UOL


São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2003

Próximo Texto | Índice

SEGURANÇA

Dos policiais mortos em São Paulo desde 2001, 70% estavam fora do serviço quando foram vítimas de violência

PM sem farda corre mais risco de morte

GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

A carteira funcional vai parar na meia. A farda é bem escondida na sacola. Assim, o soldado da Polícia Militar de São Paulo José (nome fictício), 43, sai do quartel e toma dois ônibus até chegar em casa, na periferia, onde os poucos vizinhos que o conhecem pensam que ele é funcionário de uma loja de móveis. À noite, ele sai para o "bico" de segurança com uma arma não registrada, mas mente que trabalha como garçom.
Como policial, José enfrenta uma rotina de riscos na zona leste da capital paulista, uma das regiões mais perigosas da cidade. Mas ele tem mais medo de ser vítima da violência quando está de folga ou no segundo emprego.
As estatísticas oficiais mostram que a intuição dele está correta. Dos 297 policiais militares mortos entre janeiro de 2001 e julho de 2003 na cidade de São Paulo, 70% estavam de folga.
Na Polícia Civil, o índice de mortes fora do serviço é de 48% no mesmo período. Dos 79 mortos, 38 não estavam trabalhando. Os dados, que levam em conta homicídios e mortes acidentais, foram contabilizados pelas corregedorias das polícias Civil e Militar e pela Ouvidoria das Polícias.
De janeiro a julho de 2003, o percentual de PMs mortos fora de serviço (79,3%) superou 2001 (71%) e 2002 (65,2%). Em números absolutos, porém, o maior número de mortes em folga ocorreu em 2001 (88 casos).

Causa
"Pelo menos 90% dos policiais militares que morrem na folga estão no bico. E isso ocorre em todo o país", afirmou o cabo Wilson Morais, presidente da Associação de Cabos e Soldados de São Paulo e diretor de comunicação da associação nacional. No Rio, de janeiro de 2001 a junho de 2003, 78% dos PMs mortos estavam de folga.
Há 23 anos na PM, o soldado José fez serviços extras nos últimos dez. Diz que ganha R$ 1.200 pela PM e R$ 1.700 como segurança de uma empresa e de um supermercado. Veste farda 12 horas seguidas, dia sim dia não. Mas é segurança todas as noites.
Como segurança, por duas vezes ele trocou tiros com ladrões. Não se feriu e não feriu ninguém. Trabalha sozinho, sem colete à prova de balas. "Tento sempre ficar atrás de um balcão ou de uma parede. Sei que é perigoso, mas a gente tem de se virar."
Para o presidente da associação que representa os cabos e soldados, há outro fator de risco, além do bico: os baixos salários empurram os policiais para moradias em áreas distantes e com alto índice de criminalidade.
"O PM e a família dele tornam-se alvos. Muitos escondem sua função para poder sobreviver", disse o cabo Wilson.
No bairro em que morava antigamente, o soldado José conseguiu esconder sua função até que um PM conhecido, que passava em uma ronda, o cumprimentou. José, que vivia perto de um ponto-de-venda de drogas, passou a receber ameaças de morte. As ameaças agravaram problemas familiares, e o soldado foi abandonado pela mulher e pelos filhos, que foram morar no interior.
O criminólogo Túlio Kahn, doutor em ciência política, afirma que, ao analisar as estatísticas de policiais mortos, deve-se levar em conta que uma parte é vítima ao reagir -algumas vezes precipitadamente- ao testemunhar crimes fora do horário de serviço.
Para o pesquisador, a maior vulnerabilidade do policial durante a folga exige mudanças no seu próprio treinamento. Kahn afirma que o policial deve ser orientado a agir apenas se houver condições mínimas para isso. Em serviço, por exemplo, ele é instruído a comunicar a situação a outros policiais e aguardar ordens e reforço. "Um bom policial, em suma, é um policial vivo", diz.


Próximo Texto: Secretaria diz ter tomado medidas
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.