São Paulo, domingo, 01 de janeiro de 2006

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RECEITA ORTODOXA

Com aperto fiscal menor, autoridade monetária deve manter cautela e evitar corte rápido do juro, prevêem analistas

Gasto em alta acirra conservadorismo do BC

SHEILA D'AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Num momento em que tudo parece colaborar para a redução mais acentuada dos juros, a determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de acelerar os gastos públicos e garantir recursos para investimentos nas primeiras semanas de 2006 (até que o Orçamento deste ano seja votado pelo Congresso) deverá fazer com que o Banco Central mantenha o conservadorismo de 2005.
Nos bastidores da equipe econômica já é grande a preocupação com o impacto que essas despesas dos ministérios trarão para a economia. Depois da polêmica travada entre os ministros Antonio Palocci Filho (Fazenda) e Dilma Rousseff (Casa Civil) em torno do nível do ajuste fiscal, Lula mostrou que está mais alinhado com a posição de Dilma, que pressiona pela liberação de mais recursos.
Além disso, o presidente quer ter realizações para mostrar durante a campanha eleitoral. E foi por isso que os técnicos da equipe econômica passaram a última semana contabilizando os recursos disponíveis para serem efetivamente usados no começo do ano.
Ao menos R$ 2,1 bilhões que ficariam retidos deverão ser utilizados pela União -na sexta foi anunciado o descontingenciamento de R$ 1,7 bilhão. Em teoria, o governo conta com até R$ 13 bilhões desses "restos a pagar" para investimentos, já que não pode usar outros recursos enquanto o Orçamento não for votado.
No total estão incluídos R$ 900 milhões que serão repassados aos Estados ainda neste mês para compensá-los por perdas com a Lei Kandir. Além disso, R$ 300 milhões do Orçamento serão liberados para emendas de parlamentares. Outros R$ 600 milhões que não foram usados pelos ministérios serão remanejados para que outras áreas possam gastá-los neste início de ano, e há ainda R$ 307 milhões que deveriam financiar obras do Projeto Piloto de Investimentos ao longo de 2006 e serão antecipados para o início do ano, informou o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo.
A área econômica conseguiu ganhar a disputa para realizar em 2005 uma economia maior do que a prevista para pagar juros. Com isso, o chamado superávit primário deve ter fechado o ano acima da meta de 4,25% do PIB.
No entanto Lula quer que o número de 2006 fique mais próximo do valor oficial, mantido em 4,25%. Como a expectativa dos técnicos da Fazenda é ter encerrado 2005 com superávit próximo a 4,8% do PIB, isso significa redução de 0,55% do PIB.

Impacto
A forte restrição fiscal imposta pela área econômica ajudou o BC a controlar a inflação, que, ainda assim, deve ter encerrado 2005 em 5,7%, segundo a última projeção do BC. Esse valor é maior do que os 5,1% fixados como alvo pelos diretores do banco.
"O BC não sabe o impacto que esses gastos terão na economia nem o nível de atividade que o país estará vivendo neste início de ano", avalia a economista Sandra Utsumi, do BES Investimento.
Ela diz que a previsão de crescimento do BC, de 2,6% em 2005, ainda é muito otimista. "Para chegar a esse valor, a economia teria de crescer cerca de 2,5% no quarto trimestre de 2005 em relação ao terceiro trimestre, o que é muita coisa. O BC só vai conhecer o número efetivo do PIB no final de fevereiro. Até lá, trabalhará apenas com indicadores industriais que estão patinando", diz, ressaltando que isso deverá sugerir uma atuação mais conservadora do BC.
Além disso, diz Utsumi, o modelo do BC usado nas projeções levou em conta um superávit primário de 4,25% do PIB. Já o do mercado inclui para 2005 estimativa mais elevada. Isso justifica, em parte, a inflação maior projetada pelos analistas para 2006.
O BC estima para 2006 um IPCA, referência para o regime de metas, de 3,8%, abaixo dos 4,5% fixados como meta. Já a projeção do mercado é de 4,9%. O cenário dos analistas, porém, considera também juros menores (15,46% ao ano no final de 2006) do que os do BC (18% ao ano) e câmbio mais elevado (R$ 2,41, ante R$ 2,25 da projeção do BC).
"Pela visão que os diretores do BC têm demonstrado, essa redução do esforço fiscal para se aproximar dos 4,25% do PIB deverá deixar o BC mais conservador", afirma Marcelo Voss, economista da corretora Liquidez.
Para ele, a preocupação da equipe econômica com os gastos públicos deverá fazer com que a velocidade de queda nos juros não seja acelerada. Segundo Voss, o cuidado deverá ser maior porque, apesar da aparente disposição de retomar os investimentos, o incremento que será gerado não deverá ser suficiente para permitir aumento muito maior do PIB, a ponto de permitir que o crescimento de 2006 atinja os 4,9% prometidos por Palocci.
"Esses investimentos adicionais não deverão assegurar crescimento de 5%. Para ter crescimento maior, seria preciso um choque de gestão fiscal e redução mais forte dos juros", diz Voss. "Pelo que o BC vem sinalizando, o crescimento em 2006 ficará entre 3,2% e 3,5%", completa.
Questionado sobre o impacto da política fiscal mais flexível em 2006 na economia e o reflexo disso para a política monetária, o diretor de Política Econômica do BC, Afonso Bevilaqua, disse que possíveis diferenças no esforço fiscal neste ano terão de ser incorporadas ao modelo e que o BC mantém a previsão de superávit primário de 4,25% do PIB, o que ajudará a reduzir o endividamento público. Ainda assim, destacou que, "quanto mais rápida for a queda da relação da dívida com o PIB, melhor será o ambiente para a política monetária operar".


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