São Paulo, sexta-feira, 31 de agosto de 2001

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COMENTÁRIO

Show aéreo

LUIZ CAVERSAN
EDITOR DO TV FOLHA

A televisão brasileira consagrou ontem o "jornalismo aéreo" como campeão de audiência e de permanência no vídeo. Foram mais de oito horas de imagens aéreas, mas também de desencontros de informações, numa só cobertura.
Globo, SBT e Record, as líderes de audiência, ainda uma vez lideraram a atuação televisiva na transmissão do episódio envolvendo Silvio Santos e o sequestrador de sua filha, Fernando Dutra Pinto. Com seus helicópteros sempre focando a casa do Morumbi, elas bombardearam o telespectador com todos os tipos de informação, muitas delas contraditórias ou simplesmente fantasiosas.
Mas o "furo" noticioso do dia, como se diz no jargão jornalístico, foi da Rede Bandeirantes que, por intermédio de seu canal local em UHF, o 21, teve imagens da mulher do apresentador e de suas filhas deixando a casa, ainda em roupas de dormir, logo após a invasão do sequestrador. Foi apenas obra do acaso, porque uma equipe da emissora se encontrava no local para tentar falar com o apresentador. Como se sabe, a sorte também faz parte desse tipo de atividade.
A bobeada do dia teve como protagonista justamente a emissora do sequestrado, o Sistema Brasileiro de Televisão.
No desfecho do episódio, enquanto a câmera da Globo, por exemplo, dava um close no empresário caminhando ao lado do governador Geraldo Alckmin na direção do portão da casa, a jornalista que comandava a cobertura da emissora, Patrícia Pioltini, ouvia a narração do repórter que se encontrava no local e chamava desesperadamente o piloto da aeronave do SBT, que saíra no encalço do carro que supostamente levava o sequestrador. Não adiantou: acabou perdendo a cena.
Antes disso, Globo, SBT e Record (a primeira, com Carlos Nascimento no comando; a segunda, com Ratinho como comentarista; e a terceira com José Luiz Datena atuando como se estivesse num de seus programas normais) ficaram o tempo todo fixadas na casa, no movimento de policiais e dando trombadas com as notícias e "informações que acabaram de chegar".
Na Globo, Silvana Nigro era uma cirurgiã especialista em situações de risco; no SBT, ela era a médica particular de Silvio Santos. Na Record, o "comentarista" Netinho nem sequer sabia quem era o sequestrador: teve de perguntar a Datena se era o mesmo que sequestrara a filha de Silvio Santos.
Bastava mudar de canal para perceber que cada um chutava para um lado: o pai do rapaz está lá dentro; a irmã está chegando; mais uma irmã virá; a médica já fez o curativo; não, o sequestrador não quer ser socorrido porque teme ser sedado; sim, foi ele quem exigiu que fosse uma médica e não um médico; agora, Silvio Santos está com a pressão alta; o governador cancelou a agenda para acompanhar o sequestro; o comandante da PM é quem está negociando diretamente com o rapaz, que estava na cozinha, na sala de ginástica ou no quarto da casa.
Não dava para saber o que estava acontecendo de fato e o que era apenas desinformação.
No SBT, Ratinho parecia um santo: passou o dia chamando o sequestrador pelo nome, dizendo que ele estava apenas preocupado com sua segurança, que tinha de ter garantias para sair com vida, que o governador e o secretário da Segurança deveriam estar ali, que a culpa era dos presídios que não recuperam os presos no Brasil, e que tudo terminaria bem.
Às vezes, soltava uma ou outra imprecação, mas se controlava, evidentemente em nome da segurança do sequestrado.
Bastou, porém, ter certeza de que tudo havia terminado para voltar ao normal: "Agora, vamos ver se todo mundo chama o rapaz de sequestrador? Fica chamando de Fernando, sr. Fernando... É sequestrador, pô! Daqui a pouco vai virar herói. É sequestrador e assassino. Bandido!"
Exageros e desencontros à parte, no geral as emissoras de televisão proporcionaram um longo show ao telespectador, que pôde acompanhar um drama real como se estivesse diante de um programa da Globo, do SBT, da Record, da Band...


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