São Paulo, sábado, 01 de junho de 2002

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LUÍS NASSIF

Crise de empresas de telecomunicações

A crise da telefonia brasileira é de empresas, não do modelo. Essa parece ser a conclusão maior, a partir dos debates que estão ocorrendo em Natal (RN), no 44º Painel Telebrasil.
Hoje em dia, já há distanciamento suficiente para um diagnóstico adequado da crise. Nos últimos anos ocorreram revoluções tecnológicas nas telecomunicações e no sub-ramo da internet. A antiga tecnologia criava barreiras de entrada a novas empresas do setor, já que dependia de investimentos pesados em áreas reguladas. Com as novas tecnologias e a desregulamentação do mercado norte-americano, abriu-se espaço para a conquista de novos mercados. Com a possibilidade de conquistar o mundo montado nas novas tecnologias, foram criadas novas empresas às pressas.
Sem histórico de desempenho, o mercado passou a precificar as empresas levando em conta seu faturamento, ao qual se somava um componente de crescimento. Os preços chegaram a múltiplos de 15 sobre o faturamento.
Mais que isso. A estratégia das empresas foi ocupar espaço, confiando em novas rodadas de capitalização para assegurar a consolidação do negócio. E o efeito manada foi tão expressivo que nem sequer as sacrossantas análises das agências de risco foram consideradas. Como relatou Regina Nunes, diretora-geral da Standard & Poor's brasileira, o mercado preferia uma empresa de telecomunicações com péssima avaliação a uma empresa convencional com média avaliação.
Com capital abundante, o mercado passou a acreditar que a oferta criaria automaticamente a demanda. Tal não se deu por dois fatores. Primeiro, a dispersão tecnológica, criando uma infinidade de padrões e de sistemas concorrentes entre si. Segundo, o fato de o mercado não se preocupar em criar necessidade nos clientes, aplicativos que agregassem valor e aumentassem a demanda.
Em cima disso tudo, um volume brutal de investimentos, alguns com recursos próprios, outros captados no mercado, criando estruturas de capital absolutamente frágeis. Especuladores acharam ser possível buscar dinheiro no mercado de um lado, aliar-se a uma operadora no outro, pagar o preço que se pedisse pelas licenças e conseguir criar valor sem colocar um tostão do próprio bolso. Segundo a Standard & Poor's, 50% dos lançamentos do período, na área de telecomunicações, resultaram em avaliações negativas. Em 1998, mais de US$ 7 bilhões foram emitidos por empresas sem classificação de risco.
Em 1990, 92% dos "ratings" das empresas de telecomunicações se encontravam nas categorias de "investment grade" (melhoria de avaliação). Em 2001, apenas 15% estavam nessa classificação e 20% em "default".
As avaliações da S&P sobre as empresas que se instalaram no país no período fala por si. A Brasil Telecom recebeu uma avaliação brD. D é uma avaliação sofrível. "Br" significa que, à avaliação, há que somar o risco Brasil. Pagou US$ 2,4 bilhões pelas licenças, gastou US$ 876,5 milhões de capex (despesas de capital) no período 1998/2001. Em dezembro de 2001, sua dívida estava em US$ 1,8 bilhão.
Não significa que o setor faliu nem que se reduziram as possibilidades de crescimento. Cada vez mais se utilizarão as telecomunicações e as novas ferramentas de internet. Além disso, há grande acervo de infra-estrutura implantada nesses anos de antecipação de metas de universalização. O desafio agora é rentabilizar. As empresas terão que montar novos produtos, nova engenharia de negócios, criar novos aplicativos, se associar a provedores de conteúdo e solução. As muito endividadas, mas que têm fluxo de caixa positivo, terão que realizar o prejuízo, ou dos investidores ou dos credores. As que não conseguiram entrar operacionalmente no azul serão vendidas ou fecharão.
Mas o jogo mal está começando.

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