mas traz cobranças. "Ninguém acredita que a mulher não queira ter filhos, a princípio. Acham que é infértil, mas está escondendo o fato", diz Albertina Duarte Takiute, ginecologista com 31 anos de experiência e professora da USP.
A cobrança é maior na sociedade familiar ampla (pais, avós, tios, primos) e pode ter várias caras, como dó e solidariedade. Quando a "pobrezinha" não consegue engravidar, parentes aparecem com métodos conceptivos eficazes. "Todos conhecem alguém que usou este ou aquele método e tem quem ofereça um feto para implantar ou um bebê para adoção."
Se a não-maternidade for opção, o preconceito ganha outras tintas, como falsa compreensão ("ela deve ter se desiludido com alguma coisa") ou intolerância: "Mesmo que a decisão tenha sido do casal, ela leva a maior culpa e é tachada de egoísta pela família do marido, que considera maldade privá-lo da alegria de ser pai".
Se a mulher for solteira, há mais dois "mimos", homossexualidade ou incompetência afetiva ("não tem pois não conseguiu encontrar parceiro"). "Por pena, começam a convidá-la para ser madrinha de seus filhos", afirma Albertina.
As reações são explicáveis pela "idealização" da maternidade. Para a maioria, esterilidade é defeito, pois implica "perder" uma possibilidade que é um dever.
"A mulher tem de dar prioridade à criança, repartir a atenção de marido e parentes", diz a psicóloga Eliana Herzberg, 46, professora da USP. A falta de pré-consciência dessa perda gera decepção e eleva o risco de depressão pós-parto, diz em sua tese de doutorado sobre efeito psicológico da gestação.



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