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RECEITA ORTODOXA
Com aperto fiscal menor, autoridade monetária deve manter cautela e evitar corte rápido do juro, prevêem analistas
Gasto em alta acirra conservadorismo do BC
SHEILA D'AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Num momento em que tudo
parece colaborar para a redução
mais acentuada dos juros, a determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de acelerar os
gastos públicos e garantir recursos para investimentos nas primeiras semanas de 2006 (até que
o Orçamento deste ano seja votado pelo Congresso) deverá fazer
com que o Banco Central mantenha o conservadorismo de 2005.
Nos bastidores da equipe econômica já é grande a preocupação
com o impacto que essas despesas
dos ministérios trarão para a economia. Depois da polêmica travada entre os ministros Antonio Palocci Filho (Fazenda) e Dilma
Rousseff (Casa Civil) em torno do
nível do ajuste fiscal, Lula mostrou que está mais alinhado com a
posição de Dilma, que pressiona
pela liberação de mais recursos.
Além disso, o presidente quer
ter realizações para mostrar durante a campanha eleitoral. E foi
por isso que os técnicos da equipe
econômica passaram a última semana contabilizando os recursos
disponíveis para serem efetivamente usados no começo do ano.
Ao menos R$ 2,1 bilhões que ficariam retidos deverão ser utilizados pela União -na sexta foi
anunciado o descontingenciamento de R$ 1,7 bilhão. Em teoria,
o governo conta com até R$ 13 bilhões desses "restos a pagar" para
investimentos, já que não pode
usar outros recursos enquanto o
Orçamento não for votado.
No total estão incluídos R$ 900
milhões que serão repassados aos
Estados ainda neste mês para
compensá-los por perdas com a
Lei Kandir. Além disso, R$ 300
milhões do Orçamento serão liberados para emendas de parlamentares. Outros R$ 600 milhões
que não foram usados pelos ministérios serão remanejados para
que outras áreas possam gastá-los
neste início de ano, e há ainda R$
307 milhões que deveriam financiar obras do Projeto Piloto de Investimentos ao longo de 2006 e serão antecipados para o início do
ano, informou o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo.
A área econômica conseguiu
ganhar a disputa para realizar em
2005 uma economia maior do que
a prevista para pagar juros. Com
isso, o chamado superávit primário deve ter fechado o ano acima
da meta de 4,25% do PIB.
No entanto Lula quer que o número de 2006 fique mais próximo
do valor oficial, mantido em
4,25%. Como a expectativa dos
técnicos da Fazenda é ter encerrado 2005 com superávit próximo a
4,8% do PIB, isso significa redução de 0,55% do PIB.
Impacto
A forte restrição fiscal imposta
pela área econômica ajudou o BC
a controlar a inflação, que, ainda
assim, deve ter encerrado 2005
em 5,7%, segundo a última projeção do BC. Esse valor é maior do
que os 5,1% fixados como alvo pelos diretores do banco.
"O BC não sabe o impacto que
esses gastos terão na economia
nem o nível de atividade que o
país estará vivendo neste início de
ano", avalia a economista Sandra
Utsumi, do BES Investimento.
Ela diz que a previsão de crescimento do BC, de 2,6% em 2005,
ainda é muito otimista. "Para chegar a esse valor, a economia teria
de crescer cerca de 2,5% no quarto trimestre de 2005 em relação ao
terceiro trimestre, o que é muita
coisa. O BC só vai conhecer o número efetivo do PIB no final de fevereiro. Até lá, trabalhará apenas
com indicadores industriais que
estão patinando", diz, ressaltando
que isso deverá sugerir uma atuação mais conservadora do BC.
Além disso, diz Utsumi, o modelo do BC usado nas projeções
levou em conta um superávit primário de 4,25% do PIB. Já o do
mercado inclui para 2005 estimativa mais elevada. Isso justifica,
em parte, a inflação maior projetada pelos analistas para 2006.
O BC estima para 2006 um IPCA, referência para o regime de
metas, de 3,8%, abaixo dos 4,5%
fixados como meta. Já a projeção
do mercado é de 4,9%. O cenário
dos analistas, porém, considera
também juros menores (15,46%
ao ano no final de 2006) do que os
do BC (18% ao ano) e câmbio
mais elevado (R$ 2,41, ante R$
2,25 da projeção do BC).
"Pela visão que os diretores do
BC têm demonstrado, essa redução do esforço fiscal para se aproximar dos 4,25% do PIB deverá
deixar o BC mais conservador",
afirma Marcelo Voss, economista
da corretora Liquidez.
Para ele, a preocupação da equipe econômica com os gastos públicos deverá fazer com que a velocidade de queda nos juros não
seja acelerada. Segundo Voss, o
cuidado deverá ser maior porque,
apesar da aparente disposição de
retomar os investimentos, o incremento que será gerado não deverá ser suficiente para permitir
aumento muito maior do PIB, a
ponto de permitir que o crescimento de 2006 atinja os 4,9% prometidos por Palocci.
"Esses investimentos adicionais
não deverão assegurar crescimento de 5%. Para ter crescimento
maior, seria preciso um choque
de gestão fiscal e redução mais
forte dos juros", diz Voss. "Pelo
que o BC vem sinalizando, o crescimento em 2006 ficará entre
3,2% e 3,5%", completa.
Questionado sobre o impacto
da política fiscal mais flexível em
2006 na economia e o reflexo disso para a política monetária, o diretor de Política Econômica do
BC, Afonso Bevilaqua, disse que
possíveis diferenças no esforço
fiscal neste ano terão de ser incorporadas ao modelo e que o BC
mantém a previsão de superávit
primário de 4,25% do PIB, o que
ajudará a reduzir o endividamento público. Ainda assim, destacou
que, "quanto mais rápida for a
queda da relação da dívida com o
PIB, melhor será o ambiente para
a política monetária operar".
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