São Paulo, domingo, 01 de julho de 2001

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RESENHA
Sem maniqueísmo

ODAIR ABATE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Como a ciência econômica não dispõe de um laboratório para testar as teses dos economistas, cabe à realidade o papel fundamental de ajudar a comprovar a viabilidade dessas teses ao longo do tempo. A experiência brasileira na década de 90, nesse sentido, é bem ilustrativa e serve como um belo campo de observação, pois tivemos a oportunidade e, por vezes, a infelicidade de conviver com hiperinflação e baixo crescimento econômico; maior estabilidade e expansão acelerada da economia; constantes incertezas políticas, especialmente nos momentos que antecederam as eleições presidenciais; e, para não citar apenas os eventos exclusivamente nossos, pudemos presenciar os "ataques especulativos" às moedas de vários países emergentes antes de nos atingir.
Foram muitos os eventos, portanto, que ajudaram a elevar ou a reduzir as incertezas entre os agentes econômicos. Um campo fértil para a especulação. Se a direção dos fatos sugeria o início de períodos mais favoráveis, o humor evidentemente melhorava e, de maneira geral, se questionavam menos os eventuais desajustes estruturais. Quando o movimento era inverso, porém, no qual predominavam as perspectivas negativas no tocante à viabilidade de uma expansão sustentada da atividade, logo surgiam vozes que buscavam os principais culpados para os tempos difíceis que se avizinhavam.
Caso perguntássemos se os especuladores do mercado financeiro, por exemplo, merecem ser castigados por ter uma grande parcela de responsabilidade nas dificuldades que, por vezes, atingem a economia do país, o leitor certamente ficaria tentado a responder rapidamente: sim! Mas essa pode ser uma resposta limitadora a uma análise mais ampla da questão. Algo tão fácil quanto dizer que a alta inflação que prevaleceu durante longo tempo no país era culpa dos atravessadores (lembram-se?). Sim, porque os especuladores, apesar de todos os aspectos questionáveis que envolvem sua "atividade", têm uma significativa importância para a economia. O leitor tem uma grande oportunidade de fazer tal constatação no livro "A Especulação Financeira", do jornalista Gustavo Patú, editado pela Publifolha.
Com alta capacidade de síntese e em linguagem muito agradável, que mostra como os temas econômicos e financeiros podem ser acessíveis e de leitura prazerosa quando superadas as barreiras do economês, o autor prende a atenção, sem perder de vista a explicitação de conceitos importantes referentes ao tema, embasados em princípios de economistas influentes como Keynes e Tobin.
Entre todos os aspectos positivos do livro, porém, o que merece maior destaque é o fato de o texto apresentar uma visão aberta, expondo o que há de potencialmente positivo e de ruim na especulação financeira, cabendo ao leitor fazer seu julgamento. Foge-se da alternativa fácil e maniqueísta de classificar a especulação como algo negativo, ainda que não se deixe de mencionar seus aspectos mais inquietantes. Se, por um lado, os especuladores viabilizam projetos de investimento que sem eles dificilmente ocorreriam, dispondo de recursos e aceitando correr riscos na expectativa de um retorno compensador, por outro podem ser altamente questionáveis ao demandar, por exemplo, que países implementem rápidos e profundos ajustes econômicos, socialmente dolorosos, ao menos no curto prazo.
O que fazer para preservar os aspectos positivos da especulação e limitar seus impactos perversos? O livro apresenta as alternativas discutidas nos últimos tempos, mostrando o quão difícil é atingir esse objetivo. Acreditamos que no caso brasileiro um bom início seria continuar buscando a melhoria nos fundamentos econômicos, assim como seguir aperfeiçoando a supervisão e as regras de atuação dos agentes econômicos no mercado financeiro. A especulação financeira não deixará de existir, mas certamente o texto de Gustavo Patú lhe dará bons argumentos para fazer sua opção.


Odair Abate é economista-chefe do Lloyds TSB


Livro: "A Especulação Financeira"
Autor: Gustavo Patú
Editora: Publifolha (96 páginas)
Formato: 11 cm X 18 cm, brochura
Preço: R$ 9,90




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