São Paulo, Domingo, 31 de Outubro de 1999
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Interno da Febem é branco, tem mãe, mas não tem pai

SÍLVIA CORRÊA
da Reportagem Local


Niels Andreas/Folha Imagem
R., que se envolveu com assaltantes e está internado na Febem, aguarda audiência com juiz


R. tem 17 anos, a pele bronzeada de sol e morava com a mãe, o padrasto e três irmãos.
Cursou até a 7ª série em escola pública e diz que quer trabalhar -"arrumar um emprego para ser independente".
O sonho, porém, está adiado pelo menos por alguns meses. R. envolveu-se com assaltantes, usou drogas, roubou e está internado na Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) há três meses. É sua primeira vez.
O histórico de R. é o mesmo da maioria dos menores infratores de São Paulo, adolescentes privados de liberdade que chamaram a atenção da opinião pública -e do governador Mário Covas- nas últimas semanas após inúmeras fugas em massa e motins com requintes de violência nunca antes registrados na Febem.
O perfil desses adolescentes é traçado anualmente pela própria fundação e foi aprofundado por uma pesquisa feita pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) a partir da ficha de 390 menores que estavam na instituição em 97.
Os dados mostram que mais da metade dos internos são homens (96,4%), brancos (60%), têm de 16 a 18 anos (77,3%), foram internados por assalto (60%) e já usaram drogas (41%).
Mas há mais em comum: a maioria tem passagens anteriores pela fundação (62%), nasceu na capital (46,3%), parou de estudar entre a 5ª e a 8ª séries (60%) e tem família (75,5%), mas já não vive com o pai -o que acontece em 65% dos casos dos que contam com estrutura familiar.
O que as pesquisas não respondem com objetividade é de que forma esse coquetel de ingredientes semelhantes reage para levar o adolescente à criminalidade.
"Eu queria comprar as minhas coisas, senhora", resume R.
De acordo com pessoas que trabalham com menores infratores, a resposta pode surgir da comparação do perfil desses adolescentes com a média da população.
Com condições de vida inferiores às da média geral, os infratores vêm no crime a forma de conseguir o que querem e não podem ter: atenção, bens materiais etc.
"A entrada no crime não tem uma causa só. É um complexo processo social", diz Paulo Sérgio Pinheiro, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo.
"Muita coisa influencia -família, escola, pobreza, privações etc. Esses jovens (infratores) não têm espaço de convívio agradável."
Na comparação com a média da população paulista, os números de fato sugerem que o adolescente infrator vem de um núcleo familiar mais frágil. Em geral, segundo a Pesquisa de Condições de Vida feita em 98 pela Fundação Seade, 79% das famílias do Estado são chefiadas por homens e só 20% das que têm filhos contam apenas com a mãe ou com o pai.
Os dados também evidenciam que os infratores têm uma escolaridade mais baixa do que a maioria dos jovens da mesma faixa etária e um padrão de vida inferior -a maioria das famílias dos meninos internados vive com até cinco salários mínimos, enquanto a média do Estado já ultrapassa dez salários mínimos (R$ 1.500).
Para o ex-juiz corregedor da Febem Régis Bonvicino, aí está o divisor de águas, no que ele chama de "exclusão cultural". "Esses adolescentes não têm acesso à educação qualificada, à cultura e a entidades civis organizadas. Isso significa que eles não têm a imaginação alimentada. Aí entra a droga, uma substituição química para a imaginação não incentivada."
Para Bonvicino, o crime surge como uma forma de expressão de quem não tem voz nem ambiente propício para discussões.
"Ele (o infrator) quer ter o que os outros têm. É um problema de saúde pública. Mas o Estado trata como se fosse caso de polícia, põe a tropa de choque e piora tudo."


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