|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Expectativas sem fronteiras
GESNER OLIVEIRA
Apesar da tensa conjuntura
mundial, o Brasil vive um
momento de maior otimismo interno. Há uma combinação de
alívio e expectativa de melhora de
vida nos próximos anos. No entanto, o país carece de uma agenda de desenvolvimento capaz de
mobilizar a sociedade em direção
a novas fronteiras de expansão.
Embora persistam as pressões
no câmbio e nas Bolsas em razão
da situação externa, há sinais de
melhoras nas expectativas no plano interno. A título de exemplo e
para além dos indicadores financeiros, a última Sondagem Conjuntural da Indústria de Transformação, da Fundação Getúlio
Vargas, divulgada nesta semana,
registrou maior otimismo na percepção dos negócios nos próximos
seis meses.
Indicadores de expectativas dos
empresários, como o índice de intenção do empresário industrial
da CNI (Confederação Nacional
da Indústria), e dos consumidores, como o índice de intenção do
consumidor da Federação do Comércio do Estado de São Paulo,
apontam na mesma direção de
melhora relativamente ao segundo semestre de 2002.
A popularidade do presidente
Lula está acima dos patamares tipicamente elevados de início de
mandato. Não há decerto euforia,
mas alguns indicadores sugerem
a possibilidade de restabelecer o
estado de ânimo de antes da crise
de energia, que se tornou clara
para a maioria em abril de 2001.
Basta comparar esse quadro com
a Argentina, ao sul, e a Venezuela, ao norte, para verificar que isso não é pouca coisa.
Embora esse otimismo moderado seja um ingrediente precioso
para as coisas darem certo, tal clima será passageiro se não houver
resultados práticos em um prazo
relativamente curto, de 12 a 18
meses no máximo. As expectativas do mercado são voláteis e caprichosas, e a opinião pública faz
movimentos pendulares com
enorme frequência.
O governo assumiu corretamente o tripé da política macroeconômica constituído pelo regime
de metas inflacionárias, câmbio
flutuante e compromisso com a
austeridade fiscal. Isso afastou a
política econômica de qualquer
aventura argentina ou chavista.
O compromisso com tais políticas é condição necessária para as
coisas darem certo, mas não é suficiente para reanimar as inversões produtivas, colocando a economia em marcha de crescimento.
Tampouco parecem suficientes
as reformas estruturais de que
tanto se fala no governo, na imprensa e na sociedade, mas sobre
as quais tão pouco se aprofunda e
detalha. Um erro comum em relação a reformas como as tributária e previdenciária é imaginar
que haverá um Dia D a partir do
qual o equilíbrio fiscal estará resolvido e o risco-país declinará
rapidamente, permitindo a queda dos juros. Isso simplesmente
não acontece, como se verificou
nos dois mandatos do governo
FHC, com ou sem o PT na oposição.
Os processos de reformas são extremamente complexos, envolvendo modificações não apenas
legais e constitucionais mas de jurisprudência, de hábitos, costumes e mentalidade. Mais importante, são frequentemente jogos
de soma zero, com ganhadores e
perdedores bem definidos, como
revelaram rapidamente as primeiras manifestações de magistrados e militares em relação à reforma da Previdência.
O sucesso do processo reformista ocorre, portanto, por aproximações sucessivas, dependendo
de tempo e da capacidade das lideranças de transformarem esses
jogos de soma zero em jogos de soma positiva, nos quais eventuais
perdedores tenham compensações pelo menos parciais. E para
os quais uma coalizão majoritária de beneficiários no futuro possa ser organizada.
Mas ninguém se organiza para
eliminar benefícios previdenciários, mesmo aqueles que agridem
a aritmética mais simples, como
os do sistema brasileiro. Tampouco o esforço de ajuste fiscal, por
mais necessário que seja, será suficiente por si só para animar os
investimentos e deflagrar um ciclo de crescimento.
E, sem crescimento, torna-se
muito mais difícil promover as reformas necessárias, colocando o
país em uma armadilha de baixa
expansão da renda per capita.
Sem crescimento e emprego, as
políticas sociais como o Fome Zero perdem igualmente eficácia,
por mais louváveis que sejam do
ponto de vista ético.
Para que o país supere tais desafios e aproveite o capital de expectativas favoráveis neste início
de governo, será necessário muito
mais do que a continuidade da
política macroeconômica de curto prazo.
Será necessário articular as
ações de curto prazo a uma agenda nacional de desenvolvimento,
na qual seja possível identificar
novas oportunidades e fronteiras
de expansão.
A reorganização do sistema tributário, os esforços para equilibrar a Previdência e a modernização da legislação de falências,
entre outras mudanças, poderão
ser moldadas para atender a
agenda de desenvolvimento, e
não o contrário. Para escapar da
armadilha estagnacionista, será
preciso crescer para reformar e reformar para crescer.
Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
Texto Anterior: Tiroteio Próximo Texto: Resenha: Economistas debatem crescimento via exportações Índice
|