São Paulo, domingo, 01 de julho de 2001

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Privatização emagrece Estado, mas a corrupção bate recordes

DO ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES

Fracasso ou não, o modelo dito neoliberal apresenta outras sérias rachaduras na Argentina, além de não ter sido capaz de enfrentar os problemas sociais. A corrupção, como diz Robert Kaufman (Columbia), é uma delas.
Assíduo frequentador dos encontros anuais do Fórum Econômico Mundial que se realizam todo final de janeiro em Davos (Suíça), o então presidente Carlos Menem sempre dizia que a privatização e a redução do papel do Estado teriam como contrapartida a redução ou até a eliminação da corrupção. É uma tese caríssima aos corações liberais, mas que, ao menos na Argentina, não coincidiu com a realidade.
Nunca antes, na história argentina, tantos altos funcionários enfrentaram problemas com a Justiça. Levantamento do jornal "La Nación" mostra que há 36 funcionários nessa situação.
Um já foi condenado, 21 estão sendo processados e certamente irão a juízo. Três já estiveram presos e, agora, há quatro detidos, entre eles o próprio Menem, acusado, entre outras coisas, de formação de quadrilha para desviar armas para países em guerra.
Exemplo emblemático de problemas nas privatizações é o caso da Aerolíneas Argentinas. Na verdade, é um paradoxo: em vez de privatizá-la, o governo Menem vendeu-a para uma estatal de outro país (a Ibéria, da Espanha). O resultado foi desastroso: dos 71% do mercado que detinha em 1997, a empresa ficou com apenas 16%, e acabou pedindo concordata.
Em outros serviços, há um reconhecimento virtualmente unânime de que melhorou a oferta, mas nem por isso as queixas são poucas. A principal se dirige aos organismos públicos de regulação.
"Nós cumprimos, desgraçadamente, o papel de Estado. Na Argentina, mais que entidades de controle, temos entidades de descontrole", diz Sandra González, da Adecua (Associação de Consumidores e Usuários Argentinos).
Há queixas sobre aumentos abusivos. Os bilhetes de metrô e de trens, entre 1992 (ano da privatização) e 2000, tiveram aumentos de, respectivamente, 50% e 29%. Os preços ao consumidor subiram apenas 10,3% no período.
Há caso mais grave: a rede ferroviária passou, em uma década de privatização, de 35.746 km para 8.339 km. As tarifas, medidas em dólares, duplicaram.
Os trabalhadores empregados diminuíram de 98 mil para 17 mil. E as subvenções estatais não só continuam como aumentaram de US$ 222 milhões para US$ 640 milhões, em 1998.
Tudo somado, parece razoável concluir, como o faz a analista Graciela Römer: "As críticas à privatização não significam o desejo de voltar ao Estado-produtor, mas a um Estado que regule e intervenha em prol do bem comum e não de setores privilegiados. A opinião pública descobriu que o setor privado é melhor para produzir, mas é muito ruim para distribuir". (CR)



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