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SALTO NO ESCURO
Distribuidoras devem receber pelo que não forneceram a preço de mercado atacadista, dez vezes maior
Racionamento pode virar grande negócio
RICARDO GRINBAUM
DAVID FRIEDLANDER
DA REPORTAGEM LOCAL
Se tudo der certo, o racionamento pode virar um excelente
negócio para as distribuidoras de
energia. Elas poderão ganhar
mais dinheiro sem vender eletricidade do que com o fornecimento normal de luz.
A mágica se chama anexo 5,
item da legislação dos contratos
entre empresas de geração e de
distribuição de energia que coloca
em jogo mais de R$ 5 bilhões, de
acordo com o governo.
Por causa do anexo 5, as companhias energéticas estão na cola de
ministros, mobilizaram políticos
e contrataram os advogados mais
caros do país. As multinacionais,
a começar pelas americanas, acionaram seus embaixadores no
Brasil.
Ao pé da letra, o anexo 5 diz que
as geradoras devem pagar às distribuidoras por parte da energia
que deixarão de entregar em razão do racionamento. O problema é que a base de cálculo da fatura é a cotação da eletricidade no
mercado atacadista, cujos preços
explodiram com a crise.
A cotação está em R$ 684,00 por
MWh, mais de dez vezes o preço
médio da energia. Ou seja, a indenização pela energia que deixará
de ser vendida seria calculada
com uma cotação muito mais generosa do que os R$ 60,00 por
MWh que a distribuidora receberia numa situação normal.
A Folha pediu a um especialista
da área que aplicasse os valores
acima para saber o que aconteceria com uma distribuidora do
porte da Eletropaulo. Neste exercício, a empresa perderia R$ 700
milhões com o racionamento de
20% da energia durante sete meses. Se o anexo 5 fosse aplicado, a
mesma empresa teria uma receita
de R$ 906 milhões: lucro de R$
206 milhões sem vender energia.
"As distribuidoras podem ter
prejuízo, empatar ou ter lucros
dependendo da aplicação do anexo 5 e do efeito do racionamento
em cada empresa", diz Luiz Carlos Guimarães, diretor-executivo
da Abradee, a associação das distribuidoras de energia.
Um documento interno da
Abradee afirma que, aplicado ao
preço de R$ 460,00 por MWh, a
indenização do anexo 5 compensaria as perdas com o racionamento. Se fosse hoje, a cotação
usada na conta seria R$ 684,00.
As geradoras de energia, que serão obrigadas a pagar a conta,
questionam a validade do anexo
5. Segundo as empresas, os contratos prevêem que o anexo não
seja aplicado em momentos de
crise extrema, como agora. "A legislação tem termos contraditórios", diz Marcos Severini, analista de energia da Sudameris Corretora. "Podem ocorrer intermináveis brigas jurídicas em torno do
cumprimento do anexo."
Oficialmente, Brasília diz que
vai seguir o que está em contrato.
"A respeito do anexo 5, o governo
honrará contratos. Não pode haver governo sério que não honra
contratos", disse o presidente Fernando Henrique Cardoso na
quinta-feira, durante discurso de
inauguração de uma usina termelétrica em Campo Grande (MS).
Como não se sabe em que termos o governo vai cumprir o anexo 5, a disputa é intensa. Os interesses das geradoras e do governo
se misturam porque a maior parte
dessas companhias é controlada
pela União. Do outro lado, as distribuidoras mobilizaram todos os
recursos ao seu alcance para fazer
pressão.
Nos últimos dias, executivos das
maiores distribuidoras do país fizeram peregrinação por gabinetes
de Brasília, incluindo o do "ministro do apagão", Pedro Parente, e o
ministro de Minas e Energia, José
Jorge. As multinacionais transformaram a disputa numa questão
diplomática.
A EDF, dona da Light, acionou a
Embaixada da França, que mandou o seu recado para a Câmara
de Gestão da Crise de Energia Elétrica: a quebra de contratos pode
prejudicar novos investimentos.
Cristobal Valdes, encarregado de
negócios da Embaixada da Espanha, tem audiência com Parente
no início da semana, em nome da
Iberdrola e da Endesa.
Entre os americanos, deu confusão. Semanas atrás, o encarregado de negócios dos EUA Cristobal Orozco levantou a bandeira
das distribuidoras AES (Eletropaulo) e Enron (Elektro), que
querem o cumprimento do anexo
5. Acabou voltando atrás, depois
que a El Paso e a Duke, duas geradoras americanas no Brasil, reclamaram que seriam prejudicadas.
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