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SOCIEDADE
Parentes e amigos, que não consideram natural uma mulher não engravidar, tentam achar "explicações" para a atitude
Mães sem filhos ainda convivem com o preconceito
CARLA GOMES
DA REVISTA
"Minha família acha que sou infeliz porque nunca consegui engravidar", conta Lucy Oberg Guimarães de Andrade, 51. Ginecologista, Lucy estima ter participado
de quase 20 mil partos. Mas o dela, para decepção da família, nunca fez parte de seus sonhos.
Casada duas vezes, Lucy integra
uma tribo que tem crescido a cada
dia: a das mulheres que deixam de
exercer um direito considerado
"sagrado": a maternidade.
Nos EUA, a taxa das sem-filhos,
em 1998, era de 19% na faixa etária
de 40 a 44 anos. Com base nos dados, a escritora Madelyn Cain lançou "The Childless Revolution"
("A Revolução das Sem-filhos"),
livro em que defende a tese de que
o grupo das "childless" vive hoje
situação semelhante à de homossexuais há 20 anos: perto de, em
suas palavras, "sair do armário".
Entre os anos 40 e 60, a média
brasileira era de mais de seis filhos
por mulher. Segundo as prévias
do IBGE (o número final sai em
maio), a média obtida no Censo
2000 deve ficar em 2,2 filhos por
mulher. Na França e na Espanha,
já é de 1,5 criança por mulher.
"Nosso processo foi parecido
com o de países desenvolvidos,
mas aqui aconteceu mais rápido",
diz a demógrafa Elza Berquó, da
Unicamp (Universidade Estadual
de Campinas). Na Inglaterra, essas mudanças levaram um século.
Para Elza, escolher ou não ter filhos foi uma revolução da mulher,
mas traz cobranças. "Ninguém
acredita que a mulher não queira
ter filhos, a princípio. Acham que
é infértil, mas está escondendo o
fato", diz Albertina Duarte Takiute, ginecologista com 31 anos de
experiência e professora da USP.
A cobrança é maior na sociedade familiar ampla (pais, avós, tios,
primos) e pode ter várias caras,
como dó e solidariedade. Quando
a "pobrezinha" não consegue engravidar, parentes aparecem com
métodos conceptivos eficazes.
"Todos conhecem alguém que
usou este ou aquele método e tem
quem ofereça um feto para implantar ou um bebê para adoção."
Se a não-maternidade for opção, o preconceito ganha outras
tintas, como falsa compreensão
("ela deve ter se desiludido com
alguma coisa") ou intolerância:
"Mesmo que a decisão tenha sido
do casal, ela leva a maior culpa e é
tachada de egoísta pela família do
marido, que considera maldade
privá-lo da alegria de ser pai".
Se a mulher for solteira, há mais
dois "mimos", homossexualidade
ou incompetência afetiva ("não
tem pois não conseguiu encontrar
parceiro"). "Por pena, começam a
convidá-la para ser madrinha de
seus filhos", afirma Albertina.
As reações são explicáveis pela
"idealização" da maternidade.
Para a maioria, esterilidade é defeito, pois implica "perder" uma
possibilidade que é um dever.
"A mulher tem de dar prioridade à criança, repartir a atenção de
marido e parentes", diz a psicóloga Eliana Herzberg, 46, professora
da USP. A falta de pré-consciência
dessa perda gera decepção e eleva
o risco de depressão pós-parto,
diz em sua tese de doutorado sobre efeito psicológico da gestação.
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