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Help!
Casa noturna tradicional do Rio será desapropriada para abrigar o Museu da Imagem e do Som
MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO
Dona de curvas discretas que
sugerem encantos depois de algumas doses, a mineira de nome de guerra Adriana dá de
ombros ao anúncio de que, desta feita, a discoteca Help vai
mesmo virar museu: "Só se for
museu de mulher pelada".
Não se veem mulheres peladas no estabelecimento fundado 25 anos atrás na orla de Copacabana, como reduto da juventude bem nutrida da zona
sul, e que se consolidou na década de 1990 como templo da
prostituição no Brasil.
O governo do Rio de Janeiro
pretende erguer nos 1.600 metros quadrados do terreno da
av. Atlântica a sede do MIS
(Museu da Imagem e do Som).
O Estado depositou em juízo
R$ 13 milhões para a desapropriação e orça o projeto em R$
65 milhões, metade da iniciativa privada. Com acervo de
1.300 metros lineares de documentos, o MIS funciona em
dois prédios históricos, de 1864
e 1922.
Sem cafetão
Em modelos minimalistas ou
dois números menores, mulheres dançam na pista com ambição de terminar a noite sem
roupa, mas com dinheiro no
bolso. A vingar o plano do governo, elas vão perder o coliseu
onde a clientela fantasia que as
caça enquanto é caçada.
Milhares de garotas e senhoras de programa -ninguém
precisa quantas exatamente-
partirão em diáspora incerta
em busca de um canto seguro
como a Help para trabalhar.
Aqui, cafetão não tem vez.
Dos em média R$ 15 mil que
uma gaúcha balzaquiana jura
faturar por mês aos R$ 3.200,
R$ 3.500 de uma paulista de
nove filhos, quatro netos e 42
anos de "formosura", nenhum
tostão é transferido a agente,
"protetor" e explorador.
O desembolso é pelo ingresso, R$ 28 antes da 0h e R$ 38
até o fechamento, por volta das
5h -o valor não varia por sexo.
O investimento é de risco: se
não obtiver cliente, contabiliza
prejuízo. O preço espanta prostitutas mais pobres e travestis
que se prostituem.
Em contraste com os inferninhos do bairro, as prostitutas
não empurram drinks aos frequentadores, boa parte oriunda
do exterior. Cada um tira seu tíquete no caixa e pede no balcão.
A preços módicos, a considerar
a vizinhança: lata de refrigerante a R$ 3, garrafinha de espumante top do Vale dos Vinhedos a R$ 20.
Não há sexo, nudez, performance erótica. O cenário passaria por boate comum, se as
mulheres não ofertassem o
amor pago. Seguranças zelam
contra o consumo de drogas.
Bolsas ficam na chapelaria. As
portas dos banheiros são tão
baixas que inibem quem lá
acorre em apuros.
Quadros apregoam em vários
idiomas o veto a saias excessivamente curtas, o que estimula
a dúvida: se as minissaias que
desfilam lá dentro não são demasiado minúsculas, serão as
vestes proibidas invisíveis a
olho nu?
Impõem-se limites aos
amassos. Não se identificam jovens com aparência de menor
de idade. À meia-noite o DJ ataca com a gravação original de
"Help" pelos Beatles. Logo vem
o baticum techno.
Moralismo
"É um lugar extremamente
seguro e de acordo com as normas e códigos do trabalho sexual no Brasil", diz o antropólogo Thaddeus Blanchette. "Se
todas as zonas e os bordéis fossem que nem a Help, a gente seria uma cidade feliz."
Americano radicado no Rio,
Blanchette é coautor, com a antropóloga Ana Paula da Silva,
do estudo "Nossa Senhora da
Help". Ambos são doutores pela UFRJ. O título ironiza o estrangeiro crente que fisgara na
discoteca a mulher dos sonhos:
baiana, 26 anos e virgem.
Autora do livro "Filha, Mãe,
Avó e Puta" (Objetiva, 2009), a
ex-prostituta Gabriela Leite
sintetiza: "O fechamento é fruto de moralismo do governo,
para esconder a prostituição".
A Secretaria de Estado de
Cultura, dirigida por Adriana
Rattes, nega: "É uma acusação
leviana. O governo tem outras
grandes preocupações que não
o moralismo".
Ela ainda acrescenta: "A
grande motivação do novo MIS
é a certeza de que a cultura é fator de ponta de desenvolvimento econômico. O MIS será
a maior atração do turismo cultural nacional e internacional,
além de centro de documentação sobre a história da música e
da imagem desta Cidade Maravilhosa".
Em outubro, contudo, o governador Sérgio Cabral comemorou: "[...] Vamos recuperar
uma área degradada da cidade,
que acabou se transformando
em um centro de prostituição e
referência negativa [...]".
Blanchette retruca: "O governo está fechando um lugar
modelar. Onde mulher vai para
encontrar cliente. E vai embora
para o hotel dele. Na Help, é a
mulher que controla os termos
da negociação. Ela pode ou não
ir com alguém".
Turistas
A controvérsia anima fóruns
da internet mundo afora. Um
gaiato escreveu que, se é tão
bom como contam, viajará ao
Brasil antes que a Help morra.
Na quinta, o Google fornecia
603 mil links para a busca conjunta pelas palavras "disco"
"Help" e "Copacabana".
Proliferam-se anúncios na
rede por apartamentos próximos à discoteca. Em um site, há
três categorias: a 4, 8 e 12 minutos de distância. Fazem-se reservas por telefone nos EUA.
Os turistas sexuais são o alvo
recorrente das moças: elas sonham com um marido "gringo"
que as leve ao lugar-comum da
felicidade, muito além do Brasil. Uma confidencia que deixou os filhos na Europa, com o
pai alemão, e retomou a labuta
antiga.
No padrão da Help, a prostituição é legal. Ilegal é explorá-la. Ninguém sabe quantas prostitutas há no país -no Censo,
elas ocultam a ocupação. Não
são poucas as que fazem da
Help um complemento financeiro a atividades diurnas.
Em outras quadras de Copacabana, como em torno da rua
Prado Junior, profissionais do
sexo submetidas ao controle de
cafetões são comuns. Aquela
região deve receber muitas iminentes órfãs da Help. Será o fim
da autonomia atual. Nas calçadas da praia, elas buscarão a
freguesia e terão que se expor
ao jogo bruto do trottoir.
Proprietário do imóvel, o espólio de uma polonesa resiste à
desapropriação na Justiça, daí
o ceticismo de alguns sobre a
instalação do MIS.
Decisões judiciais levam o
Estado a considerar que se está
"na reta final para começar a
demolição" do prédio da Help,
no qual cabem 2.000 pagantes,
com o uso da área de um restaurante desativado. Os donos
da discoteca, locatários do imóvel, dizem não querer polêmica
e esperam que a despedida esteja distante.
As futuras sem-teto não pedem socorro: lamentam, mas
conformam-se com o despejo.
Nas memórias de muitos, elas
serão o acervo do museu imaginário de mulheres peladas.
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