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São Paulo, quinta-feira, 01 de janeiro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Uma medida a favor de todos

MIGUEL JORGE

Em seus discursos como candidato a presidente da República e desde que assumiu o governo, o presidente Lula tem-se batido para que a economia se desenvolva visando ao aspecto social, principalmente com a redução do custo do dinheiro para as camadas de menor renda. Para fomentar empréstimos diretos aos empregados regidos pela CLT, com juros mais baixos e desconto nas folhas de pagamento, uma recente medida provisória criou nova modalidade de empréstimos bancários, o que poderá permitir que milhões de trabalhadores tenham acesso a crédito com juros muito mais baixos que os praticados no mercado.
Já era tempo. A falta de linhas de crédito, a perda de renda dos assalariados, o alto custo do dinheiro (aliás, para o qual o governo contribui decisivamente) e a dificuldade de acesso dos trabalhadores ao crédito bancário comprometeram decisivamente o poder aquisitivo de boa parte da população. Para amenizar esse cenário, alguns bancos assinaram acordos com sindicatos e centrais sindicais, pelos quais os trabalhadores, mesmo não sendo seus clientes, terão acesso a empréstimos com juros bem mais baixos, dentro de certas condições absolutamente normais e aceitáveis.
As taxas e prazos dos empréstimos variam, mas as melhores condições têm sido ofertadas por bancos que cobram juros de 1,75% por mês e oferecem prazos entre 6 e 48 meses -claro, as taxas variam conforme o prazo e o risco do tomador e da empresa na qual ele trabalha, pois desconta-se a prestação diretamente da folha de pagamento.
Não se trata de um sistema de recompensas individuais, que, por si só, privilegiariam uns em detrimento de outros, mas, sim, de uma medida que, se seguida por outros setores, teria grande impacto macroeconômico e social. Ao endossar o programa do governo, esse grupo de bancos entendeu que o trabalhador não é só um número numa empresa, como nas economias centralizadas, mas um cidadão que precisa de acesso a crédito mais barato para que possa dar melhores condições de vida a sua família.
Cada um dos bancos que participam dessa iniciativa de democratização do crédito já anunciou ter R$ 10 bilhões para essas operações, o que significaria, numa conta rápida, mais de R$ 50 bilhões à disposição dos trabalhadores. Alguns milhares de empréstimos já foram realizados. Estatísticas de um dos bancos mostram que a média de juros aplicados é de 2,2% ao mês, que a média dos prazos é de 24 meses e que grande parte dos trabalhadores precisa do dinheiro para pagar dívidas (principalmente com agiotas) ou para aplicar na reforma e na ampliação de casas e na compra de móveis e de eletrodomésticos. Os funcionários dos poucos bancos que já operam essa nova modalidade de crédito nas empresas têm-se impressionado com a surpresa, quase estupefação, dos trabalhadores ao saberem quanto podem tomar emprestado e quanto pagarão de prestações (os juros são decrescentes).
Certos teóricos têm criticado publicamente o fato de que os sindicatos e as centrais sindicais sejam parte ativa desse sistema que permite ao trabalhador livrar-se de dívidas insuportáveis ou melhorar um pouco suas condições de vida. Para operar nas empresas, os bancos precisam da concordância dessas entidades, que observam as condições dos empréstimos oferecidos aos trabalhadores. Certamente, os professores e consultores que criticam esse sistema nunca estiveram numa metalúrgica, numa tecelagem ou numa indústria de alimentos para saber o que é a dura e verdadeira realidade do "chão de fábrica". Afinal, é muito mais agradável trabalhar em salas refrigeradas e escrever artigos contra essa modalidade de empréstimos que beneficia os trabalhadores.
Como esses teóricos nunca viveram a dura experiência de trabalhar em uma fábrica -em qualquer fábrica-, não têm a menor idéia de que, na maioria das vezes, o agiota que cobra juros extorsivos dos trabalhadores é seu próprio supervisor ou gerente -um operário contou que pagava juros de 16% ao mês para o supervisor-agiota da fábrica onde trabalhava.
Por isso, em vez de levar a sério essas críticas, o sistema financeiro deveria aprofundar ainda mais a competição por esse trabalhador, que representa menor risco de crédito, exatamente porque sua prestação sairá diretamente da empresa onde trabalha para o banco que faz o empréstimo. Iniciativas semelhantes, como a já anunciada medida que permitirá aos aposentados maior acesso ao crédito (o próprio governo transferiria para os bancos o valor das prestações), deveriam multiplicar-se e consolidar-se. Para o bem de todos e felicidade geral da nação.


Miguel Jorge, 58, jornalista, é vice-presidente de recursos humanos e assuntos corporativos do Santander Banespa.

Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Paulo Nogueira Batista Jr.


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