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São Paulo, quinta-feira, 01 de maio de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Vulnerabilidade e(x)terna?

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

"Que política monetária mais imbecil a sua!", escreveu John Maynard Keynes a Winston Churchill em maio de 1928. Churchill, um político que pouco entendia de economia e finanças, era então Chancellor of the Exchequer (ministro das Finanças). Influenciado por assessores ortodoxos do Tesouro e do Banco da Inglaterra, Churchill insistiu, durante anos, em uma política de sobrevalorização da libra esterlina -política que levou a economia britânica a experimentar taxas muito elevadas de desemprego mesmo antes do início da Grande Depressão da década de 30.
Esperemos que a política monetária e cambial do ministro Palocci não venha a merecer adjetivação tão pesada. Mas, com o dólar em queda livre, temos motivos de sobra para preocupação. Tanto mais que o presidente do Banco Central do Brasil afirmou, anteontem, em Washington, que ainda há "muito espaço" para o real se apreciar.
É uma ilusão imaginar que a rápida apreciação da moeda não vá ter efeitos negativos importantes sobre a nossa capacidade de exportar e substituir importações. Esses efeitos podem demorar algum tempo, mas aparecerão inevitavelmente.
Como é possível, volto a perguntar, que o Brasil incorra outra vez nesse tipo de erro? No passado recente, personagens locais bem menos ilustres e memoráveis do que Winston Churchill permitiram valorizações excessivas da moeda brasileira com consequências muito negativas para as contas externas, a autonomia nacional, o crescimento econômico e a geração de empregos. Será possível que a experiência, mesmo recente, mesmo arquiconhecida, não valha nada, absolutamente nada?!
Foi justamente no campo das contas externas que ocorreu a grande mudança positiva desde 2002. A velocidade do ajustamento do balanço de pagamentos vem superando todas as expectativas. A despeito de um ambiente mundial adverso, as exportações começaram a crescer de forma significativa. A substituição de importações avançou. O superávit comercial cresceu rapidamente. Nos 12 meses até março, o déficit em conta corrente (um indicador importante da dependência em relação a capitais estrangeiros) foi de apenas US$ 4,3 bilhões -o melhor resultado desde o início do Plano Real.
Isso não aconteceu por mérito do governo FHC ou do governo Lula, mas por força de um ajustamento meio caótico, produzido pela grande depreciação cambial. Em geral, a depreciação tem impacto poderoso sobre o balanço de pagamentos. Afeta positivamente não só a balança comercial mas também viagens internacionais, transportes, transferências unilaterais, entre diversas outras contas.
Esse grande ajustamento externo, embora ainda incompleto, tem um significado muito maior do que outros aspectos mais comentados da política econômica brasileira. Vale muito mais, por exemplo, do que o alardeado aumento da meta de superávit primário das contas públicas consolidadas, de 3,75% para 4,25% do PIB.
Também é mais importante para modificar o quadro macroeconômico do que as badaladas reformas previdenciária e tributária. Essas reformas são relevantes em mais de um sentido, mas terão impacto pequeno em termos de diminuição da vulnerabilidade externa da economia. O tempo mostrará que elas estão sendo superestimadas. Não serão suficientes para propiciar a retomada do crescimento econômico e a geração de empregos.
Mesmo com o avanço recente em termos de ajustamento do balanço de pagamentos, não se pode dizer que o problema da vulnerabilidade externa esteja resolvido. O desafio é gerar superávits comerciais elevados e manter o déficit em conta corrente em níveis reduzidos com a economia crescendo não 1% ou 1,5%, como atualmente, mas pelo menos 5% ao ano.
Com a revalorização exagerada do real, a possibilidade de vencer esse desafio ameaça desaparecer do nosso horizonte.
Anteontem, o presidente da República prometeu que, na negociação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) e em outros fóruns, o seu governo vai atuar "sem subserviência e com determinação".
Ora, um país que depende demais de capitais externos e se vê volta e meia compelido a recorrer ao FMI, fica em posição de inferioridade, com a sua capacidade de negociação comprometida. Se a área econômica do governo jogar pela janela o ajustamento externo, essa promessa do presidente valerá tanto quanto as "bravatas" que ele agora confessa que fazia quando liderava a oposição.


Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É ..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).

E-mail - pnbjr@attglobal.net



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