São Paulo, segunda-feira, 01 de janeiro de 2001

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WEB

Desde 1997 governo e iniciativa privada projetam nova versão da rede, que deve estar disseminada pelo Brasil até 2004

País terá Internet 500 vezes mais rápida

Marcos Ribolli/ Folha Imagem
>Tadao Takahashi, que coordena estudo na Universidade da ONU


JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo federal e a iniciativa privada definem discretamente um projeto de quase R$ 3,8 bilhões para generalizar o uso da Internet e construir redes de transmissão de dados 500 vezes mais rápidas do que as comumente utilizadas pelos internautas.
É o Programa Sociedade da Informação, esboçado em 1997 e que deve ser implantado até 2004 (veja em www.socinfo.org.br). Há 12 grupos temáticos envolvidos. Eles têm como coordenador geral Eduardo Tadao Takahashi, 48, ex-professor da Unicamp e ex-pesquisador em novas tecnologias da Telebrás, hoje coordenador de um programa de pesquisa na Universidade das Nações Unidas, em Tóquio. Ele foi, entre 1988 e 1996, um dos implantadores da Internet no Brasil.
O governo não quer assumir o controle da Internet-2, essa nova fase da rede mundial de computadores, diz. Quer estimular o salto tecnológico e definir normas para em seguida se retirar e deixar a nova rede nas mãos do mercado.
Eis os principais trechos de sua entrevista à Folha:

Folha - Qual a relação entre Internet-2 e o Programa Sociedade da Informação?
Tadao
- A Internet-2 é um projeto acadêmico nos Estados Unidos de geração de novas tecnologias, em cima de uma estrutura de transmissão de informações de alta velocidade. Mas o tema Internet-2 acabou sendo cunhando como algo que ultrapassa a tecnologia e configura uma nova onda.

Folha - Mas não é mais ou menos isso que o seu programa quer?
Tadao
- O atual estágio da Internet nos leva a nos perguntar, aqui e no resto do mundo, para que a rede vai servir no futuro. Não podemos nos fixar só na tecnologia e esperar que ela gere novos serviços. A Sociedade da Informação tem esse sentido mais amplo.

Folha - Mas a tecnologia já existe. Já se sabe como construir redes de 36Mbs, 500 vezes mais rápidas que as atuais conexões domésticas.
Tadao
- Consegue-se hoje fazer redes para velocidades muito altas. Mas é cada vez mais caro implantá-las. Não pela tecnologia, mas por causa da infra-estrutura física. É necessário, por exemplo, ter canais de fibra ótica. O problema consiste então em saber que tipo de demanda essa nova onda de Internet deverá responder.

Folha - Dos R$ 3,8 bilhões em que o programa está orçado, quando vai para a estrutura física?
Tadao
- Não temos uma definição muito precisa. O programa Sociedade da Informação é muito mais um indutor de atividades do que um agente de financiamento. Do ponto de vista do Ministério da Ciência e Tecnologia, o investimento em infra-estrutura física deve ser o menor possível. Isso é assunto para as grandes empresas de telecomunicações. Ou para empresas de energia (gás, eletricidade) cujas redes físicas serão aproveitadas para a instalação de canais de transmissão de dados.

Folha - Por que o governo se preocupa com isso, se a Internet se expandiu no Brasil por força do capital de risco da iniciativa privada?
Tadao
- A Internet brasileira começou a ser pensada em 1988, como resposta à Internet acadêmica que surgia no mundo a partir dos Estados Unidos. O governo, aqui no Brasil, apenas entrou para estruturar as iniciativas, de forma a evitar o desperdício de energia e tempo. Em 1994, com a Internet acadêmica já consolidada, como o Brasil como um todo se beneficiaria do serviço? O serviço se abriu. É a atual Internet.

Folha - A mesma questão voltou a ser levantada agora?
Tadao
- Sim. A partir de 1997 começamos a formular a seguinte questão: já que o mercado respondeu à Internet a uma velocidade avassaladora, o que o governo poderia agora fazer? Há três respostas. Há em primeiro lugar a resposta social, sobre a qual o mercado não é sensível.

Folha - O que seria a resposta social que a Internet não oferece?
Tadao
- Seria, por exemplo, prover pela Internet mais informações para o cidadão. Informações que o cidadão de baixa renda poderá acessar em quiosques, padarias, casas lotéricas, repartições públicas. É a população que não pode pagar pela conectividade.

Folha - Qual a outra dimensão?
Tadao
- É a econômica. A difusão da Internet no Brasil está centralizada em cidades grandes. Só 10% dos grandes municípios têm Internet local. Em função de custos e de mercado a Internet brasileira se tornou concentrada, oligopolizada. O tipo de conteúdo ou de atividade econômica são elitistas e metropolitanos. Quando a sociedade é mais homogênea, como no Japão ou na Europa Ocidental, isso não é tão grave quanto num país em desenvolvimento como o Brasil.

Folha - E a terceira vertente?
Tadao
- É a tecnológica. A Internet não está evoluindo tecnologicamente como poderia. Boa parte da tecnologia avançada já está aí. Mas o mercado está inibido. Temos problemas econômicos e de infra-estrutura. Um serviço típico da Internet-2 é a videoconferência. A tecnologia para isso está disponível há anos. No entanto, ela não chega até o consumidor.

Folha - No início da primeira Internet a RNP (Rede Nacional de Pesquisa) estava lidando com universidades públicas. O que ela pode fazer agora, já que estaria lidando com o mercado?
Tadao
- A ação é muito mais indireta e sutil. O RNP é agora inviável. A Internet comercial é hoje 90% da Internet no Brasil. O programa tem que se traduzir por um conjunto de ações, inclusive de infra-estrutura avançada, na qual a Internet acadêmica já está.

Folha - Os provedores não desconfiam dessa iniciativa do governo? Eles acreditam ter uma sensibilidade bem maior sobre o perfil do usuário que está no mercado.
Tadao
- Há sempre uma cautela inicial do mercado. Mas essa postura depois se modifica. Excetuado os Estados Unidos, onde a ação é muito mais difusa, todos os países avançados têm uma ação governamental parecida com a nossa. Um programa desse tipo não pode ser intervencionista, não pode inibir o setor privado.

Folha - Poderia exemplificar?
Tadao
- É um programa mais de articulação, uniformização de conceitos e apoio à execução. Ele não fará do governo um executor. O governo procurará convencer as pessoas e instituições com poder de executar de que se trata de um bom programa.

Folha - Ainda não está claro.
Tadao
- Nós estamos discutindo se vale a pena ligar à Internet bancas de jornal, casas lotéricas e lojas de conveniência. Nos baseamos na idéia de que é preciso trazer a classe C à Internet. Precisamos deixar o computador disponível em locais que esses brasileiros frequentam. O movimento de maior expansão da Internet para chegar até esse cidadão de baixa renda deve ser também o movimento de inserção da rede no jornaleiro ou nas casas lotéricas.

Folha - O governo vai então subsidiar hardware (máquinas) para que jornaleiro tenha computador?
Tadao
- Não. É a iniciativa privada que fará isso. Ela precisa de motivação comercial. Essa é tipicamente uma ação privada, com a ótica privada. O que nós poderemos fazer é criar grupos de trabalho, desenvolver programas de computador para esse tipo de clientela, estudar e analisar protótipos de dispositivos conectados à Web. E entregar tudo já mastigado aos empresários.

Folha - Ou seja, a Sociedade de Informação não será um órgão oficial de gestão de toda a Internet, como a Anatel é uma agência do setor de telecomunicações?
Tadao
- Isso seria impossível. A Internet está desregulamentada no Brasil desde 1995. O governo já sabia que quanto mais livre ela permanecesse seria melhor. Mas se agora o governo passa a pensar no segundo ciclo da Internet não é que ele esteja recuando. Ele está aprofundando o modelo.

Folha - O capítulo do projeto reservado aos conteúdos diz que a sociedade deve se organizar para abastecer a rede com informações que sejam de interesse de seus segmentos. Caso contrário, ela será passiva e só receberá informações disponibilizadas pelo mercado.
Tadao
- A discussão é essa, mas é maior que essa. Devemos incentivar uma visão mais dispersa e mais esparramada pelo território no que diz respeito aos conteúdos. É inevitável que a geração de conteúdos acabe se centralizando em grandes cidades. Mas no Canadá há um projeto do governo que financia a criação de conteúdos de relevância local. Uma aldeia de esquimós, por exemplo, na qual se fotografa e se colhe depoimentos dos cidadãos mais velhos. É uma forma de fixar a memória cultural do grupo étnico. Isso é material para um Web site.

Folha - Mas muitas associações e ONGs no Brasil têm seus Web sites.
Tadao
- Já existe na Internet-1 tecnologia para fazer isso. Mas isso é muito caro. É o tipo de iniciativa que não se sustenta comercialmente. Ou é feito segundo o ponto de vista cultural e social ou não é feito. O que se deve e se pode fazer (é a experiência do Canadá, da França) é estimular a aparição de centros comunitários onde exista infra-estrutura para colocar informações na Internet.

Folha - Mas esse tipo de coisa pode ser feito desde já.
Tadao
- Certamente. Não se trata de um problema de Internet-2. Trata-se de uma distorção de mercado. Esses centros comunitários farão o que quiserem. Podem se formar em torno do hip hop gravado pelos jovens da comunidade. Deve-se estimular a entrada de informação cultural de todo gênero. Não cabe a nós definir. Cabe a esses grupos.

Folha - O meio acadêmico está bem mais informado que o resto da sociedade sobre a Internet-2. Será que ele não está mais predisposto a tirar proveito?
Tadao
- Se for o caso, não é ruim, desde que o programa seja concebido para permitir que a informação circule de um modo mais abrangente. Há por exemplo um projeto que consiste em interconectar todas as bibliotecas públicas do país. Não estamos nos limitando a bibliotecas universitárias. Pensamos muito mais em bibliotecas municipais de pequenas cidades do interior. É nelas que jovens se reúnem com outros jovens para fazer trabalho escolar.

Folha - Mas isso funcionaria com a Internet atual.
Tadao
- E já está funcionando. Não há uma descontinuidade entre a Internet atual e a Internet-2. A diferença entre as duas será semelhante à que existe entre telefonia analógica e telefonia digital. A digital é mais rápida, oferece mais produtos (voice mail, bina, transferência automática da ligação).

Folha - Qual a analogia, então, entre as duas Internets?
Tadao
- Alguns serviços básicos, como o e-mail, continuarão do jeito que estão. O que ocorrerá é que em algumas regiões será possível ter videoconferência na casa das pessoas, será possível manipular produtos a distância.

Folha - Apenas isso?
Tadao
- Não. Haverá também a qualidade de serviço. A velocidade de entrega da informação ao usuário será garantida durante o tempo de conexão. Na Internet a tolerância à falha ainda é muito grande. Conforme as velocidades aumentam e os serviços se tornam mais sofisticados a Internet deverá embutir o conceito de garantia de serviço.

Folha - E as aplicações médicas?
Tadao
- Na Internet-2 essa garantia de serviço é fundamental. O médico está operando um paciente à distância. Com a atual Internet a linha pode cair.

Folha - O governo vai construir o backbone da nova Internet ou vai definir o padrão para que ele seja construído?
Tadao
- O governo não fará nada. O Ministério de Ciência e Tecnologia vem aumentando a velocidade das conexões da Rede Nacional de Pesquisa, que atende o setor acadêmico, e permitindo que essa rede tenha serviços típicos da Internet-2. Ao ser testada, a tecnologia no setor acadêmico se qualifica para o setor privado.

Folha - Dá para dizer quando a Internet-2 estará operando?
Tadao
- Os serviços próprios à Internet-2 se instalarão aos poucos, quase imperceptivelmente, como as vantagens oferecidas pela telefonia digital. Em alguns pontos, sobretudo no Rio e em São Paulo, os backbones terão velocidade bem maior. Em outras regiões isso não ocorrerá.

Folha - Por que os provedores privados não tomaram em mão esse processo
Tadao
- Eles ou não o fazem ou então o fazem a uma velocidade menor do que deveriam. Mas o governo não quer substituí-los. Quer apenas estimular. Os provedores têm recursos humanos para operar os serviços atuais e não para implantar novos serviços.

Folha - Se as coisas se encaixam tão direitinho, por que esse orçamento de R$ 3,8 bilhões?
Tadao
- Cerca de 20% desses recursos estão previstos no orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia. Os 80% restantes se referem a parcerias e ações executadas por terceiros, incluindo o setor privado. Entre estas ações está o Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), que se origina de uma parcela das receitas das empresas de telecomunicações. Esse fundo custeará a conexão entre bibliotecas públicas, mas a execução do projeto será das empresas operadoras, e não do governo.

Folha - Para terminar: se eu tenho um computador pessoal conectado, como é que eu vou entrar na Internet-2?
Tadao -
Vai entrar desde que o seu provedor esteja oferecendo serviços próprios à Internet-2.



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