São Paulo, segunda, 1 de junho de 1998

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LUÍS NASSIF
O ovo e a galinha

A discussão econômica no Brasil ainda não alcançou o grau de profundidade e democratização à altura de sua importância política. Conceitos econômicos são repetidos mecanicamente, sem maiores discussões sobre seu significado, e servem de base para a tomada de decisões que afetam a vida de milhões de pessoas.
Um deles é essa afirmação de que déficit fiscal se resolve na boca do caixa -isto é, o Tesouro cortando os pagamentos sem maior planejamento. Não existe maneira mais ineficaz de gerenciar um caixa. Cada desembolso que é interrompido resulta em paralisação de obras, interrupção de pagamentos, multas, juros pagos à rede privada etc. O resultado final para o país é um amplo desperdício, apenas para permitir um refresco contábil no momento em que o corte é perpetrado.
Outra afirmação que virou verdade corrente, sem que se questione a fundo seu significado, é que os juros só poderão baixar quando houver equilíbrio fiscal.
É um conceito que, embora manejado por poucos, afeta a vida do país inteiro, por servir de fundamentação para a manutenção do nível atual dos juros.
Essa afirmação parte do princípio econômico segundo o qual a diferença entre a poupança e o consumo internos tem de ser suprida pela atração de capitais externos.
O processo é o seguinte:
1) as despesas do governo e do país são maiores que as receitas;
2) para fechar o caixa, o Tesouro é obrigado a emitir papéis;
3) para colocar os papéis, é obrigado a aumentar os juros para atrair financiamentos externos, já que a poupança interna é insuficiente para financiar a dívida;
4) se reduz os juros, os capitais externos não entram e a conta não fecha. Portanto, primeiro se equilibram as contas fiscais para depois se baixar os juros;

Causa e efeito
A questão básica é a seguinte: os juros foram aumentados porque havia um déficit fiscal a ser financiado ou o déficit fiscal aumentou em razão da política de juros adotada?
Em 1995, quando os juros explodiram, não havia ainda nenhuma deterioração nas contas públicas. O Banco Central aumentou os juros para reduzir a atividade econômica em função de argumentos estritamente comerciais: reduzir o déficit na balança comercial.
Pode-se argumentar que o desequilíbrio surgiu devido ao excesso de consumo interno. Portanto se sustenta o princípio segundo o qual se o país consome além de suas possibilidades, é obrigado a compensar a diferença com poupança externa, aumentando sua dívida.
Mas em 1994 e 1995, o que motivou o aquecimento da economia foram uma valorização cambial de 15% e um amplo estímulo às importações que, junto com a estabilidade do real, acabaram produzindo uma euforia consumista que arrebentou com as contas externas.

Quadro óbvio
Hoje o quadro é óbvio. Os dois principais fatores de desequilíbrio fiscal são a conta de juros e a Previdência Social.
1) a conta de juros é resultado dos altos juros incidindo sobre a dívida pública;
2) a crise da Previdência é resultado dos altos juros incidindo sobre a atividade privada, produzindo inadimplência, sonegação e desemprego.
A relação de causa e efeito é inversa. Foi a crise externa quem levou à crise fiscal, por ter induzido a uma política monetária absurdamente virulenta.
Hoje, há três componentes na elevação das taxas de juros diretamente relacionados com o desequilíbrio externo (não com a situação fiscal):
1) política de minidesvalorizações cambiais. A necessidade de desvalorizar o câmbio, para corrigir os desajustes externos, é embutida nas taxas de juros oferecidas aos investidores internacionais. Culpado: desajuste externo, desequilibrando a balança comercial;
2) necessidade de atrair um volume enorme de recursos externos, para fechar as contas externas do ano. Culpado: desajuste externo, desequilibrando o balanço em transações correntes;
3) aumento da percepção do risco Brasil, em função dos desequilíbrios fiscais. Causa dos desequilíbrios fiscais: explosão das taxas de juros, motivada pelos desajustes externos.
Se o raciocínio está correto, a saída para equilibrar as contas externa e fiscal não passa por essa política monetária arrasadora, mas por reajustes no câmbio -na hora apropriada- que rompam o nó górdio que amarra o crescimento e impede a queda dos juros.


E-mail: lnassif@uol.com.br



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