São Paulo, quinta-feira, 31 de maio de 2001

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PASQUALE CIPRO NETO

Por que, porque, por quê, porquê (2)

Na semana passada, não foi possível terminar os vários casos de "por que", "porque" etc. Prometi encerrar a novela hoje. E promessa é dívida.
Comecemos pelo "porque" (junto e sem acento), vagamente mencionado no último texto. Seu emprego mais comum ocorre como conjunção causal ou explicativa, tal qual se vê neste exemplo, de "O que Tinha de Ser", obra-prima de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, imortalizada no antológico disco "Elis & Tom": "Porque foste na vida a última esperança/Encontrar-te me fez criança".
A oração "porque foste na vida a última esperança", anteposta, indica o motivo, a explicação do que se expressa em "Encontrar-te me fez criança".
Convém lembrar que, em textos clássicos, encontram-se duas formas equivalentes a "porque" pouco usadas hoje em dia: "porquanto" e "desde que".
A locução "desde que" é mais conhecida com dois valores: condicional ("Ele aceita o cargo, desde que façam o que quer"), que o "Aurélio" simplesmente ignora, e temporal ("Desde que meus olhos fitaram o seu rosto cândido, a tranquilidade desertou a minh'alma", de "A Queda dum Anjo", de Camilo Castelo Branco, citado no "Aurélio").
Em "A Semana", de Machado de Assis, encontra-se este exemplo: "Que não pedes um diálogo de amor é claro, desde que impões a cláusula da meia-idade".
O narrador se dirige a uma viúva, "de boa família e independente de meios", que publicara um anúncio num jornal, para "encontrar por esposo um homem de meia-idade, sério, instruído, e também com meios de vida".
Que significa "desde que" no fragmento de Machado? O contexto nos faz entender que é claro o fato de a viúva não estar interessada em um diálogo de amor. Essa clareza decorre da imposição da cláusula da meia-idade.
Tradução: "É claro que não pedes um diálogo de amor, porque ("visto que", "já que", "uma vez que", "pois") impões a cláusula da meia-idade".
Na primeira fase do vestibular de 1989, a Fuvest incluiu esse trecho de Machado na prova de português e pediu aos candidatos que indicassem o que poderia substituir a locução "desde que". Tratava-se de teste de múltipla escolha, e a resposta correta era "porquanto", que, como já vimos, equivale a "porque".
O "Aurélio" dá este exemplo: "Não foi premiado, porquanto a isso não fez jus" ("Não foi premiado porque não fez jus a isso"). Não se confunda "porquanto" com "por quanto" ("Por quanto você vendeu a casa?"), nem com "conquanto", que tem valor concessivo e equivale a "embora" ("Irei, conquanto não me agrade a companhia dele").
Na língua clássica, também se encontram registros de "porque" com valor final, equivalente a "a fim de que", "para que": "Deu-me Deus o seu gládio,/porque eu faça A sua santa guerra". O exemplo é de Fernando Pessoa, citado por Celso Cunha e Lindley Cintra ("Nova Gramática do Português Contemporâneo").
Por fim, é preciso lembrar que existe a forma "porquê", substantivo, sinônimo de "motivo", "causa", "razão": "Todos querem saber o verdadeiro porquê de sua participação no caso". É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.

E-mail: inculta@uol.com.br



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