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OPINIÃO ECONÔMICA
Vulnerabilidade e(x)terna?
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
"Que política monetária
mais imbecil a sua!", escreveu John Maynard Keynes a
Winston Churchill em maio de
1928. Churchill, um político que
pouco entendia de economia e finanças, era então Chancellor of
the Exchequer (ministro das Finanças). Influenciado por assessores ortodoxos do Tesouro e do
Banco da Inglaterra, Churchill
insistiu, durante anos, em uma
política de sobrevalorização da libra esterlina -política que levou
a economia britânica a experimentar taxas muito elevadas de
desemprego mesmo antes do início da Grande Depressão da década de 30.
Esperemos que a política monetária e cambial do ministro Palocci não venha a merecer adjetivação tão pesada. Mas, com o dólar em queda livre, temos motivos
de sobra para preocupação. Tanto mais que o presidente do Banco
Central do Brasil afirmou, anteontem, em Washington, que
ainda há "muito espaço" para o
real se apreciar.
É uma ilusão imaginar que a
rápida apreciação da moeda não
vá ter efeitos negativos importantes sobre a nossa capacidade de
exportar e substituir importações.
Esses efeitos podem demorar algum tempo, mas aparecerão inevitavelmente.
Como é possível, volto a perguntar, que o Brasil incorra outra vez
nesse tipo de erro? No passado recente, personagens locais bem
menos ilustres e memoráveis do
que Winston Churchill permitiram valorizações excessivas da
moeda brasileira com consequências muito negativas para as contas externas, a autonomia nacional, o crescimento econômico e a
geração de empregos. Será possível que a experiência, mesmo recente, mesmo arquiconhecida,
não valha nada, absolutamente
nada?!
Foi justamente no campo das
contas externas que ocorreu a
grande mudança positiva desde
2002. A velocidade do ajustamento do balanço de pagamentos vem
superando todas as expectativas.
A despeito de um ambiente mundial adverso, as exportações começaram a crescer de forma significativa. A substituição de importações avançou. O superávit
comercial cresceu rapidamente.
Nos 12 meses até março, o déficit
em conta corrente (um indicador
importante da dependência em
relação a capitais estrangeiros)
foi de apenas US$ 4,3 bilhões -o
melhor resultado desde o início
do Plano Real.
Isso não aconteceu por mérito
do governo FHC ou do governo
Lula, mas por força de um ajustamento meio caótico, produzido
pela grande depreciação cambial.
Em geral, a depreciação tem impacto poderoso sobre o balanço
de pagamentos. Afeta positivamente não só a balança comercial
mas também viagens internacionais, transportes, transferências
unilaterais, entre diversas outras
contas.
Esse grande ajustamento externo, embora ainda incompleto,
tem um significado muito maior
do que outros aspectos mais comentados da política econômica
brasileira. Vale muito mais, por
exemplo, do que o alardeado aumento da meta de superávit primário das contas públicas consolidadas, de 3,75% para 4,25% do
PIB.
Também é mais importante para modificar o quadro macroeconômico do que as badaladas reformas previdenciária e tributária. Essas reformas são relevantes
em mais de um sentido, mas terão
impacto pequeno em termos de
diminuição da vulnerabilidade
externa da economia. O tempo
mostrará que elas estão sendo superestimadas. Não serão suficientes para propiciar a retomada do
crescimento econômico e a geração de empregos.
Mesmo com o avanço recente
em termos de ajustamento do balanço de pagamentos, não se pode
dizer que o problema da vulnerabilidade externa esteja resolvido.
O desafio é gerar superávits comerciais elevados e manter o déficit em conta corrente em níveis
reduzidos com a economia crescendo não 1% ou 1,5%, como
atualmente, mas pelo menos 5%
ao ano.
Com a revalorização exagerada
do real, a possibilidade de vencer
esse desafio ameaça desaparecer
do nosso horizonte.
Anteontem, o presidente da República prometeu que, na negociação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) e em outros
fóruns, o seu governo vai atuar
"sem subserviência e com determinação".
Ora, um país que depende demais de capitais externos e se vê
volta e meia compelido a recorrer
ao FMI, fica em posição de inferioridade, com a sua capacidade
de negociação comprometida. Se
a área econômica do governo jogar pela janela o ajustamento externo, essa promessa do presidente valerá tanto quanto as "bravatas" que ele agora confessa que fazia quando liderava a oposição.
Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É ..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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