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LUÍS NASSIF
O rei do violão
Como avaliar a importância de um violonista? Há autores que criam história desenvolvendo novas escolas musicais. O
Brasil tem João Pernambuco, Garoto e Baden Powell, sem contar,
obviamente, Villa-Lobos.
Há aqueles dotados de fina técnica, como Paulinho Nogueira,
Turíbio Santos e, agora, Fábio
Zanon. Há violonistas que desempenharam papel histórico relevante na divulgação do violão,
mesmo não sendo virtuoses. Como Dilermando Reis, que ajudou
a popularizar o violão no Brasil, e
Laurindo de Almeida e Bola Sete,
ajudando a popularizar o violão
brasileiro nos Estados Unidos.
E há os virtuoses.
Nesse campo, além do próprio
Baden, o violão brasileiro e mundial tem um conjunto pequeno de
estrelas. Mas junte Raphael Rabello e Yamandú Costa. Adicione
técnica e haverá os irmãos Abreu
e o Duo Assad -Sérgio, o compositor, arranjador e exímio violonista, e Odair, o virtuose. Agora,
somem os dois grupos e haverá o
maior virtuose da história do violão brasileiro: Natalino Moreira
Lima, hoje em dia conhecido artisticamente como Nato Lima,
antes o solista do duo Índios Tabajara, 85 anos aproximadamente, vivendo em Nova York, perto
do Central Park.
Em 1963, com o irmão Antenor,
lançou o bolero Maria Elena, sucesso mundial, 1,5 milhão de cópias vendidas e que chegou a desbancar os Beatles nas paradas
mundiais.
Sobre esses violonistas, escrevi
algumas semanas atrás. O que
ainda não conhecia era o lado
virtuose. Em geral seu repertório
era composto de standards, muito
comerciais, porém permitindo
acompanhar a técnica excepcional de Natalino.
Da coluna que escrevi para cá,
tive acesso a várias peças clássicas
interpretadas por eles. Não existiu nada que se aproximasse na
história do violão brasileiro. Nem
pensar em Dilermando, Laurindo. O próprio Odair, após uma
apresentação em Nova York, foi
cercado por fãs, que o chamavam
de gênio. Ele percebeu Natalino, à
distância, e informou à distinta
platéia: "Gênio é aquele!". E não
estava sendo um falso humilde.
A história dos Índios Tabajara é
uma epopéia, com tantos episódios rocambolescos que não se sabe o que é lenda e o que é verdade.
Conversei longamente com Natalino na semana passada, e dia
desses reporto o que ouvi.
Depois de deixar a tribo, desembarcar no Rio de Janeiro, se alistar no Exército e pedir desligamento, Natalino e Antenor começaram carreira circense, depois
carreira em cassinos, depois carreira em capitais latino-americanas, até bater no México.
Lá, um dia Natalino entrou em
um cinema e assistiu a Cornel
Wilde interpretando Frederic
Chopin. Ficou hipnotizado com o
som. Na mesma hora foi até uma
loja de música, comprou vários
métodos e se trancou um ano em
sua casa aprendendo a ler partitura e a se desenvolver em música. Um ano depois transcreveu
para violão a "Valsa em Dó Sustenido Menor", de Chopin.
Meu Deus, o que foi aquilo? O
som que ambos tiram não tem
paralelo na história do violão
brasileiro. Natalino me contou
que afinou a corda mais grave do
violão, o mi em lá, uma oitava
abaixo da quinta corda. Conseguiu um grave que, no piano, fica
embaralhado. Depois, usou o violão Del Vecchio de braço estreito,
cujas últimas notas chegavam
perto do bocal do violão, tirando
um som agudo límpido.
Depois foi o "Vôo do Besouro",
de Rimsky-Korsakov, com uma
velocidade e limpeza que deixariam Yamandú parecendo desleixado. E "Valsa Crioula", de Antonio Lauro, "Recuerdos de Alhambra" e "Ritual da Dança do Fogo", de Manuel de Falla, "Valsa
das Flores", de Tchaikovski. Ao
todo, os Índios Tabajara gravaram cinco LPs de música clássica.
Por que não houve o devido reconhecimento, no Brasil, nem entre os iniciados? Certamente pelo
repertório, bastante comercial.
Depois porque os LPs de música
clássica não devem ter chegado
ao Brasil. E porque os Tabajara
não se filiaram a tribo musical
nenhuma.
Mas com esses ouvidos, que a
terra há de comer, posso afiançar:
na história do violão brasileiro
não houve técnica igual à de Natalino. Todo ano ele recebe em
sua casa violonistas de todas as
partes do mundo."Eles acham
que eu vou morrer no próximo
ano. Mas na minha tribo só tinha
índio que vivia muito", diz ele.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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