São Paulo, domingo, 31 de agosto de 1997.



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SAÚDE
Perfil de mulheres que interrompem a gravidez, divulgado por pesquisadora, mostra que famílias ignoram gestação
Aborto clandestino mata as mais jovens

AURELIANO BIANCARELLI
enviado especial a Águas de Lindóia

Quase 20% das mulheres que tiveram complicações com aborto clandestino e foram internadas em hospitais públicos da cidade de São Paulo tinham 19 anos ou menos. Outras 53% tinham entre 20 e 39 anos.
Entre as oito mulheres que morreram de aborto em 1994 em São Paulo, três tinham 17 anos ou menos e estavam na 7ª série. Todas eram católicas, moravam na periferia e suas famílias não sabiam que estavam grávidas.
Esse perfil das mulheres que fazem aborto e das que morrem vítimas dele aparece em estudo apresentado no 5º Congresso Brasileiro e Paulista de Saúde Coletiva, que aconteceu em Águas de Lindóia.
A autora da pesquisa, a enfermeira e professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Lucila Amaral Vianna, trabalhou apenas com autorizações de internação hospitalar (AIHs) dadas pelo Ministério da Saúde a hospitais de São Paulo em 1994.
Dentre as 160.770 internações por causas maternas, 15.788 -ou 9,8%- foram atribuídas a "aborto não especificado".
O número real de abortos é muito maior, ressalva a autora. De um lado, estima-se que as internações na rede pública de São Paulo representem 60% do total.
No caso do aborto, por ser um procedimento ilegal, o número de mulheres que recorreriam a clínicas privadas seria muito maior do que os 40% que têm planos de saúde ou pagam serviços privados.
Por outro lado, há um número desconhecido de mulheres que fazem aborto e não precisam recorrer a hospitais.
Os estudos indicam que o número de abortos corresponderia a cerca de 20% do total de nascimentos. Por essa regra, cerca de 400 mil abortos provocados aconteceriam por ano na cidade de São Paulo.
Quanto aos óbitos por aborto, os pesquisadores partem do princípio de que o número de mortes notificadas é metade dos casos reais.
Assim, pelo menos 16 mulheres teriam morrido em decorrência de aborto em São Paulo em 1994.
"Já o número de sequelas decorrentes do aborto provocado é desconhecido, mas certamente muito grande", diz Lucila.
A idade das mulheres que morreram por aborto mostra que um trabalho de informação e atenção deve começar na escola, afirma a pesquisadora. "Todas procuraram ajuda médica muito tarde", diz. "Todas morreram em grande solidão, pois não tinham informado nem suas famílias."
Sete das oito vítimas eram solteiras e uma, separada. Sete morreram em hospitais da periferia e a oitava em casa. Em um dos casos, o aborto foi provocado com uma sonda. Nos outros, os métodos não foram identificados.
"A descriminalização do aborto diminuiria muito o número de mortes e de sequelas e reduziria o número de abortos", diz Lucila.


Aureliano Biancarelli viajou a convite da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva)



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