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LUÍS NASSIF
O ovo e a galinha
A discussão econômica no
Brasil ainda não alcançou o
grau de profundidade e democratização à altura de sua importância política. Conceitos
econômicos são repetidos mecanicamente, sem maiores discussões sobre seu significado, e
servem de base para a tomada
de decisões que afetam a vida
de milhões de pessoas.
Um deles é essa afirmação de
que déficit fiscal se resolve na
boca do caixa -isto é, o Tesouro cortando os pagamentos
sem maior planejamento. Não
existe maneira mais ineficaz de
gerenciar um caixa. Cada desembolso que é interrompido
resulta em paralisação de
obras, interrupção de pagamentos, multas, juros pagos à
rede privada etc. O resultado
final para o país é um amplo
desperdício, apenas para permitir um refresco contábil no
momento em que o corte é perpetrado.
Outra afirmação que virou
verdade corrente, sem que se
questione a fundo seu significado, é que os juros só poderão
baixar quando houver equilíbrio fiscal.
É um conceito que, embora
manejado por poucos, afeta a
vida do país inteiro, por servir
de fundamentação para a manutenção do nível atual dos juros.
Essa afirmação parte do princípio econômico segundo o
qual a diferença entre a poupança e o consumo internos
tem de ser suprida pela atração
de capitais externos.
O processo é o seguinte:
1) as despesas do governo e do
país são maiores que as receitas;
2) para fechar o caixa, o Tesouro é obrigado a emitir papéis;
3) para colocar os papéis, é
obrigado a aumentar os juros
para atrair financiamentos externos, já que a poupança interna é insuficiente para financiar a dívida;
4) se reduz os juros, os capitais externos não entram e a
conta não fecha. Portanto, primeiro se equilibram as contas
fiscais para depois se baixar os
juros;
Causa e efeito
A questão básica é a seguinte: os juros foram aumentados
porque havia um déficit fiscal
a ser financiado ou o déficit
fiscal aumentou em razão da
política de juros adotada?
Em 1995, quando os juros explodiram, não havia ainda nenhuma deterioração nas contas públicas. O Banco Central
aumentou os juros para reduzir a atividade econômica em
função de argumentos estritamente comerciais: reduzir o
déficit na balança comercial.
Pode-se argumentar que o
desequilíbrio surgiu devido ao
excesso de consumo interno.
Portanto se sustenta o princípio segundo o qual se o país
consome além de suas possibilidades, é obrigado a compensar a diferença com poupança
externa, aumentando sua dívida.
Mas em 1994 e 1995, o que
motivou o aquecimento da
economia foram uma valorização cambial de 15% e um amplo estímulo às importações
que, junto com a estabilidade
do real, acabaram produzindo
uma euforia consumista que
arrebentou com as contas externas.
Quadro óbvio
Hoje o quadro é óbvio. Os
dois principais fatores de desequilíbrio fiscal são a conta de
juros e a Previdência Social.
1) a conta de juros é resultado dos altos juros incidindo sobre a dívida pública;
2) a crise da Previdência é
resultado dos altos juros incidindo sobre a atividade privada, produzindo inadimplência,
sonegação e desemprego.
A relação de causa e efeito é
inversa. Foi a crise externa
quem levou à crise fiscal, por
ter induzido a uma política
monetária absurdamente virulenta.
Hoje, há três componentes na
elevação das taxas de juros diretamente relacionados com o
desequilíbrio externo (não com
a situação fiscal):
1) política de minidesvalorizações cambiais. A necessidade
de desvalorizar o câmbio, para
corrigir os desajustes externos,
é embutida nas taxas de juros
oferecidas aos investidores internacionais. Culpado: desajuste externo, desequilibrando
a balança comercial;
2) necessidade de atrair um
volume enorme de recursos externos, para fechar as contas
externas do ano. Culpado: desajuste externo, desequilibrando o balanço em transações
correntes;
3) aumento da percepção do
risco Brasil, em função dos desequilíbrios fiscais. Causa dos
desequilíbrios fiscais: explosão
das taxas de juros, motivada
pelos desajustes externos.
Se o raciocínio está correto, a
saída para equilibrar as contas
externa e fiscal não passa por
essa política monetária arrasadora, mas por reajustes no
câmbio -na hora apropriada- que rompam o nó górdio
que amarra o crescimento e
impede a queda dos juros.
E-mail: lnassif@uol.com.br
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