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WEB
Desde 1997 governo e iniciativa privada projetam nova versão da rede, que deve estar disseminada pelo Brasil até 2004
País terá Internet 500 vezes mais rápida
Marcos Ribolli/ Folha Imagem
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>Tadao Takahashi, que coordena estudo na Universidade da ONU |
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
O governo federal e a iniciativa
privada definem discretamente
um projeto de quase R$ 3,8 bilhões para generalizar o uso da Internet e construir redes de transmissão de dados 500 vezes mais
rápidas do que as comumente utilizadas pelos internautas.
É o Programa Sociedade da Informação, esboçado em 1997 e
que deve ser implantado até 2004
(veja em www.socinfo.org.br). Há
12 grupos temáticos envolvidos.
Eles têm como coordenador geral
Eduardo Tadao Takahashi, 48,
ex-professor da Unicamp e ex-pesquisador em novas tecnologias da Telebrás, hoje coordenador de um programa de pesquisa
na Universidade das Nações Unidas, em Tóquio. Ele foi, entre 1988
e 1996, um dos implantadores da
Internet no Brasil.
O governo não quer assumir o
controle da Internet-2, essa nova
fase da rede mundial de computadores, diz. Quer estimular o salto
tecnológico e definir normas para
em seguida se retirar e deixar a
nova rede nas mãos do mercado.
Eis os principais trechos de sua
entrevista à Folha:
Folha - Qual a relação entre Internet-2 e o Programa Sociedade da
Informação?
Tadao - A Internet-2 é um projeto acadêmico nos Estados Unidos
de geração de novas tecnologias,
em cima de uma estrutura de
transmissão de informações de
alta velocidade. Mas o tema Internet-2 acabou sendo cunhando como algo que ultrapassa a tecnologia e configura uma nova onda.
Folha - Mas não é mais ou menos
isso que o seu programa quer?
Tadao - O atual estágio da Internet nos leva a nos perguntar, aqui
e no resto do mundo, para que a
rede vai servir no futuro. Não podemos nos fixar só na tecnologia e
esperar que ela gere novos serviços. A Sociedade da Informação
tem esse sentido mais amplo.
Folha - Mas a tecnologia já existe.
Já se sabe como construir redes de
36Mbs, 500 vezes mais rápidas que
as atuais conexões domésticas.
Tadao - Consegue-se hoje fazer
redes para velocidades muito altas. Mas é cada vez mais caro implantá-las. Não pela tecnologia,
mas por causa da infra-estrutura
física. É necessário, por exemplo,
ter canais de fibra ótica. O problema consiste então em saber que
tipo de demanda essa nova onda
de Internet deverá responder.
Folha - Dos R$ 3,8 bilhões em que
o programa está orçado, quando
vai para a estrutura física?
Tadao - Não temos uma definição muito precisa. O programa
Sociedade da Informação é muito
mais um indutor de atividades do
que um agente de financiamento.
Do ponto de vista do Ministério
da Ciência e Tecnologia, o investimento em infra-estrutura física
deve ser o menor possível. Isso é
assunto para as grandes empresas
de telecomunicações. Ou para
empresas de energia (gás, eletricidade) cujas redes físicas serão
aproveitadas para a instalação de
canais de transmissão de dados.
Folha - Por que o governo se
preocupa com isso, se a Internet se
expandiu no Brasil por força do capital de risco da iniciativa privada?
Tadao - A Internet brasileira começou a ser pensada em 1988, como resposta à Internet acadêmica
que surgia no mundo a partir dos
Estados Unidos. O governo, aqui
no Brasil, apenas entrou para estruturar as iniciativas, de forma a
evitar o desperdício de energia e
tempo. Em 1994, com a Internet
acadêmica já consolidada, como
o Brasil como um todo se beneficiaria do serviço? O serviço se
abriu. É a atual Internet.
Folha - A mesma questão voltou a
ser levantada agora?
Tadao - Sim. A partir de 1997 começamos a formular a seguinte
questão: já que o mercado respondeu à Internet a uma velocidade avassaladora, o que o governo poderia agora fazer? Há três
respostas. Há em primeiro lugar a
resposta social, sobre a qual o
mercado não é sensível.
Folha - O que seria a resposta social que a Internet não oferece?
Tadao - Seria, por exemplo, prover pela Internet mais informações para o cidadão. Informações
que o cidadão de baixa renda poderá acessar em quiosques, padarias, casas lotéricas, repartições
públicas. É a população que não
pode pagar pela conectividade.
Folha - Qual a outra dimensão?
Tadao - É a econômica. A difusão da Internet no Brasil está centralizada em cidades grandes. Só
10% dos grandes municípios têm
Internet local. Em função de custos e de mercado a Internet brasileira se tornou concentrada, oligopolizada. O tipo de conteúdo
ou de atividade econômica são
elitistas e metropolitanos. Quando a sociedade é mais homogênea, como no Japão ou na Europa
Ocidental, isso não é tão grave
quanto num país em desenvolvimento como o Brasil.
Folha - E a terceira vertente?
Tadao - É a tecnológica. A Internet não está evoluindo tecnologicamente como poderia. Boa parte
da tecnologia avançada já está aí.
Mas o mercado está inibido. Temos problemas econômicos e de
infra-estrutura. Um serviço típico
da Internet-2 é a videoconferência. A tecnologia para isso está
disponível há anos. No entanto,
ela não chega até o consumidor.
Folha - No início da primeira Internet a RNP (Rede Nacional de
Pesquisa) estava lidando com universidades públicas. O que ela pode fazer agora, já que estaria lidando com o mercado?
Tadao - A ação é muito mais indireta e sutil. O RNP é agora inviável. A Internet comercial é hoje
90% da Internet no Brasil. O programa tem que se traduzir por um
conjunto de ações, inclusive de infra-estrutura avançada, na qual a
Internet acadêmica já está.
Folha - Os provedores não desconfiam dessa iniciativa do governo? Eles acreditam ter uma sensibilidade bem maior sobre o perfil do
usuário que está no mercado.
Tadao - Há sempre uma cautela
inicial do mercado. Mas essa postura depois se modifica. Excetuado os Estados Unidos, onde a
ação é muito mais difusa, todos os
países avançados têm uma ação
governamental parecida com a
nossa. Um programa desse tipo
não pode ser intervencionista,
não pode inibir o setor privado.
Folha - Poderia exemplificar?
Tadao - É um programa mais de
articulação, uniformização de
conceitos e apoio à execução. Ele
não fará do governo um executor.
O governo procurará convencer
as pessoas e instituições com poder de executar de que se trata de
um bom programa.
Folha - Ainda não está claro.
Tadao - Nós estamos discutindo
se vale a pena ligar à Internet bancas de jornal, casas lotéricas e lojas
de conveniência. Nos baseamos
na idéia de que é preciso trazer a
classe C à Internet. Precisamos
deixar o computador disponível
em locais que esses brasileiros frequentam. O movimento de maior
expansão da Internet para chegar
até esse cidadão de baixa renda
deve ser também o movimento de
inserção da rede no jornaleiro ou
nas casas lotéricas.
Folha - O governo vai então subsidiar hardware (máquinas) para
que jornaleiro tenha computador?
Tadao - Não. É a iniciativa privada que fará isso. Ela precisa de
motivação comercial. Essa é tipicamente uma ação privada, com a
ótica privada. O que nós poderemos fazer é criar grupos de trabalho, desenvolver programas de
computador para esse tipo de
clientela, estudar e analisar protótipos de dispositivos conectados à
Web. E entregar tudo já mastigado aos empresários.
Folha - Ou seja, a Sociedade de Informação não será um órgão oficial
de gestão de toda a Internet, como
a Anatel é uma agência do setor de
telecomunicações?
Tadao - Isso seria impossível. A
Internet está desregulamentada
no Brasil desde 1995. O governo já
sabia que quanto mais livre ela
permanecesse seria melhor. Mas
se agora o governo passa a pensar
no segundo ciclo da Internet não é
que ele esteja recuando. Ele está
aprofundando o modelo.
Folha - O capítulo do projeto reservado aos conteúdos diz que a
sociedade deve se organizar para
abastecer a rede com informações
que sejam de interesse de seus segmentos. Caso contrário, ela será
passiva e só receberá informações
disponibilizadas pelo mercado.
Tadao - A discussão é essa, mas é
maior que essa. Devemos incentivar uma visão mais dispersa e
mais esparramada pelo território
no que diz respeito aos conteúdos. É inevitável que a geração de
conteúdos acabe se centralizando
em grandes cidades. Mas no Canadá há um projeto do governo
que financia a criação de conteúdos de relevância local. Uma aldeia de esquimós, por exemplo,
na qual se fotografa e se colhe depoimentos dos cidadãos mais velhos. É uma forma de fixar a memória cultural do grupo étnico.
Isso é material para um Web site.
Folha - Mas muitas associações e
ONGs no Brasil têm seus Web sites.
Tadao - Já existe na Internet-1
tecnologia para fazer isso. Mas isso é muito caro. É o tipo de iniciativa que não se sustenta comercialmente. Ou é feito segundo o
ponto de vista cultural e social ou
não é feito. O que se deve e se pode
fazer (é a experiência do Canadá,
da França) é estimular a aparição
de centros comunitários onde
exista infra-estrutura para colocar
informações na Internet.
Folha - Mas esse tipo de coisa pode ser feito desde já.
Tadao - Certamente. Não se trata de um problema de Internet-2.
Trata-se de uma distorção de
mercado. Esses centros comunitários farão o que quiserem. Podem se formar em torno do hip
hop gravado pelos jovens da comunidade. Deve-se estimular a
entrada de informação cultural de
todo gênero. Não cabe a nós definir. Cabe a esses grupos.
Folha - O meio acadêmico está
bem mais informado que o resto da
sociedade sobre a Internet-2. Será
que ele não está mais predisposto a
tirar proveito?
Tadao - Se for o caso, não é ruim,
desde que o programa seja concebido para permitir que a informação circule de um modo mais
abrangente. Há por exemplo um
projeto que consiste em interconectar todas as bibliotecas públicas do país. Não estamos nos limitando a bibliotecas universitárias.
Pensamos muito mais em bibliotecas municipais de pequenas cidades do interior. É nelas que jovens se reúnem com outros jovens para fazer trabalho escolar.
Folha - Mas isso funcionaria com
a Internet atual.
Tadao - E já está funcionando.
Não há uma descontinuidade entre a Internet atual e a Internet-2.
A diferença entre as duas será semelhante à que existe entre telefonia analógica e telefonia digital. A
digital é mais rápida, oferece mais
produtos (voice mail, bina, transferência automática da ligação).
Folha - Qual a analogia, então,
entre as duas Internets?
Tadao - Alguns serviços básicos,
como o e-mail, continuarão do
jeito que estão. O que ocorrerá é
que em algumas regiões será possível ter videoconferência na casa
das pessoas, será possível manipular produtos a distância.
Folha - Apenas isso?
Tadao - Não. Haverá também a
qualidade de serviço. A velocidade de entrega da informação ao
usuário será garantida durante o
tempo de conexão. Na Internet a
tolerância à falha ainda é muito
grande. Conforme as velocidades
aumentam e os serviços se tornam mais sofisticados a Internet
deverá embutir o conceito de garantia de serviço.
Folha - E as aplicações médicas?
Tadao - Na Internet-2 essa garantia de serviço é fundamental.
O médico está operando um paciente à distância. Com a atual Internet a linha pode cair.
Folha - O governo vai construir o
backbone da nova Internet ou vai
definir o padrão para que ele seja
construído?
Tadao - O governo não fará nada. O Ministério de Ciência e Tecnologia vem aumentando a velocidade das conexões da Rede Nacional de Pesquisa, que atende o
setor acadêmico, e permitindo
que essa rede tenha serviços típicos da Internet-2. Ao ser testada, a
tecnologia no setor acadêmico se
qualifica para o setor privado.
Folha - Dá para dizer quando a Internet-2 estará operando?
Tadao - Os serviços próprios à
Internet-2 se instalarão aos poucos, quase imperceptivelmente,
como as vantagens oferecidas pela telefonia digital. Em alguns
pontos, sobretudo no Rio e em
São Paulo, os backbones terão velocidade bem maior. Em outras
regiões isso não ocorrerá.
Folha - Por que os provedores privados não tomaram em mão esse
processo
Tadao - Eles ou não o fazem ou
então o fazem a uma velocidade
menor do que deveriam. Mas o
governo não quer substituí-los.
Quer apenas estimular. Os provedores têm recursos humanos para
operar os serviços atuais e não para implantar novos serviços.
Folha - Se as coisas se encaixam
tão direitinho, por que esse orçamento de R$ 3,8 bilhões?
Tadao - Cerca de 20% desses recursos estão previstos no orçamento do Ministério da Ciência e
Tecnologia. Os 80% restantes se
referem a parcerias e ações executadas por terceiros, incluindo o
setor privado. Entre estas ações
está o Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), que se origina de uma
parcela das receitas das empresas
de telecomunicações. Esse fundo
custeará a conexão entre bibliotecas públicas, mas a execução do
projeto será das empresas operadoras, e não do governo.
Folha - Para terminar: se eu tenho um computador pessoal conectado, como é que eu vou entrar na
Internet-2?
Tadao - Vai entrar desde que o
seu provedor esteja oferecendo
serviços próprios à Internet-2.
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