São Paulo, Domingo, 31 de Outubro de 1999
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AMBIENTE
Organizações divulgam tecnologia para permitir novas derrubadas em um período de 30-40 anos
Extração de madeira no AM é sustentável

MARCELO LEITE
enviado especial a Itacoatiara (AM)

Enquanto o restante do país ainda acredita que madeireiras são as únicas responsáveis pelo desmatamento, o paraense João Cruz Rodrigues, 37, converteu-se para o manejo sustentável. Em Itacoatiara (270 km de Manaus) é o grande entusiasta da utilização racional da floresta.
Na condição de gerente florestal da Mil Madeireira, ele teve uma oportunidade única: implantar um sistema de exploração de baixo impacto, que permitisse à Mil receber um certificado de correção ecológica e conquistar o suscetível mercado europeu.
Andando pela área com o chapéu Prada de feltro bege, Rodrigues comporta-se como o melhor advogado que o manejo sustentável poderia contar. Depois de muitos anos derrubando árvores pelo método convencional -e predatório- em Paragominas (PA), ele sabe do que está falando.
É o primeiro a dizer que não se extrai madeira sem dano à floresta. Com efeito, o aspecto das estradas ao redor é desolador. Já as trilhas que cortam cada talhão (áreas de 100 mil m2 em que se divide a floresta) são bem melhores do que o rastro de destruição deixado por tratores de esteira.
Essa é a grande diferença entre o manejo sustentável e a exploração convencional: o trator não entra mais na mata. Graças a um inventário prévio das árvores de interesse (acima de 60 cm de diâmetro), é possível planejar a direção da queda e da retirada.
Com base no levantamento, escolhe-se o traçado mais racional das trilhas. Outra grande inovação são os tratores florestais, do tipo "skidder" e "trek-skidder". Este fica na estrada, junto à cabeça da trilha, e puxa as toras com um cabo de aço de até 80 m.
Quando a tora alcança a estrada, entra em cena o "skidder", que tem rodas em lugar de esteiras e uma garra na traseira. Ele arrasta os troncos até os pátios de armazenagem, onde serão embarcados em carretas e levados à serraria da Mil, a 23km.
O sistema desenvolvido por Rodrigues contou com a supervisão da rede de organizações não-governamentais (ONGs) SmartWood. É uma das credenciadas do Conselho de Manejo Florestal -ou FSC, Forest Stewardship Council- para emitir o certificado de exploração ambientalmente tolerável (leia texto abaixo).
Essa espécie de "selo verde" para a madeira tem a vantagem imediata de abrir mercados no exterior. Esse é um mercado ainda pouco explorado por empresas brasileiras, que só exportam 14% da madeira produzida na Amazônia (quase 70%, no caso da Mil). O Brasil detém 4% do mercado mundial de madeiras tropicais, embora possua a maior floresta.
Acesso ao mercado externo não é a única nem a maior vantagem do manejo sustentável. Como o nome diz, está implícita nessa tecnologia de exploração que o madeireiro retorne à área em 30 a 40 anos, para novos cortes.
Isso será possível porque a retirada segundo os cânones da certificação danifica só 132 árvores por hectare, contra 235 na extração convencional. Preservam-se assim muito mais sementeiras, árvores de menor interesse comercial -pela presença de ocos, por exemplo- mas capazes de garantir a reposição.
A tecnologia existe, mas custa caro (até R$ 50 mil pelo inventário, ou R$ 250 mil por um "skidder"). Bancos oficiais, como o BNDES, não financiam esse tipo de investimento. Deixados à própria sorte, os madeireiros vão prosseguir com a solução tradicional: exploração predatória e abertura de novas frentes.


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