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Em Cumbica, garotos pedem 'money', mas ouvem 'bye, bye'

TALITA BEDINELLI
DE SÃO PAULO

"Money", diz Marcelo, orgulhoso, enquanto esfrega o polegar e o indicador para ilustrar que quer dinheiro.

É assim que o menino de dez anos, camiseta do Fluminense e chinelos de dedo nos pés, diz abordar os "gringos" que transitam pelo aeroporto de Cumbica, em Guarulhos (Grande São Paulo).

Ele também fala "miss", para se dirigir a senhoras, e "master", para falar com os senhores (confundindo-se com "mister").

"E além de 'money' você pede alguma outra coisa?" "Chocoliiite", diverte-se, mas logo fecha o sorriso ao lembrar que a maior parte das abordagens acaba mesmo é na base do "No, no, no. Bye, bye, bye" (não e tchau).

Acompanhado de Gilberto, 13, vizinho dele na favela das Malvinas (próxima ao aeroporto), o menino aborda passageiros no saguão de Cumbica há cerca de um mês.

Nota de dólar eles nunca viram. E, na maioria das vezes, ganham comida.

Souberam por amigos do bairro que o aeroporto era um bom "ponto". Foi com eles também que aprenderam a improvisar no inglês para angariar algum dinheiro.

CAIXA DE ENGRAXATE

Os dois pretendem juntar R$ 50 para comprar uma caixa de engraxate. Dizem que já conseguiram a quantia em um dia, mas tiveram que entregá-la para as mães -a de Marcelo está desempregada; a de Gilberto trabalha de empregada doméstica.

Os dois não são os únicos pedintes dos saguões de Cumbica, que passou para a iniciativa privada neste ano.

Na última segunda-feira, a Folha viu outros dois grupos -um com quatro meninos e outro com dois- serem retirados do local por seguranças da Infraero (estatal que administra o aeroporto de Guarulhos com o consórcio Ivepar/Acsa) em um intervalo de apenas dez minutos.

ENTRA E SAI

"É assim todos os dias. A gente tira os meninos por uma porta, eles entram pela outra", contou um dos seguranças, que não quis se identificar para a reportagem.

A Infraero, no entanto, diz que aciona o Conselho Tutelar e a Prefeitura de Guarulhos quando flagra alguém pedindo esmola no aeroporto. E que desde 2001 desenvolve trabalhos sociais nas favelas do entorno.

"Essa é a realidade brasileira. A desigualdade social traz essa proximidade entre uma área tão carente, que é Guarulhos, e uma ilha de riqueza, que é Cumbica", resumiu o ambientalista Carlos Bocuhy, abordado por alguns meninos -deu a eles um sanduíche e uma Coca-Cola.

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