São Paulo, quinta-feira, 01 de fevereiro de 2007

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Macroeconomia do PAC

Não parece haver motivos para decretar a ineficácia do PAC ou temer os seus efeitos sobre as contas públicas

O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) suscitou, como é normal, críticas de diferentes tipos. Os investimentos previstos são compatíveis com a preservação do ambiente? As obras escolhidas são de interesse público?
A lista inclui, por exemplo, o polêmico projeto de transposição de águas do São Francisco.
O governo mostrará eficiência e agilidade para conduzir o programa? Ou muita coisa ficará no papel?
O Executivo federal terá força e habilidade políticas para mobilizar apoio e vencer resistências dentro do próprio governo (em especial no Banco Central), no Congresso e nos governos estaduais e municipais?
Também há dúvidas sobre a consistência e eficácia do programa do ponto de vista macroeconômico. É dessas dúvidas que gostaria de falar um pouco hoje. Muitos economistas argumentam que o PAC se baseia em medidas errôneas, de caráter estatizante, que ameaçam as contas públicas e que não aumentarão a taxa de expansão do PIB. Aqui, no caderno Dinheiro da Folha, esse tipo de preocupação teve destaque em artigos e entrevistas.
Por exemplo: Paulo Rabello de Castro, cujas opiniões são sempre instigantes, teve um acesso de radicalismo em artigo publicado ontem neste mesmo espaço. Segundo ele, o Brasil vive "o oposto da típica situação keynesiana" e, portanto, "qualquer anúncio de aceleração dos gastos públicos -assim explica a moderna teoria- provocará ajuste para baixo na riqueza esperada do setor privado, que passará a descontar os impostos a mais a serem pagos para financiar os juros e os demais gastos anunciados".
O oposto de uma situação keynesiana? A economia brasileira opera abaixo do seu potencial, existe bastante capacidade ociosa média nas empresas, a taxa de desemprego é alta e temos folga no balanço de pagamentos (isto é, capacidade de importar não aproveitada). Além disso, é muito frágil a hipótese teórica (que nem é tão moderna, pois remete de certa forma a David Ricardo e Robert Barro) de que o aumento dos investimentos públicos elevaria os impostos esperados e provocaria redução dos gastos privados no curto prazo, resultando em efeito líquido pequeno ou nulo sobre a demanda agregada. Para que a hipótese tivesse um mínimo de plausibilidade, seria preciso argumentar, em primeiro lugar, que o PAC implica aumento do déficit e da dívida do setor público.
Os números apresentados pelo governo para 2007-2010 -e que até onde sei não foram seriamente questionados- mostram o contrário: queda do déficit nominal e da dívida líquida pública como proporção do PIB. No que diz respeito às contas públicas, o PAC envolve uma redução da meta de superávit primário de 4,25% para 3,75% do PIB. A diferença de 0,5% do PIB seria destinada basicamente a uma ampliação dos investimentos do governo e das estatais em infra-estrutura. Não há previsão de aumento de impostos. Ao contrário, o PAC inclui algumas desonerações seletivas de tributos.
A diminuição do superávit primário é perigosa? Nas projeções do Ministério da Fazenda, admite-se um declínio gradual da taxa Selic (conforme expectativas do mercado compiladas pelo Banco Central), crescimento anual do PIB da ordem de 5%, taxa de inflação de cerca de 4,5% ao ano e "esqueletos" (reconhecimento de dívidas não contabilizadas) de 0,5% do PIB por ano. Admite-se também que a Selic é uma boa aproximação do custo médio da dívida pública como um todo.
Com essas hipóteses, o déficit nominal diminui de 3,4% do PIB em 2006 para 0,2% do PIB em 2010. A dívida líquida (inclusive base monetária) cai de 50% do PIB em dezembro de 2006 para 40% do PIB em dezembro de 2010. Não parece haver, portanto, motivos para decretar liminarmente a ineficácia do PAC ou para temer os seus efeitos sobre as contas públicas.
Evidentemente, toda projeção para prazo tão longo abriga incertezas. Quem garante que o comando do Banco Central -xiita como é- não frustrará a expectativa do mercado de um declínio gradual dos juros? Há risco de descontrole dos gastos correntes não-financeiros do governo? O PAC, como se sabe, é fraco nesse ponto. O aumento dos investimentos previstos e as demais medidas do programa serão suficientes para gerar crescimento de 5%? Não será necessário ampliar as desonerações tributárias para estimular com mais força os investimentos privados? A persistência da sobrevalorização cambial é compatível com a meta de 5% de crescimento para o PIB?
São pontos cruciais, de cujo tratamento dependerá não só o sucesso ou fracasso do PAC mas -arrisco dizer- o sucesso ou fracasso do segundo mandato do presidente Lula.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/ Elsevier, 2005).

pnbjr@attglobal.net


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