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PASQUALE CIPRO NETO
Por que, porque, por quê, porquê (2)
Na semana passada, não
foi possível terminar os vários casos de "por que", "porque"
etc. Prometi encerrar a novela hoje. E promessa é dívida.
Comecemos pelo "porque" (junto e sem acento), vagamente mencionado no último texto. Seu emprego mais comum ocorre como
conjunção causal ou explicativa,
tal qual se vê neste exemplo, de "O
que Tinha de Ser", obra-prima de
Tom Jobim e Vinicius de Moraes,
imortalizada no antológico disco
"Elis & Tom": "Porque foste na
vida a última esperança/Encontrar-te me fez criança".
A oração "porque foste na vida
a última esperança", anteposta,
indica o motivo, a explicação do
que se expressa em "Encontrar-te
me fez criança".
Convém lembrar que, em textos
clássicos, encontram-se duas formas equivalentes a "porque" pouco usadas hoje em dia: "porquanto" e "desde que".
A locução "desde que" é mais
conhecida com dois valores: condicional ("Ele aceita o cargo, desde que façam o que quer"), que o
"Aurélio" simplesmente ignora, e
temporal ("Desde que meus olhos
fitaram o seu rosto cândido, a
tranquilidade desertou a minh'alma", de "A Queda dum Anjo", de Camilo Castelo Branco, citado no "Aurélio").
Em "A Semana", de Machado
de Assis, encontra-se este exemplo: "Que não pedes um diálogo
de amor é claro, desde que impões
a cláusula da meia-idade".
O narrador se dirige a uma viúva, "de boa família e independente de meios", que publicara um
anúncio num jornal, para "encontrar por esposo um homem de
meia-idade, sério, instruído, e
também com meios de vida".
Que significa "desde que" no
fragmento de Machado? O contexto nos faz entender que é claro
o fato de a viúva não estar interessada em um diálogo de amor.
Essa clareza decorre da imposição da cláusula da meia-idade.
Tradução: "É claro que não pedes um diálogo de amor, porque
("visto que", "já que", "uma vez
que", "pois") impões a cláusula
da meia-idade".
Na primeira fase do vestibular
de 1989, a Fuvest incluiu esse trecho de Machado na prova de português e pediu aos candidatos que
indicassem o que poderia substituir a locução "desde que". Tratava-se de teste de múltipla escolha,
e a resposta correta era "porquanto", que, como já vimos,
equivale a "porque".
O "Aurélio" dá este exemplo:
"Não foi premiado, porquanto a
isso não fez jus" ("Não foi premiado porque não fez jus a isso").
Não se confunda "porquanto"
com "por quanto" ("Por quanto
você vendeu a casa?"), nem com
"conquanto", que tem valor concessivo e equivale a "embora"
("Irei, conquanto não me agrade
a companhia dele").
Na língua clássica, também se
encontram registros de "porque"
com valor final, equivalente a "a
fim de que", "para que": "Deu-me
Deus o seu gládio,/porque eu faça
A sua santa guerra". O exemplo é
de Fernando Pessoa, citado por
Celso Cunha e Lindley Cintra
("Nova Gramática do Português
Contemporâneo").
Por fim, é preciso lembrar que
existe a forma "porquê", substantivo, sinônimo de "motivo", "causa", "razão": "Todos querem saber o verdadeiro porquê de sua
participação no caso". É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail: inculta@uol.com.br
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