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ARTIGO
A síndrome do acossado
MOACYR SCLIAR
COLUNISTA DA FOLHA
Aquilo que o público espera de
um escritor, de um diretor de cinema, de um autor de novela de TV
pode ser resumido em uma única
palavra: "Surpreenda-nos".
A surpresa é o tempero da vida, é
o antídoto contra a rotina, o mais
das vezes pesada, em que vivem milhões de pessoas.
Fernando Dutra Pinto surpreendeu-nos. Não foi a surpresa lúdica
de um filme ou de um romance;
não, foi uma surpresa assustadora,
gerada por um foragido caçado pela
polícia e em cujo rastro já havia dois
mortos. Uma história de horror, interrompida, em um momento, por
um estranho interlúdio que dava a
idéia de um final feliz: Silvio e Patrícia felizes, sorridentes, ela atribuindo à crença em Deus sua salvação.
Parecia ficção, mas não era ficção,
como logo se descobriu, e sim brutal
realidade. A realidade da violência
brasileira.
Mas essa realidade ainda admitiria o insólito, correndo à conta daquilo que poderíamos chamar de
síndrome do acossado. O perseguido recorre a qualquer coisa para escapar; recorre, inclusive e principalmente, ao inesperado. Por exemplo:
sempre se disse que o criminoso
volta ao local do crime -uma coisa,
portanto, que o criminoso deveria
evitar. E Fernando Dutra Pinto voltou à casa de Silvio Santos. Porque o
acossado vive uma situação diferente, raciocina diferente, e às vezes seu
raciocínio, governado por obscuros
mecanismos psicológicos, escapa
aos padrões habituais.
Em fuga, uma lagartixa deixará a
cauda, coleando, diante do espantado perseguidor; uma ratazana, ao
contrário, poderá atacar com surpreendente ferocidade. Ou seja: em
animais ou em seres humanos, a
condição de acossado significa imprevisibilidade. Por que decidiu Dutra Pinto regressar à casa de Silvio
Santos? Movia-o o desespero ou
uma notável intuição? Não importa.
O certo é que desnorteou seus perseguidores e criou dificuldades adicionais à polícia. Os negociadores
enviados ao local sabiam que estariam diante de uma figura insólita.
O fato é que a negociação deu resultado. O que, entre parênteses,
corresponde a uma tradição brasileira. Somos um país que busca o
consenso. O que nem sempre é
bom: quando o consenso serve para
maquiar (e esta também é uma palavra muito usada entre nós, ao menos no momento) um conflito, representa apenas um engodo histórico, ilusório, aliás. Mas quando, como no caso, evita problemas maiores, representa uma solução. É o antídoto que a racionalidade nos dá
contra a síndrome do acossado. E
funcionou. Bom seria se a negociação pudesse resolver os nossos macroproblemas. Isso, porém, já seria
pedir demais.
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