São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2009

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ARTIGO

Davos, mantenha o capitalismo

HUGO DIXON
DO "NEW YORK TIMES"

O mundo está em meio a uma crise financeira. Mas ela não precisa se transformar em uma crise do capitalismo, na qual intervenções governamentais e protecionismo venham a sufocar o potencial criativo dos mercados livres.
Os líderes políticos e empresariais reunidos no Fórum Econômico Mundial em Davos, Suíça, deveriam adotar como objetivo impedir que isso aconteça. De outra forma, o ressentimento cada vez maior entre os exércitos crescentes de desempregados e de outras vítimas da desaceleração na economia mundial poderia fazer com que muito de bom seja perdido em companhia daquilo que é ruim e com isso tornar o mundo ainda mais pobre.
Para começar a difundir essa mensagem, todo mundo deveria estar disposto a assumir a responsabilidade por seus erros. E o conselho não se aplica apenas aos banqueiros que foram corretamente criticados por seu comportamento irresponsável, mas igualmente aos políticos.
Cabe-lhes parte da culpa pela enrascada em que a economia mundial se encontra agora. E eles precisam admitir o fato.
Os governos fizeram mais do que criar as estruturas regulatórias frouxas nas quais os banqueiros se inspiraram para seus exageros. Também foram responsáveis por políticas fiscais e monetárias frouxas que ajudaram a alimentar a bolha.
E eles não conseguiram encontrar uma solução para os desequilíbrios no comércio internacional que, por muitos anos, permitiram que os Estados Unidos e outras economias ocidentais desenvolvidas financiassem surtos de consumismo acelerado obtendo pilhas de dinheiro barato emprestado por países asiáticos.
Reconhecer os passados erros deve ser o primeiro passo.
Depois, a elite de Davos deve começar a procurar por soluções para o atual cenário.
Há três respostas principais.
A primeira envolve reformas profundas que tornem o sistema financeiro mais seguro.
Mas os governos precisam resistir à tentação de atribuir toda a responsabilidade ao setor bancário, que se tornou um bode expiatório conveniente.
As autoridades também precisam colocar suas casas em ordem. Promessas confiáveis de que o equilíbrio orçamentário será promovido tão logo a crise seja superada, mesmo que os déficits cresçam muito em curto prazo, devem ter prioridade na agenda. Os bancos centrais também precisam assumir um compromisso mais forte de considerar o crescimento do crédito e dos preços dos ativos, em lugar de apenas os preços ao consumidor, quando determinam taxas de juros.
Se essas promessas forem sustentadas por detalhes suficientes quanto aos mecanismos práticos que envolverão, farão mais do que ajudar a prevenir futuras bolhas. Também oferecerão garantias de que os governos mesmos não estão se comportando de forma descontrolada ao tentar combater a crise por meio de medidas perigosas como imprimir dinheiro.
Na verdade, os governos precisam criar alguma forma de plano responsável de médio prazo para garantir que os mercados financeiros não percam a confiança. Caso os investidores comecem a boicotar os títulos públicos quando os déficits fiscais estiverem em rápida alta, a crise atual poderia se agravar ainda mais. Os governos poderiam recorrer a moratórias, à inflação ou a consideráveis aumentos de impostos.
Os líderes políticos também precisam assumir o compromisso de promover um reequilíbrio firme da economia mundial, a fim de evitar excesso de poupança em uma parte do mundo e excesso de consumo em outra. É claro que essa dança requer dois participantes, e a China ainda não entrou na pista. E tampouco os Estados Unidos, aliás, parecem dispostos a abandonar sua dependência dos empréstimos externos.
A reunião de Davos, que trouxe o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, e diversos líderes ocidentais, seria uma boa oportunidade para promover essa mensagem. Todo mundo deveria compreender que existem amplos benefícios no esforço de reequilibrar a economia mundial, além da redução do risco de futuras crises.
Isso significaria que Estados Unidos, Reino Unido, Espanha e outros países teriam de viver de acordo com suas posses, e que os chineses poderiam deixar de lado a austeridade e se divertir um pouco mais.
Caso os líderes políticos consigam criar uma estrutura que promova estabilidade em médio prazo, estarão bem posicionados para defender o que o capitalismo tem de bom: a saber, o livre comércio e o livre mercado. A esta altura, ninguém deveria ser ingênuo a ponto de fingir que estes podem florescer na ausência de uma estrutura regulatória efetiva.
Mas um retorno à estatização, assistência governamental e protecionismo que caracterizaram, por exemplo, as ações dos Estados Unidos depois da Grande Depressão, seria calamitoso para todos.
A missão para os líderes que se reuniram em Davos deveria ser garantir que os elementos valiosos do livre comércio e do livre mercado sejam encorajados, enquanto se esforçam por conter os excessos financeiros.
De outra forma, correrão o risco de jogar o bebê fora junto com a água do banho.


HUGO DIXON é jornalista econômico e diretor do instituto Breakingviews.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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