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ARTIGO
A síndrome de Pinóquio na energia
ADRIANO PIRES
Algumas declarações e acontecimentos ocorridos em
2003 e no início de 2004 demonstram que as autoridades do setor
de energia parecem estar acometidas da síndrome de Pinóquio.
Como todos sabem, Pinóquio
possuía um desvio de personalidade que era o de nunca contar a
verdade. Com muita ingenuidade
e charme, Pinóquio não tinha coragem para assumir suas idéias e,
conseqüentemente, perdia a confiança de todos aqueles que o cercavam.
A atual equipe energética, sem o
charme e menos ingenuidade que
Pinóquio, tenta enganar o mercado e mesmo a sociedade com um
discurso de que estaria promovendo mudanças que irão assegurar os investimentos necessários
de forma a retomar o crescimento
sustentado.
No setor elétrico, no início de
2003, a equipe do MME (Ministério de Minas e Energia) garantia
que o modelo proposto durante a
campanha presidencial tinha sido
abandonado e que, portanto, mecanismos de mercado e opiniões
dos agentes seriam considerados
na elaboração do novo modelo.
A primeira surpresa veio em julho de 2003, quando da divulgação de um documento preliminar. Logo, verificou-se que a vertente "Lula light" não tinha contaminado a equipe do MME. Entretanto, diante das críticas do mercado, da sociedade e até mesmo
de outras áreas do governo, o
MME voltou a afirmar que a versão final do modelo levaria em
conta todas as sugestões apresentadas. Isso porque um dos objetivos principais do novo modelo
seria a atração de capitais privados. Qual não foi a surpresa quando, no final do ano passado, o
MME encaminhou ao presidente
da República duas MPs (medidas
provisórias) que propunham um
modelo centralizador e estatizante. Na sua essência, as idéias contidas nas duas MPs são semelhantes às que circularam no período
das eleições presidenciais.
Um outro acontecimento, que
obrigou o governo a rever algumas de suas posições, é a recente
crise de energia do Nordeste. É
bom lembrar que, durante a campanha presidencial, e mesmo depois da posse, algumas das atuais
autoridades do setor propuseram
quebra de contratos tanto com as
térmicas emergenciais quanto
com as do PPT. Até alguns professores que atualmente exercem
cargos de governo sugeriram a
denúncia dos contratos ao Ministério Público.
Em razão dessas declarações, a
entrada em operação das térmicas emergenciais foi adiada ao
máximo, evidentemente com
custos para os consumidores. Porém, com o agravamento da crise,
o governo "mordeu a língua" e na
segunda semana de janeiro foram
ligadas mais de 30 térmicas, ao
custo de R$ 230 a R$ 430 por
MWh.
No setor de petróleo existem
duas histórias. A primeira é a falta
de transparência da política de
preços da gasolina, diesel e GLP.
Durante todo o ano de 2003, a Petrobras afirmou que seus preços
eram iguais ou menores em relação aos do mercado internacional. Porém, quando comparamos
os preços da Petrobras com os do
golfo Americano, verificamos que
os preços internos estiveram quase sempre acima dos externos. Isso justifica, em parte, o resultado
apresentado pelo segmento de
abastecimento da Petrobras. Em
2003, esse segmento, responsável
pela venda de derivados, teve uma
participação de cerca de 30% no
lucro total da empresa, enquanto
em 2002 foi de apenas 15%.
A segunda história está ligada à
licitação dos blocos de petróleo e
gás natural. Em julho do ano passado, nas vésperas do leilão das
áreas, o CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) publicou a resolução nš 08. A resolução
contém dois pontos que, aparentemente, passaram desapercebidos do mercado. O primeiro é retirar, na prática, o poder concedente da ANP. O segundo foi criar
dois conceitos dignos do intervencionismo do atual governo: a
relação ideal (sic) entre reservas e
a produção e o volume adequado
(sic) de reservas do país. Na realidade, essa resolução fortalece o
MME e deixa subentendido que,
atingida a auto-suficiência, não
haveria mais a necessidade de novas licitações.
No campo da regulação, o governo passou o ano alternando
um discurso ora a favor, ora contra a autonomia e a independência das agências. Porém, no final
de 2003, o governo parece ter optado pela construção de um marco regulatório em que as agências
passam a ter seu poder reduzido e
suas decisões são politizadas. Isso
fica claro com a indicação de um
político com posicionamento
contrário à abertura do setor do
petróleo e gás natural para a diretoria da ANP e a demissão do presidente da Anatel pelo fato de ter
discordado do ministro das Comunicações.
Por mais competente que o governo seja na arte de esconder
suas verdadeiras intenções, não é
possível enganar a todos o tempo
inteiro.
Nesse sentido, é uma pena que,
depois de tanto tempo e trabalho
para conseguirmos alcançar a estabilidade macroeconômica, o
governo deixe escapar a oportunidade ímpar de atrair investimentos privados para o setor de
infra-estrutura.
Em 2004, o governo precisa assumir uma atitude compatível
com as nossas reais necessidades.
Isso significa separar a figura do
Estado-empresário do Estado-regulador, estabelecer um marco
regulatório e tributário que incentive o investimento privado e estimular a competição. Caso contrário, estaremos promovendo um
desmanche do equilíbrio macroeconômico.
Adriano Pires Rodrigues, 46,
economista, é doutor em economia
industrial pela Universidade Paris 13,
diretor do CBIE (Centro Brasileiro de
Infra-Estrutura) e professor da
Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da UFRJ
(Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Hoje, excepcionalmente, a coluna
de Maria da Conceição Tavares
não é publicada.
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