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São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2003

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PATRIMÔNIO

Pesquisadores e representantes de governos polemizam sobre preservação de bens históricos e exploração turística dos mesmos

Restauro de fortes provoca guerra de idéias

RICARDO BONALUME NETO
ENVIADO ESPECIAL A ITAMARACÁ (PE) E SANTOS (SP)

Uma nova guerra envolve as fortalezas históricas brasileiras. Mesmo centenárias, várias nunca dispararam um tiro contra um inimigo. Mas desta vez o tiroteio é com palavras e ações polêmicas de restauro e "restauro".
O conflito é entre diferentes concepções de preservação, restauração, pesquisa arqueológica e paisagismo. Os combatentes incluem arquitetos, arqueólogos e historiadores, representantes de governos e funcionários do patrimônio histórico.
O desafio é como preservar o bem tombado e, ao mesmo tempo, tornar o monumento um bem cultural usado pela população. Mas nem sempre o que é bom para o turismo é correto em termos de preservação do patrimônio.
Quatro exemplos recentes revelam o estado dessa "guerra".
O Forte do Castelo ou do Presépio em Belém (PA) passou por uma polêmica restauração. O trabalho de arqueologia revelou estruturas desconhecidas da fortificação. Mas um muro do século 19 foi derrubado, deixando um portão isolado e, segundo os críticos, descaracterizando o forte, já que nenhuma obra de defesa dispensa uma muralha defensiva.
A Secretaria Executiva de Cultura, estadual, defendeu e realizou a destruição do muro, apesar de parecer contrário de técnicos federais do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). A prefeitura foi contra.
"Um muro de aproximadamente 142 anos de existência não é um muro qualquer, principalmente um muro que está integrado a um dos maiores patrimônios históricos de Belém e do Estado do Pará", declarou, em artigo disponível na internet, o sociólogo Aloysio Antonio Castelo Guapindaia, da Fumbel (Fundação Cultural do Município de Belém) -em http://www.prefeituradebelem.com.br/artigo.asp?artigo- id=307.
O problema vai além disso.
Muitos canhões de valor histórico -vários muito raros- estão dispostos de modo "criminoso", segundo Adler Homero Fonseca de Castro, historiador do Iphan. Foram colocados diretamente sobre a grama e com a boca para cima, assegurando o acúmulo de água e de lixo.
"Quero deixar claro que essa colocação dos canhões não foi feita por nós", diz o arquiteto José Luiz Brenna, que trabalha no escritório de paisagismo da arquiteta Rosa Grena Kliass. Tanto em Belém como em Macapá, as obras de paisagismo foram projetadas por esse escritório, de São Paulo.
As obras na Fortaleza de São José de Macapá (AP) param e prosseguem de acordo com as mudanças do governo estadual. Já são três administrações estaduais que ora interrompem, ora continuam a restauração. Obras de paisagismo inauguradas no ano passado já estão de novo abandonadas e fechadas.
Em Macapá, o projeto de paisagismo ficou pronto antes da conclusão das escavações arqueológicas. O resultado é a paralisia ocasional das obras, e a necessidade de rever o projeto com base nos achados.
O trabalho cientificamente correto dos arqueólogos nessas duas cidades se repetiu no Forte de Orange, em Itamaracá (PE), onde foram achadas peças e estruturas raras pela equipe de Marcos Albuquerque, da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), a mais experiente do país na área.
Mas o forte precisa de restauração urgente. Há pedras das muralhas soltas por toda parte.
Restauração é o que não falta nas fortificações do litoral paulista, na Baixada Santista -caso da Fortaleza de Itaipu (Praia Grande), Forte de São Tiago ou São João da Bertioga (Bertioga) e Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande (Guarujá).
Em compensação, quase nada se fez de pesquisa arqueológica em São Paulo -nem passar um detector de metais. Apenas em Bertioga se usou um geo-radar para sondar a estrutura. Dada a antiguidade do fortim, é provável que objetos interessantes estejam enterrados em torno dele.
O resultado dessas quatro batalhas não tem interesse apenas local. Muitas cidades brasileiras têm fortificações históricas, com graus variados de preservação.


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