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São Paulo, sábado, 01 de fevereiro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Expectativas sem fronteiras

GESNER OLIVEIRA

Apesar da tensa conjuntura mundial, o Brasil vive um momento de maior otimismo interno. Há uma combinação de alívio e expectativa de melhora de vida nos próximos anos. No entanto, o país carece de uma agenda de desenvolvimento capaz de mobilizar a sociedade em direção a novas fronteiras de expansão.
Embora persistam as pressões no câmbio e nas Bolsas em razão da situação externa, há sinais de melhoras nas expectativas no plano interno. A título de exemplo e para além dos indicadores financeiros, a última Sondagem Conjuntural da Indústria de Transformação, da Fundação Getúlio Vargas, divulgada nesta semana, registrou maior otimismo na percepção dos negócios nos próximos seis meses.
Indicadores de expectativas dos empresários, como o índice de intenção do empresário industrial da CNI (Confederação Nacional da Indústria), e dos consumidores, como o índice de intenção do consumidor da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, apontam na mesma direção de melhora relativamente ao segundo semestre de 2002.
A popularidade do presidente Lula está acima dos patamares tipicamente elevados de início de mandato. Não há decerto euforia, mas alguns indicadores sugerem a possibilidade de restabelecer o estado de ânimo de antes da crise de energia, que se tornou clara para a maioria em abril de 2001. Basta comparar esse quadro com a Argentina, ao sul, e a Venezuela, ao norte, para verificar que isso não é pouca coisa.
Embora esse otimismo moderado seja um ingrediente precioso para as coisas darem certo, tal clima será passageiro se não houver resultados práticos em um prazo relativamente curto, de 12 a 18 meses no máximo. As expectativas do mercado são voláteis e caprichosas, e a opinião pública faz movimentos pendulares com enorme frequência.
O governo assumiu corretamente o tripé da política macroeconômica constituído pelo regime de metas inflacionárias, câmbio flutuante e compromisso com a austeridade fiscal. Isso afastou a política econômica de qualquer aventura argentina ou chavista.
O compromisso com tais políticas é condição necessária para as coisas darem certo, mas não é suficiente para reanimar as inversões produtivas, colocando a economia em marcha de crescimento.
Tampouco parecem suficientes as reformas estruturais de que tanto se fala no governo, na imprensa e na sociedade, mas sobre as quais tão pouco se aprofunda e detalha. Um erro comum em relação a reformas como as tributária e previdenciária é imaginar que haverá um Dia D a partir do qual o equilíbrio fiscal estará resolvido e o risco-país declinará rapidamente, permitindo a queda dos juros. Isso simplesmente não acontece, como se verificou nos dois mandatos do governo FHC, com ou sem o PT na oposição.
Os processos de reformas são extremamente complexos, envolvendo modificações não apenas legais e constitucionais mas de jurisprudência, de hábitos, costumes e mentalidade. Mais importante, são frequentemente jogos de soma zero, com ganhadores e perdedores bem definidos, como revelaram rapidamente as primeiras manifestações de magistrados e militares em relação à reforma da Previdência.
O sucesso do processo reformista ocorre, portanto, por aproximações sucessivas, dependendo de tempo e da capacidade das lideranças de transformarem esses jogos de soma zero em jogos de soma positiva, nos quais eventuais perdedores tenham compensações pelo menos parciais. E para os quais uma coalizão majoritária de beneficiários no futuro possa ser organizada.
Mas ninguém se organiza para eliminar benefícios previdenciários, mesmo aqueles que agridem a aritmética mais simples, como os do sistema brasileiro. Tampouco o esforço de ajuste fiscal, por mais necessário que seja, será suficiente por si só para animar os investimentos e deflagrar um ciclo de crescimento.
E, sem crescimento, torna-se muito mais difícil promover as reformas necessárias, colocando o país em uma armadilha de baixa expansão da renda per capita. Sem crescimento e emprego, as políticas sociais como o Fome Zero perdem igualmente eficácia, por mais louváveis que sejam do ponto de vista ético.
Para que o país supere tais desafios e aproveite o capital de expectativas favoráveis neste início de governo, será necessário muito mais do que a continuidade da política macroeconômica de curto prazo.
Será necessário articular as ações de curto prazo a uma agenda nacional de desenvolvimento, na qual seja possível identificar novas oportunidades e fronteiras de expansão.
A reorganização do sistema tributário, os esforços para equilibrar a Previdência e a modernização da legislação de falências, entre outras mudanças, poderão ser moldadas para atender a agenda de desenvolvimento, e não o contrário. Para escapar da armadilha estagnacionista, será preciso crescer para reformar e reformar para crescer.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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