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São Paulo, sábado, 01 de fevereiro de 2003

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"HOSPITAL"

Controladora da Eletropaulo admite situação de "default técnico'; executivo diz que quitar dívida é "quase impossível"

AES deixa de pagar US$ 85 mi ao BNDES

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

A AES Elpa, que controla a Eletropaulo no Brasil, deixou de pagar ontem uma parcela de US$ 85 milhões de sua dívida com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Em nota enviada ontem à Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo), a empresa admite a situação de "default técnico".
O grupo americano AES controla a Eletropaulo por duas subsidiárias, a AES Elpa, holding que detém as ações ordinárias da companhia, e a AES Transgás, dona das ações preferenciais. As duas holdings devem aproximadamente US$ 1,1 bilhão ao BNDES.
Em entrevista à Folha, o presidente da Eletropaulo, Steven Clancy, 41, afirmou que, nas condições atuais, a divida da Eletropaulo é muito difícil de ser paga. "Quase impossível", disse.
Apesar de toda essa dificuldade, Clancy espera chegar a um acordo, nos próximos dias, com o BNDES na negociação para o reescalonamento da dívida.
Clancy admite que, em razão dos resultados obtidos com a Eletropaulo, o interesse da AES em investir no Brasil diminuiu bastante nos últimos meses. Segundo ele, nos últimos cinco anos, a empresa investiu US$ 4 bilhões e obteve de retorno apenas US$ 311 milhões, ou seja, 0,8% do total do investimento.

Dólar e racionamento
Clancy atribui esse resultado a dois fatores. Em primeiro lugar, à desvalorização do real. Como a dívida com o BNDES é dolarizada, mas a receita da Eletropaulo é em real, a dívida em reais aumentou significativamente.
De acordo com ele, a dívida original da Elpa com o BNDES era de R$ 1 bilhão. A empresa já pagou R$ 928 milhões, mas ainda deve R$ 1,7 bilhão. Já a dívida original da Transgás era de R$ 2 bilhões. A Eletropaulo pagou R$ 1,1 bilhão e deve, ainda, US$ 1,9 bilhão.
Os efeitos do racionamento, de acordo com Clancy, também foram desastrosos tanto para a Eletropaulo como para as distribuidoras em geral. "Não conheço nenhum caso no mundo em que, do dia para a noite, o consumidor é obrigado a cortar 20% de energia", afirma o presidente da Eletropaulo.
Segundo Clancy, as perdas do racionamento custaram à Eletropaulo cerca de US$ 450 milhões em perdas de margens em 2001 e 2002, o que foi apenas parcialmente compensado pelo empréstimo do BNDES.
Clancy reconheceu que, nas últimas semanas, ocorreram algumas dificuldades na negociação da dívida com o BNDES em razão da mudança de interlocutores com o novo governo. "Como se trata de pessoas novas, nós tivemos que explicar de novo toda a história da dívida", afirmou.
Ele disse, no entanto, que não há problemas de relacionamento com o BNDES. "Nós estamos há tanto tempo sentados na mesma mesa com o BNDES que viramos até bons amigos", afirmou.
Mesmo assim, Clancy afirmou que irá procurar, na próxima semana, outras autoridades do governo para explicar a dívida da Eletropaulo. Entre eles, o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, a quem o BNDES é subordinado.
Nesta semana, Clancy se reuniu com o secretário-executivo do ministério, Márcio Fortes de Almeida. "Nós queremos mostrar ao governo que não somos "bad boys" [bandidos", e sim "good guys" [mocinhos" em relação ao Brasil", disse.
Sem querer entrar em detalhes da proposta encaminhada por ele ao BNDES na quinta-feira, Clancy disse que o principal objetivo da Eletropaulo é ter mais tempo para poder pagar a dívida. Não disse, no entanto, qual o prazo que ele quer para acertar os débitos.
Para o presidente da Eletropaulo, é difícil fazer uma previsão para a empresa, já que prognósticos dependem do comportamento do câmbio e da recuperação do consumo de energia -que, hoje, em razão do racionamento, está no mesmo nível de 1998.
Clancy não acredita que o BNDES exerça o direito de executar a dívida da Eletropaulo, ou seja, de entrar na Justiça para retomar a empresa. "Ninguém ganha se iniciarmos agora uma batalha judicial com o BNDES, nem o próprio BNDES", disse Clancy.

Sigilo
Procurado pela Folha, o BNDES informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não iria fazer nenhum tipo de comentário sobre o "default" da Eletropaulo. O banco alegou cláusulas de sigilo bancário incluídas no contrato de financiamento que não permitem divulgar informações sobre atrasos nos pagamentos ou renegociação de dívidas.
Apesar do "default técnico" da Eletropaulo, as ações preferenciais da empresa subiram 9,9% e lideraram as altas ontem, na Bovespa. Os investidores acreditam que a empresa será "socorrida" pelo BNDES. As declarações de Carlos Lessa, presidente do BNDES, são nesse sentido.


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