São Paulo, segunda-feira, 31 de julho de 2006

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mais rigor

Lei se esquece de aspectos preventivos

SEBASTIÃO LUIZ AMORIM
ÍTALO MORELLE

ESPECIAL PARA A FOLHA

O CARÁTER de uma nação deve ser retratado, sobretudo, em sua legislação. E o atual ordenamento penal brasileiro não se coaduna com a índole do seu povo. Isso porque, se de um lado temos a imensa maioria constituída de cidadãos pacatos, ordeiros e laboriosos, do outro há uma pequena parcela de criminosos, mas que propiciam pânico e terror em proporções gigantescas.
Entre os dois grupos temos uma legislação que, quase de forma utópica e absolutamente ineficaz, parece buscar apenas a ressocialização, esquecendo-se dos imprescindíveis aspectos preventivo geral (deve intimidar e dissuadir da prática criminosa), preventivo especial (cumprida rigorosamente obsta, pelo temor que infunde, a reincidência) e o retributivo (com a pena e o trabalho resgatar-se-á o mal que causou a sociedade, em razão do delito praticado).
Olvida-se -mediante leis tolerantes, que ensurdeceram aos lamentos das vítimas e familiares- a proporcionalidade que a pena deve guardar com o delito.
Sem degradar a sacra expressão "direitos humanos", que muitas vezes só vem se prestando como carta de indenidade à comunidade criminosa, ressaltamos que os verdadeiros direitos humanos são os insculpidos na Declaração Universal dos Direitos do Homem, que assim reza, em seu artigo 3º: "Todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal". Também reavivamos os ideais iluministas, libertários, advindos de vultos da envergadura de Voltaire, Diderot, Montesquieu, Rousseau, que culminaram com a Constituição francesa de 1795: "Ninguém é homem de bem se não observa sincera e religiosamente as leis" (art. 2º); "Aquele que viola abertamente as leis declara-se em estado de guerra contra a sociedade" (art. 6º).
É preciso ouvir os anseios da população e jamais deixar cair no esquecimento o "maio sangrento", no qual São Paulo sofreu, por parte de facções criminosas, ataques sem precedentes. Bem por isso, a Apamagis (Associação Paulista de Magistrados) logrou reunir os três poderes de São Paulo, dentre outras autoridades, formando uma comissão para estudo de alterações na legislação de execução penal, Código Penal, Código de Processo Penal e leis esparsas.
Lutamos por uma legislação penal que se amolde à dura realidade atual, na qual se convive com facções articuladas, estruturadas e caracterizadas, na expressão do juiz Walter Maierovitch, como pré-máfia. Pleiteamos, também, uma política criminal aperfeiçoada, que efetivamente possa combater a criminalidade, o que, de modo algum, prescinde de investimento no aparato policial, remunerando condignamente policiais, equipando-os à altura do combate, inclusive com serviços de inteligência bem alicerçados, construindo presídios, de forma a separar presos com alta, média e baixa periculosidade, tratando-os, também, condignamente.
Em suma, o que se busca é resguardar a sociedade e instituições, sobretudo o Estado democrático de Direito. Se é intuitivo que só a alteração da legislação não será suficiente para conter a criminalidade, também igualmente é verdadeiro que a mudança se tornou ainda mais urgente.
O que se pretende é que essa comissão seja o primeiro passo. Porque, além do aperfeiçoamento legislativo, há de se conscientizar as autoridades públicas, bem como o povo, de que somente o combate à miséria, à falta de instrução, ao analfabetismo, à falta de estruturação das famílias, à inexistência do emprego condignamente remunerado, é que poderá conduzir o Brasil ao progresso, gerando no cidadão o sentimento de pátria e o respeito ao semelhante, propiciando o reaparecimento de ideais nobres, com o império absoluto do amor ao próximo, sob o influxo do sentimento cristão no coração de cada um.


SEBASTIÃO LUIZ AMORIM , desembargador, preside a Associação Paulista de Magistrados (Apamagis); ÍTALO MORELLE é juiz e diretor-adjunto de imprensa da Apamagis

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