São Paulo, Terça-feira, 31 de Agosto de 1999
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VIOLÊNCIA
Em encontro, 50 ex-internos contaram rotina violenta em unidades de SP
Jovens relatam agressões na Febem

ANDRÉ LOZANO
da Reportagem Local

A violência nas unidades mais problemáticas da Febem, em São Paulo, é cotidiana e quase sempre motivada por banalidades.
É o que se conclui dos relatos feitos ontem por cerca de 50 ex-internos reunidos no Centro de Defesa da Criança e do Adolescente, no Belém (zona sudeste).
Segundo o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Menor, o fato de agrupar egressos para contarem a rotina violenta da Febem teve como intenção dar uma resposta à "vulgarização das informações oficiais".
"As autoridades estão querendo transformar em senso comum os casos de agressões na Febem. Dizem que não é bem assim, que há exagero dos menores. Por isso quisemos mostrar a verdade."
A maioria dos relatos foi de ex-internos do complexo da Imigrantes (zona sudoeste), o mais lotado. Percepção de quase todos os ex-internos e sintetizada por F.C., 16: "A Febem não dá para recuperar; dá para matar, porque só traz revolta para os meninos".
Segundo D.J.S., 18, "qualquer coisa serve de desculpa para a violência dos funcionários". Ele disse que teve os dentes da frente quebrados por um monitor durante rebelião em 1997.
"A Febem possui uma violência banalizada e estruturada", disse o padre Júlio Lancellotti.
Os adolescentes relataram suas experiências nas dependências da Febem.
A primeira regra que o adolescente toma conhecimento no estabelecimento é que ele não pode arrastar os chinelos quando anda. "Arrastar chinelo já é motivo para apanhar. A repressão pode piorar, caso o menor bata um chinelo contra o outro. Os monitores dizem que isso é sinal para rebelião", contou R.S., 19.

Pagar veneno
O monitor que acha que o interno "saiu do padrão de conduta" pode aplicar ao jovem o castigo conhecido como "pagar veneno". O menor é colocado de frente a uma parede. Durante cerca de meia hora, fica escorado com as mãos para trás, apoiado somente pelo rosto e tronco. "Dá para aguentar uns 15 minutos. Depois disso, a perna não suporta. Se caímos, levamos borrachada", disse R.L.S., 18.

Rolar canguru
Quando dá entrada em alguma unidade da Febem ou depois do horário de visita, os jovens são submetidos ao "canguru". Nus e agachados, são obrigados a dar três pulos. "É para os monitores terem certeza de que não escondemos nada no corpo", disse S.

Banho
A regra para o banho é a seguinte: nada de se ensaboar debaixo d'água. "A gente tem de se ensaboar na fila, antes da ducha. Isso porque temos menos de 30 segundos para tirar o sabão. Se demoramos um pouco mais, o monitor desce a borracha. Eu, por exemplo, fiquei dois meses sem me ensaboar", contou E.F.B.

Lei do silêncio
Enquanto esperam o banho ou outra atividade, os jovens são mantidos sentados em fila. "Ninguém pode abrir a boca. Se um encosta sem querer no outro, diz foi "sem maldade". Essa frase já é suficiente para os monitores acharem que houve quebra do silêncio e partirem para a agressão. O menino é retirado da fila e é obrigado a ficar com o "coco" (a cabeça) contra a parede."

Rodar peão
Uma das "brincadeiras" dos monitores, segundo os adolescentes, é fazer o interno "rodar peão". Com uma mão apoiada no chão, o menor é obrigado a dar várias voltas em círculo. Em seguida, tem de correr em linha reta. Caso perca o equilíbrio, apanha.




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