São Paulo, segunda, 1 de fevereiro de 1999

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MONTADORAS
Empresa tenta retomar produção hoje com o fim das férias coletivas; demitidos prometem novas ocupações
Ford erra nas demissões, dizem consultores

MAURICIO ESPOSITO
da Reportagem Local

Apesar da experiência em relações trabalhistas, a Ford errou na forma encontrada para enxugar seu quadro de funcionários, segundo especialistas em recursos humanos consultados pela Folha .
As 2.800 demissões anunciadas em dezembro passado e efetivadas neste início de ano na fábrica da Ford em São Bernardo, na região do ABC paulista, surpreenderam esses especialistas.
A montadora tem a tradição de negociar reestruturações e demissões com os sindicatos de trabalhadores, mas desta vez decidiu cortar 41% do efetivo da fábrica sem discutir fórmulas que evitassem os desligamentos.
Durante as férias coletivas de final de ano, a poucos dias do Natal, os funcionários demitidos começaram a receber cartas com o anúncio do corte.
Como resultado, desde o início do ano o poderoso Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, filiado à CUT, vem organizando protestos quase diários contra as demissões.
Primeiro, os 2.800 demitidos ocuparam diariamente a fábrica, em uma atitude de não reconhecer as demissões. A Ford não ativou a linha de produção, alegando motivos de segurança, e nenhum carro foi montado desde então.
Políticos e até o governo foram envolvidos pelos sindicalistas na questão, em busca de medidas de apoio ao setor automotivo.
Nas duas últimas semanas de janeiro, a empresa concedeu licença remunerada aos funcionários restantes. Eles voltam ao trabalho hoje, mas o sindicato promete organizar novamente as ocupações com os demitidos.
Apesar,da necessidade da empresa em ter a fábrica produzindo o mais rápido possível, o impasse pode se prolongar.
"A empresa teve um prejuízo em sua imagem", avalia Joel Dutra, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP).
Um dos principais problemas criados com as demissões, segundo o especialista, é o abalo do comprometimento dos atuais funcionários. "A empresa vai ter que fazer um esforço para recuperar esse comprometimento", diz.
O professor da USP avalia que a forma de comunicar a demissão, assim como o teor das cartas mandadas pela Ford aos demitidos, foram inadequados.
Na avaliação da especialista em comportamento empresarial Suzana Doblinski, a Ford deveria ter encarregado chefes e supervisores de anunciar as demissões, em conversas isoladas com as pessoas demitidas, nem que para isso o processo levasse muito mais tempo. "A empresa agora terá que reunir os funcionários restantes e conversar sobre a realidade da empresa", concorda Doblinski.
O consultor Thomas Case, fundador do Grupo Catho, de recrutamento de executivos, diz que uma empresa com necessidade de realizar uma demissão em massa precisa demonstrar legitimidade no ato.
"O trabalhador foi tratado como um número, foi rejeitado por uma empresa que para ele era uma família", diz Case.
Para o fundador do Grupo Catho, por exemplo, não haveria grande custo para a montadora em criar uma central de telefone para atender os demitidos e tirar suas dúvidas, por exemplo.
O consultor avalia que a empresa ao menos deveria ter demonstrado esforço em buscar uma alternativa de emprego para o demitido.
"Ela poderia ter oferecido cartas de referência, palestras sobre o mercado de trabalho e formas de encontrar oportunidades", diz.
Segundo Case, são despesas mínimas que, se não mudam concretamente a situação do trabalhador, ao menos amenizariam seu descontentamento.



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