São Paulo, domingo, 31 de agosto de 1997.



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VIOLÊNCIA 2
Para Szajman, polícia precisa se 'mostrar mais'
Debatedor sugere proibição total

da Reportagem Local


Neste trecho do debate, os participantes apresentam propostas para desarmar a população e chegam a cogitar a possibilidade de uma restrição total ao porte de armamentos.

Folha - Até que ponto a campanha pelo desarmamento terá resultado? Vai ser necessário que nós tenhamos uma legislação ainda mais dura, que chegue à proibição total do porte de arma?
Santos Jr.
- Eu vejo estudiosos apontando para a restrição total. Resta ver como a lei resultará em eficiência nos primeiros momentos. Se os níveis de concessão de porte e registro de armas se mantiverem baixos, isso implica que a lei, sozinha ou somada à campanha, é eficiente, e a sociedade não perseguirá uma restrição total.
Mas, se o nível de fornecimento de portes crescer, associado a um crime mais impactante, é possível que seja cobrada a vedação total. Tenho a impressão que, se a lei continuar nos limites atuais, de poucos portes de armas sendo registrados, é possível que a sociedade se contente, ainda mais com os efeitos da campanha. Resta ver como a sociedade se porta agora.
Cappelli - A maioria esmagadora das armas hoje não é registrada e o dono não possui porte. Quer dizer, se você apertar a legislação e proibir a posse das armas, você não diminui o número delas a índices relevantes. Hoje, as pessoas já têm armas e desconhecem a lei.
Tuma - Tanto é que, quando essa legislação foi discutida, foi dada uma carência de seis meses, praticamente uma anistia para estimular a procurar a autoridade competente para o registro.
Cappelli - Por mais que tente apertar ou criar qualquer tipo de cerco em função da legislação, você não tem alteração relevante nos índices de armas que estão na mão da população. Aí eu vou voltar àquela questão; precisa ser discutido o que está levando a população a se armar. Por que você tem hoje tanta gente armada, não só nas periferias, mas também nos centros das grandes cidades? As pessoas se sentem inseguras com relação à questão da violência. A exclusão social precisa ser discutida, você tem pessoas fora das escolas.
Tuma - Eu acho que na proibição total às armas você vai ter, como há hoje, algumas centenas de milhares de armas clandestinas...
Santos Jr. - Vamos viver uma espécie de lei seca das armas?
Tuma - É, não há dúvida. Hoje, quando se fala em descriminalizar alguns tipos de drogas, que a gente reage muito, a base é essa. Tudo que a lei proíbe é como uma panela de pressão. Se você não tem uma válvula, o cidadão vai tentar explodir da forma que ele conseguir.
Hoje em dia, você não pode proibir. Os fabricantes de arma estão aí para investir milhões. Tanto é que as guerras regionais acabam e eles criam outras, é um fator econômico forte. Eles vão sempre procurar subterfúgios para poder colocar sua mercadoria no mercado.
Folha - Os senhores teriam propostas para, em primeiro lugar, convencer o cidadão a entregar sua arma e, em segundo, obrigar o criminoso a fazê-lo também?
Santos Jr.
- A Secretaria da Justiça trabalhará a questão do desarmamento em pelo menos dois pontos. Primeiro, no Programa de Atendimento à Vítima. Nós estamos trabalhando num centro de referência e numa cartilha que será distribuída nas escolas e a todas as pessoas em situação de vítima. E, nessa cartilha, uma das observações básicas é em relação ao uso da arma dentro e fora de casa. Fazemos várias recomendações, tendendo para o não-uso da arma.
Em segundo lugar, um dos pontos do Programa Estadual de Direitos Humanos é o aumento do controle sobre o uso de armas e munições pelos policiais. Nós vamos realizar uma série de atividades com a sociedade, com o Conselho de Defesa da Pessoa Humana, com a UNE, com o 11 de Agosto (centro acadêmico da Faculdade de Direito da USP) e com outros setores do Estado para que esse ponto tenha resultados.
Cappelli - Acho que já estamos convencendo as pessoas. Temos recebido ligações de gente que quer entregar armas. A partir dessa campanha e do envolvimento da sociedade, a gente consegue convencer essas pessoas.
Agora, para fazer os marginais, os traficantes entregarem as armas, primeiro é preciso criar mecanismos para que a arma não chegue às mãos deles. E, depois, criar meios para que a gente tenha uma polícia eficiente, que possa recolher essa arma.
E mais importante do que isso é pensar em como fazer para que a sociedade não gere mais marginais. Só conseguiremos acabar com a geração de mais violência no Brasil quando a gente conseguir acabar com o apartheid social.
Szajman - Democracia na sua plenitude é, inclusive, o direito de ninguém ser morto por falta de uma autoridade severa e dura no exercício da cidadania.
Deve haver tolerância zero, ninguém tem que ter arma. Eu acho que é zero mesmo para começar a conversa. Não pode ter arma. Ninguém. Senão, não dá para limpar. Pode ser até uma utopia, mas é uma resposta a uma pergunta.
E, segundo, eu acho que a polícia precisa ficar mais visível, tem de se mostrar mais. Ela tem que estar aí, quiosques em todos os cantos da cidade. O cidadão precisa sentir proteção. Então, se ele sentir proteção, a coisa melhora muito. O cidadão vai deixar a arma dele de lado, vai entregar a arma, vai desaparecer esse problema.
E, em terceiro lugar, os meios de comunicação têm um papel superimportante a exercer no desarmamento da população. Eles têm de se integrar ao movimento, ter uma participação ativa na divulgação do que acontece no dia-a-dia.
Tuma - Acho que esses homicídios por questões menores, desavenças, homicídios no trânsito por discussões fúteis, acontecem em decorrência da facilidade com que o cidadão anda armado. Então, a campanha deve ser permanente. Ela tem de formar uma cadeia que alcance o cidadão, ele vai se conscientizar e, na hora de conversar com o seu semelhante, dirá: "Olha, você não deve andar armado". É uma campanha boca à boca, de ouvido para ouvido.
Na medida em que você tem o resultado da conscientização, começa a isolar o marginal, que anda armado. Então, qualquer operação policial que pegar alguém armado estará diante de um criminoso em potencial.
Na medida em que achar que é bobagem andar armado, você vai colaborar psicologicamente com a campanha, contar para o seu amigo, seu vizinho. Então, isso vai acabar. Assim como essas escolas de preparação de futuras vítimas, que querem ensinar a usar a arma.





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