São Paulo, domingo, 01 de julho de 2001

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SALTO NO ESCURO
Distribuidoras devem receber pelo que não forneceram a preço de mercado atacadista, dez vezes maior
Racionamento pode virar grande negócio

RICARDO GRINBAUM
DAVID FRIEDLANDER

DA REPORTAGEM LOCAL
Se tudo der certo, o racionamento pode virar um excelente negócio para as distribuidoras de energia. Elas poderão ganhar mais dinheiro sem vender eletricidade do que com o fornecimento normal de luz.
A mágica se chama anexo 5, item da legislação dos contratos entre empresas de geração e de distribuição de energia que coloca em jogo mais de R$ 5 bilhões, de acordo com o governo.
Por causa do anexo 5, as companhias energéticas estão na cola de ministros, mobilizaram políticos e contrataram os advogados mais caros do país. As multinacionais, a começar pelas americanas, acionaram seus embaixadores no Brasil.
Ao pé da letra, o anexo 5 diz que as geradoras devem pagar às distribuidoras por parte da energia que deixarão de entregar em razão do racionamento. O problema é que a base de cálculo da fatura é a cotação da eletricidade no mercado atacadista, cujos preços explodiram com a crise.
A cotação está em R$ 684,00 por MWh, mais de dez vezes o preço médio da energia. Ou seja, a indenização pela energia que deixará de ser vendida seria calculada com uma cotação muito mais generosa do que os R$ 60,00 por MWh que a distribuidora receberia numa situação normal.
A Folha pediu a um especialista da área que aplicasse os valores acima para saber o que aconteceria com uma distribuidora do porte da Eletropaulo. Neste exercício, a empresa perderia R$ 700 milhões com o racionamento de 20% da energia durante sete meses. Se o anexo 5 fosse aplicado, a mesma empresa teria uma receita de R$ 906 milhões: lucro de R$ 206 milhões sem vender energia.
"As distribuidoras podem ter prejuízo, empatar ou ter lucros dependendo da aplicação do anexo 5 e do efeito do racionamento em cada empresa", diz Luiz Carlos Guimarães, diretor-executivo da Abradee, a associação das distribuidoras de energia.
Um documento interno da Abradee afirma que, aplicado ao preço de R$ 460,00 por MWh, a indenização do anexo 5 compensaria as perdas com o racionamento. Se fosse hoje, a cotação usada na conta seria R$ 684,00.
As geradoras de energia, que serão obrigadas a pagar a conta, questionam a validade do anexo 5. Segundo as empresas, os contratos prevêem que o anexo não seja aplicado em momentos de crise extrema, como agora. "A legislação tem termos contraditórios", diz Marcos Severini, analista de energia da Sudameris Corretora. "Podem ocorrer intermináveis brigas jurídicas em torno do cumprimento do anexo."
Oficialmente, Brasília diz que vai seguir o que está em contrato. "A respeito do anexo 5, o governo honrará contratos. Não pode haver governo sério que não honra contratos", disse o presidente Fernando Henrique Cardoso na quinta-feira, durante discurso de inauguração de uma usina termelétrica em Campo Grande (MS).
Como não se sabe em que termos o governo vai cumprir o anexo 5, a disputa é intensa. Os interesses das geradoras e do governo se misturam porque a maior parte dessas companhias é controlada pela União. Do outro lado, as distribuidoras mobilizaram todos os recursos ao seu alcance para fazer pressão.
Nos últimos dias, executivos das maiores distribuidoras do país fizeram peregrinação por gabinetes de Brasília, incluindo o do "ministro do apagão", Pedro Parente, e o ministro de Minas e Energia, José Jorge. As multinacionais transformaram a disputa numa questão diplomática.
A EDF, dona da Light, acionou a Embaixada da França, que mandou o seu recado para a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica: a quebra de contratos pode prejudicar novos investimentos. Cristobal Valdes, encarregado de negócios da Embaixada da Espanha, tem audiência com Parente no início da semana, em nome da Iberdrola e da Endesa.
Entre os americanos, deu confusão. Semanas atrás, o encarregado de negócios dos EUA Cristobal Orozco levantou a bandeira das distribuidoras AES (Eletropaulo) e Enron (Elektro), que querem o cumprimento do anexo 5. Acabou voltando atrás, depois que a El Paso e a Duke, duas geradoras americanas no Brasil, reclamaram que seriam prejudicadas.



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