São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2007

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Laura Capriglione

Alta infidelidade

Homens e mulheres concordam: fidelidade é o que faz um casamento feliz; traição, o que mais prejudica

O toque estranho no celular que ele atende nervoso, voz baixa, enquanto diminui o volume do aparelho. Um torpedo apagado antes de ser lido. A caixa de entrada de e-mails, da qual ele mudou –de repente– a senha de acesso. A fatura do cartão de crédito que antes ficava jogada em qualquer canto da casa e, de uns tempos para cá, é rasgada em micropedaços tão logo chega. A confusão para explicar a conta do celular, com um número de telefone chamado repetidamente. Atenção, meu amigo. Está nos livros de auto-ajuda: comportamentos como esses são como confissões de traição conjugal.
Os títulos de auto-ajuda que estão nas estantes das grandes livrarias brasileiras mostram que as mulheres conquistaram a igualdade com os homens em pelo menos mais um quesito: o medo da traição ou “sentimento de cornitude”, na definição do poeta Augusto de Campos. São elas o público-alvo de obras como: “Mulheres Certas que Amam Homens Errados”; “Ser a Outra – Manual de Sobreviência da Amante”; “Ciúme – A Outra Face do Amor (que tem o capítulo “Infidelidade e Ciúmes no Casal”); “Quem Não Trai – As Muitas Faces da Infidelidade”; “Por Que os Homens Mentem e as Mulhe-res Choram”; “A Mulher Ferida” e “Infiel”, entre outras. Em “Relacio-namentos Que Dão Certo”, o índice anuncia os capítulos “Como Perdoar uma Traição?”; “Fui Traída. E Agora?” e “Don Juan de Carne e Osso”.
A pesquisa Datafolha mostra o porquê da vasta bibliografia. Quatro em cada dez mulheres votaram na “fidelidade” como o item mais importante para um casamento feliz. Para efeito de comparação, o quesito “amor” teve 35% das preferências femininas; “honestidade” ficou com 14% e, surpresa, “filhos” e “vida sexual satisfatória” foram a opção de apenas 5% e 1%, respectivamente. Os homens também elegeram a “fidelidade” como o quesito mais importante, com 37% das preferências. Mas, no caso masculino, a “fidelidade” empatou tecnicamente com o “amor”, que teve 35% dos votos (a margem de erro da pesquisa é de 2 pontos percentuais para cima ou para baixo). O valor dado pelos homens à fidelidade (das suas mulheres, bem entendido) nem chega a surpreender. Já justificou o castigo de sangue. Até 1979, os tribunais brasileiros ainda colocavam em liberdade homens que davam cabo das vidas de mulheres, caso ficasse comprovado que elas tinham-nos traído. Era a chamada “legítima defesa da honra”.
Em um Brasil pré-divórcio (que só seria aprovado em 1977), a maioria das mulheres topava manter-se casada mesmo sabendo da amante do marido, da “outra”, da “teúda”, da “manteúda”, das escapadas, da garçonnière, da mancha de batom indiscreta. A professora Guita Grin Debert, 59, titular do departamento de antropologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), conta que quando perguntavam à mãe dela qual era a condição imprescindível para o sucesso de um casamento, ela respondia: “A tolerância”. Provavel-mente, a maioria das mulheres da época diria algo parecido.
Nos dias atuais, segundo a professora, a “fidelidade” tornou-se tão importante no casamento graças à facilidade de ele ser desfeito. “A regra atual prevê que os casamentos existam enquanto houver alegria, prazer e confiança na convivência. Não é mais tanto a idéia de construir uma família, sustentar e proteger a prole, como existia antes, até porque isso pode ser feito fora do casamento. Como a família dependia do casamento, a traição não era um problema tão central. A tolerância, sim”. Segundo Debert, a exigência feminina de fidelidade evidencia um momento histórico de mais simetria, de mais igualitarismo nas relações conjugais. “Não tem nada a ver com o casamento arcaico. A cobrança mútua pela fidelidade é um típico processo contemporâneo.”
Em uma pesquisa com a mesma temática realizada pelo Datafolha em 1998, “apenas” 23% dos entrevistados declararam que a “fidelidade” era o fator mais importante para o casamento feliz. De lá para cá houve um incremento de 15 pontos percentuais (até os 38% do total da amostra, observados em 2007). No mesmo período, o “amor” perdeu seis pontos percentuais (foi de 41% para 35%), a “honestidade” perdeu 9 (de 24% para 15%). “Filhos” e “vida sexual satisfatória” ficaram como estavam.
A maioria absoluta dos entrevistados (84%), aliás, discorda de que o casamento deva ser mantido pelo “bem dos filhos”, ainda que o cônjuge tenha um amante fixo. Em seu livro “Infiel” (Record, 2006, 364 páginas), a antropóloga Mirian Goldenberg, professora do departamento de antropologia cultural da Universidade Federal do Rio de Janei-ro e também autora do livro “A Outra” nota que “a idealização da fidelidade permanece fortíssima, inclusive nas relações extraconjugais”. Ela exemplifica: “As Outras acreditam que seus parceiros não têm relações >> >> sexuais com as esposas. Os homens casados acreditam que as amantes lhes são fiéis sexualmente. Não só no casamento, mas também no adultério, a fidelidade é um valor.”
O Datafolha também perguntou “qual o fator mais prejudicial no casamento?” Coerentemente, a maioria absoluta (53% dos entrevistados) respondeu: “A traição”. “Falta de amor” foi a opção de apenas 15%. “Vida sexual insatisfatória”, de 1%. Mas afinal, quem trai? Entre os homens, 34% admitem já ter sido infiéis em sua relação atual. Entre as mulheres, 8%.
E quem é mais enganado? A mulher. Na pesquisa, apenas 5% dos homens dizem já ter sido traídos, o que significa que algo como 3% vivem na mais santa ignorância sobre sua condição. Do lado das mulheres, 25% disseram já ter sido traídas –ou seja, 9% vivem na mesma santa ignorância.
O curioso dos números é que eles mostram que as mulheres traidoras mentem e enganam melhor do que seus congêneres masculinos. Nada menos do que 38 em cada 100 traidoras conseguem passar sem ser descobertas, contra 26 traidores que passam por “inocentes”. Menos tolerantes com a infidelidade, mas mais traídas e espertas para farejar a traição –é por isso que os escritórios de advocacia acusam uma maioria de processos em que a mulher tomou a iniciativa da separação (leia entrevista à pág. ao lado).
Na pesquisa Datafolha, 75% das mulheres que já se separaram dizem que foram elas que tomaram a iniciativa, 24 pontos percentuais as mais do que os homens que dizem ter sido deles a iniciativa (51%).

A idealização da fidelidade permanece fortíssima, inclusive nas relações extraconjugais. Não só no casamento, mas também no adultério, a fidelidade é um valor.”


Mirian Goldenberg, antropológa, UFRJ


ENTREVISTA

Homem tolera mais traição, diz advogada da elite

A advogada Priscila Corrêa da Fonseca, 58, doutora em direito processual civil pela Faculdade de Direito da USP, atua há 34 anos nas áreas do direito da família e das sucessões. Conhecida no meio em que mais atua, o dos endinheirados, “Priscila, a rainha do divórcio”, a advogada domina –como poucos– a dinâmica da infelicidade conjugal, embora jamais se tenha casado. É que, pelo seu escritório já passaram mais de mil casos de separação, em geral litigiosas. Abaixo, histórias de infidelidade, mulheres nervosas e traídos resignados.

Quais os motivos mais freqüentes para a separação?
O mais comum é a traição. Seguem-se os problemas financeiros e as agressões físicas e verbais.

Quem trai?
Quem trai mais é o homem. A iniciativa da separação, por isso, é quase sempre da mulher.

Por quê?
A mulher tolera menos a traição. Tem o pavio mais curto. Sente-se ofendida mais facilmente.

Ou será que é porque os homens traem muito mais?
A mulher trai menos, é verdade. Mas, mesmo quando ela trai, os homens preferem fazer vista grossa. Contrariamente ao esperado, o homem não se preocupa muito em se separar, quando sabe que foi traído. Em geral, se ele puder manter a rotina, o status quo de casado, prefere manter. Esta é uma constatação muito, muito freqüente no escritório.

Falta de sexo não é alegação para a separação?
Não. Primeiramente, porque você não tem como provar isso em juízo. Segundo, porque, em 34 anos de profissão, se vi cinco divórcios causados por falta de sexo foi muito.

Quem recorre mais aos seus serviços?
Embora a mulher tome a iniciativa da separação na maioria dos casos, eu sou mais procurada por homens que precisam se defender em situações litigiosas.

A sua clientela é, sabidamente, de elite. Como as questões financeiras afetam essas pessoas, a ponto de causar a separação?
Questões financeiras entram como causa de separações em casos de marido pão-duro ou que esteja quebrado. Mas também já advoguei para homens que acusavam suas mulheres de perdulárias.

Imaginei que a senhora referia-se a casos em que o homem insurge-se contra o fato de a mulher ser mais bem-sucedida profissionalmente do que ele...
Na maioria dos casos que acompanhei, isso não se constituiu em problema. Não porque não haja mulheres mais bem-sucedidas profissionalmente do que seus maridos, mas porque, quando acontece, os homens preferem enfiar o rabo entre as pernas. Não querem sair alardeando essa circunstância por aí.

Na hora da raiva, a pancadaria é exceção ou regra?
Pancadaria mesmo é raro. A coisa mais engraçada que vi foi a separação de um enólogo. A mulher dele colocou um aquecedor dentro da adega. Uma loucura. Também tive vários casos de mulheres que picaram ou puseram fogo nas roupas dos maridos. Ah, fiz ainda a separação de um maestro. Na raiva, ela ameaçava queimar todas as partituras dele.

Metade das descasadas esnobam nova união

Entre os homens, 50% querem se casar novamente e 318, não; entre as mulheres, o cenário é o oposto

Já se sabia que, quanto mais o tempo passa, mais difícil fica _principalmente para as mulheres_ encontrar um companheiro. A pesquisa Datafolha mostra que, além de faltar homens dispostos a se casar com mulheres mais velhas, o que acontece é que, depois dos 41 anos, as separadas praticamente se autoexcluem da disputa por um novo casamento. Dos homens em todas as faixas etárias que já viveram com alguém, 50%, a metade, pretendem se casar novamente e 31% não querem. Entre as mulheres, a situação é exatamente o contrário: 50% não querem e 30% querem (o que falta para inteirar os 100% são pessoas que "não sabem" ou "não responderam).
Se, entre os 16 e os 40 anos, metade das mulheres que já viveram com alguém admite o desejo de voltar a se casar, depois dos 40 anos as casadoiras minguam para apenas 20%. É como se elas se retirassem daquilo que os demógrafos chamam de "mercado matrimonial". O psicólogo Ailton Amélio, 59, professor de relacionamento amoroso dos cursos de graduação e de pós-graduação da Universidade de São Paulo (separado, uma filha), desconfia de que essa retirada feminina depois dos 40 não seja por opção. "Em minha experiência clínica, não existem mulheres solitárias que ainda não estejam procurando uma companhia. Muitas até choram de solidão", diz.
Segundo Amélio, o que a pesquisa pode estar mostrando é uma versão moderna da fábula da raposa e as uvas. "Lembra daquela história da raposa que não conseguia colher as uvas na parreira e que, para se consolar, procurava se convencer de que elas estavam verdes? Pois é. Essas mulheres que já sabem que será muito difícil casarem-se novamente preferem elas mesmas desistir de concorrer. Dizem que estão mais exigentes, que não aceitam qualquer coisa. "Estão verdes...", diria a raposa. (leia texto à página xx) A dificuldade em encontrar um companheiro a partir de determinada idade decorre principalmente de os homens, no padrão cultural brasileiro, preferirem se unir a mulheres mais jovens (às vezes bem mais jovens). A diferença média de idade no casal, que é de três anos no primeiro casamento, vai-se ampliando. Excluída a hipótese de maldade, essa é a razão daquela espinhosa gafe que mais parece dor-de-cotovelo: a mulher de meia idade se aproxima do pretê, um pouco mais velho do que ela, e pergunta: "É sua filha?" "Não. É minha namorada." Pííííí.
Depois dos 50 anos, segundo os demógrafos, um homem tem 30 vezes mais chance de se casar do que uma mulher de mesma idade. Talvez por isso as marcas físicas do envelhecimento sejam tão odiadas pelas mulheres _tornam suas possuidoras menos "competitivas" na disputa pelo companheiro. Não por acaso, o Brasil é o segundo país no ranking dos que mais lançam mão da cirurgia plástica (só perde para os Estados Unidos), e que as revistas femininas tenham como chamariz de vendas sempre uma nova receita da juventude. A antropóloga Mirian Goldenberg, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, escreveu em seu livro "Infiel": "Restam poucas opções para a mulher que envelhece: viver só, ser casada com um homem que, pelas estatísticas, deve ter uma amante, ser a Outra, tornar-se lésbica".

“Em minha experiência clínica, não existem mulheres solitárias que ainda não estejam procurando companhia.”

Ailton Amélio, psicólogo e professor de relacionamento amoroso da USP

ENTREVISTA

Psicóloga que ensina 'como não perder seu homem' é tetra-separada

A psicóloga paulista Mara Suassuna, 45, casou-se quatro vezes. Tem quatro filhos já adultos e três netos. Sua última separação foi há três anos e, desde então, Mara mora sozinha em Goiânia. Mesmo já tendo "perdido quatro homens" (para usar uma expressão dela), a psicóloga conseguiu, no início de setembro, encher um auditório com 300 mulheres em São Paulo para ouvi-la dar uma palestra com o incrível nome: "Como Não Perder Seu Homem". Abaixo, Mara Suassuna explica "a cilada emocional" que leva mulheres separadas a terem mais dificuldade para arranjar um novo companheiro.

Por que a senhora "perdeu" seus homens e não achou substituto?
Eu atendo muitos casais em meu consultório. Acumulei experiência. De um lado, fiquei mais seletiva. De outro, eu sou uma pessoa inteira, que não precisa de outro fragmento de gente para ficar completa. Lido bem com minhas ausências. Estou em busca de um outro, também inteiro, o que, convenhamos não está fácil de encontrar.

É mais difícil uma mulher separada refazer um casamento. Por quê?
Porque, em função da cultura machista, o casamento, para a maioria das mulheres, constitui-se em uma renúncia sobre outra. O homem ainda quer o seu chinelo no lugar, as refeições prontas e as roupa lavadas e passadas, sem se preocupar em como isso foi possível. Acho que muitas mulheres separadas pensam: "Será que eu quero voltar a lavar cueca de novo?" A mulher separada tem um padrão de liberdade e independência difícil de encontrar nas casadas. É natural, portanto, que ela pense duas vezes antes de renunciar a essa autonomia.

E os homens que "lavam suas próprias cuecas", onde estão?
Estão por aí. É só encontrá-los. O problema é que muitas mulheres, dependendo de como saíram de um relacionamento, impossibilitam-se de aproveitar as chances que aparecem. Elas acreditam que uma nova relação necessariamente repetirá o que aconteceu naquela que acabou.

São mulheres traumatizadas, então?
Acho que sim. Veja, a atitude de carinho é uma atitude intrinsecamente feminina. Ser fêmea é dar carinho. Muitas mulheres, no entanto, confundem carinho e afetividade com servidão e vêm com aquela frase para o homem que lhes pede uma atenção: "Eu não sou sua empregada." É como se atitudes de carinho fossem mostra de fraqueza, e não são. Essa confusão leva a uma intensa masculinização das mulheres modernas. E isso dificulta ainda mais as coisas.

Metade das mulheres separadas dizem que não querem mais se casar. Por quê?
Existe um discurso que identifica a mulher poderosa à auto-suficiente. Minha observação mostra que a mulher pode até repetir esse discurso. Mas, no fundo, não corresponde ao desejo dela. No fundo, não conheço quem não queira um homem ao seu lado.

A senhora ainda quer?
É claro.

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