São Paulo, terça-feira, 01 de março de 2005

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OPINIÃO ECONÔMICA

Boi na linha

BENJAMIN STEINBRUCH

Dá gosto navegar pelas estatísticas do comércio exterior brasileiro, no site do Ministério do Desenvolvimento. É um passeio cheio de boas imagens sobre os avanços das exportações.
O gráfico da evolução recente do superávit comercial parece uma perfeita escada. O primeiro degrau, em 2001, mostra um saldo de US$ 2,6 bilhões. Nos anos seguintes, há uma subida constante, para US$ 13 bilhões em 2002, US$ 24,7 bilhões em 2003 e US$ 33,7 bilhões em 2004.
Todos os dados indicam que o país está finalmente entrando pra valer no mercado global.
Já há quase 19 mil empresas exportadoras, das quais 9.400 pequenas e médias.
A participação das exportações no PIB, que era de 6,5% em 1998, subiu para 16,1% no ano passado.
A fatia brasileira do comércio mundial passou pela primeira vez em mais de uma década a barreira de 1%, que parecia intransponível -foi de 1,1% em 2004.
Cinco anos atrás, os juros que o país pagava para sustentar sua dívida externa comiam 34% das receitas de exportações. Hoje, comem apenas 16%.
São avanços notáveis, que ajudam a explicar a atual fase de crescimento da economia e do emprego. Só não os enxerga quem torce contra o país ou tem complexo de inferioridade.
A despeito da importância das exportações de commodities como soja e minério, o Brasil não está mais na lista dos infelizes exportadores de produtos básicos, que vivem à mercê de erráticas oscilações de cotações internacionais. No ano passado, quase 70% das vendas externas foram de manufaturados ou semimanufaturados. O item mais importante da pauta brasileira é material de transportes -leia-se veículos automotores e aviões-, que rendeu US$ 16 bilhões em 2004.
Por que estou a enumerar isso tudo? Primeiro porque não tenho vergonha de cantar as boas coisas do Brasil -muito pelo contrário, orgulho-me delas. Segundo porque persiste um perigoso desprezo pelo risco que a atual valorização do real representa para as exportações. Ignora-se o fato irrefutável de que os avanços no comércio exterior, citados acima, são basicamente decorrentes da política cambial correta adotada nos últimos anos.
Na semana passada, o dólar caiu para até R$ 2,56 e recuperou-se um pouco depois que a ata do Copom trouxe alguma esperança de interrupção do processo de alta dos juros. Um exercício curioso é tomar o valor do dólar no início do Plano Real, na base R$ 1 para US$ 1, e aplicar a correção da inflação desses dez anos, de 320% (IGP-DI). Resultado: um dólar de R$ 4,20. Mesmo descontando desse valor a inflação americana, da ordem de 27% no período, está óbvio que o câmbio continua muito aquém de um nível ideal para remunerar e estimular o movimento exportador de manufaturados.
Com o foco fechado numa meta de inflação ambiciosa, tenta-se usar novamente o câmbio como âncora para os preços. É uma ilusão olhar para os números das exportações no primeiro bimestre, que continuam bons, e concluir que o dólar a R$ 2,5 não prejudica as vendas de manufaturados. Alguns setores já sentem o baque, mas o efeito ruim do câmbio aparecerá a médio e longo prazo, quando forem renegociados os contratos de exportação. Além disso, a baixa remuneração desestimula a entrada de novas empresas no mercado externo.
Na semana passada, o economista Affonso Celso Pastore sugeriu taxar com IOF as entradas de capitais de curto prazo no país. Essa taxação seria uma forma de reduzir o fluxo de recursos que ingressam no mercado para degustar os altos juros internos e ajudam a derrubar a taxa do dólar.
A proposta de Pastore ganhou aplausos e sofreu críticas. De qualquer forma, quando um economista respeitado, a despeito de reafirmar sua crença nos instrumentos ortodoxos tradicionais de política monetária, chega a sugerir medidas heterodoxas como essa, é sinal de que tem boi na linha.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.
E-mail - bvictoria@psi.com.br


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