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COMENTÁRIO
Show aéreo
LUIZ CAVERSAN
EDITOR DO TV FOLHA
A televisão brasileira consagrou ontem o "jornalismo aéreo"
como campeão de audiência e de
permanência no vídeo. Foram
mais de oito horas de imagens
aéreas, mas também de desencontros de informações, numa só
cobertura.
Globo, SBT e Record, as líderes
de audiência, ainda uma vez lideraram a atuação televisiva na
transmissão do episódio envolvendo Silvio Santos e o sequestrador de sua filha, Fernando
Dutra Pinto. Com seus helicópteros sempre focando a casa do
Morumbi, elas bombardearam o
telespectador com todos os tipos
de informação, muitas delas contraditórias ou simplesmente fantasiosas.
Mas o "furo" noticioso do dia,
como se diz no jargão jornalístico, foi da Rede Bandeirantes que,
por intermédio de seu canal local
em UHF, o 21, teve imagens da
mulher do apresentador e de
suas filhas deixando a casa, ainda
em roupas de dormir, logo após a
invasão do sequestrador. Foi
apenas obra do acaso, porque
uma equipe da emissora se encontrava no local para tentar falar com o apresentador. Como se
sabe, a sorte também faz parte
desse tipo de atividade.
A bobeada do dia teve como
protagonista justamente a emissora do sequestrado, o Sistema
Brasileiro de Televisão.
No desfecho do episódio, enquanto a câmera da Globo, por
exemplo, dava um close no empresário caminhando ao lado do
governador Geraldo Alckmin na
direção do portão da casa, a jornalista que comandava a cobertura da emissora, Patrícia Pioltini, ouvia a narração do repórter
que se encontrava no local e chamava desesperadamente o piloto
da aeronave do SBT, que saíra no
encalço do carro que supostamente levava o sequestrador.
Não adiantou: acabou perdendo
a cena.
Antes disso, Globo, SBT e Record (a primeira, com Carlos
Nascimento no comando; a segunda, com Ratinho como comentarista; e a terceira com José
Luiz Datena atuando como se estivesse num de seus programas
normais) ficaram o tempo todo
fixadas na casa, no movimento
de policiais e dando trombadas
com as notícias e "informações
que acabaram de chegar".
Na Globo, Silvana Nigro era
uma cirurgiã especialista em situações de risco; no SBT, ela era a
médica particular de Silvio Santos. Na Record, o "comentarista"
Netinho nem sequer sabia quem
era o sequestrador: teve de perguntar a Datena se era o mesmo
que sequestrara a filha de Silvio
Santos.
Bastava mudar de canal para
perceber que cada um chutava
para um lado: o pai do rapaz está
lá dentro; a irmã está chegando;
mais uma irmã virá; a médica já
fez o curativo; não, o sequestrador não quer ser socorrido porque teme ser sedado; sim, foi ele
quem exigiu que fosse uma médica e não um médico; agora, Silvio Santos está com a pressão alta; o governador cancelou a
agenda para acompanhar o sequestro; o comandante da PM é
quem está negociando diretamente com o rapaz, que estava
na cozinha, na sala de ginástica
ou no quarto da casa.
Não dava para saber o que estava acontecendo de fato e o que
era apenas desinformação.
No SBT, Ratinho parecia um
santo: passou o dia chamando o
sequestrador pelo nome, dizendo que ele estava apenas preocupado com sua segurança, que tinha de ter garantias para sair
com vida, que o governador e o
secretário da Segurança deveriam estar ali, que a culpa era dos
presídios que não recuperam os
presos no Brasil, e que tudo terminaria bem.
Às vezes, soltava uma ou outra
imprecação, mas se controlava,
evidentemente em nome da segurança do sequestrado.
Bastou, porém, ter certeza de
que tudo havia terminado para
voltar ao normal: "Agora, vamos
ver se todo mundo chama o rapaz de sequestrador? Fica chamando de Fernando, sr. Fernando... É sequestrador, pô! Daqui a
pouco vai virar herói. É sequestrador e assassino. Bandido!"
Exageros e desencontros à parte, no geral as emissoras de televisão proporcionaram um longo
show ao telespectador, que pôde
acompanhar um drama real como se estivesse diante de um
programa da Globo, do SBT, da
Record, da Band...
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