|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
VIZINHO EM CRISE
Especialistas do país dizem que medida é impopular; para os de fora, fim da conversibilidade "já começou"
Peso desvalorizado é tabu só na Argentina
DO ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES
A Argentina pode desvalorizar
o peso, atado ao dólar há dez anos
e, agora, também ao euro? É curioso, mas só fora da Argentina é
possível ouvir "sim" como resposta a essa pergunta.
No país prevalece o sentimento
assim descrito pela consultora
Graciela Römer: "Os efeitos da hiperinflação dos anos 80 foram tão
absolutamente dramáticos que
ainda estão na memória coletiva.
A Alemanha precisou de 50 anos
para superar o trauma. Aqui, ainda não se passaram nem 20 anos".
Desvalorização e hiperinflação
são sinônimos, na memória coletiva dos argentinos. Por isso, diz
Graciela, "ainda que seja necessário economicamente, é muito difícil politicamente". Confirma o
deputado peronista Jorge Remes
Lenicov: "Desvalorizar ainda é
absolutamente impopular".
Para Rodolfo Corvi, diretor-executivo do banco Itaú na Argentina, não é apenas uma questão política ou psicossocial. "A
desvalorização custaria muitíssimo à Argentina", diz Corvi, que
calcula que o salário real teria
queda de 15% a 20%.
Mas, fora da Argentina, há até
quem diga que "a desvalorização
já começou" -caso do historiador britânico Kenneth Maxwell,
um dos maiores especialistas em
América Latina, pesquisador do
Council on Foreign Affairs.
É uma óbvia alusão ao novo dólar comercial recentemente introduzido pelo ministro da Economia, Domingo Cavallo.
"O ministro Cavallo apenas torce para que os mercados pensem
de maneira diferente e não retirem capital ou especulem contra a
moeda argentina", diz Maxwell.
Um pouco na mesma direção
vai Francisco Panizza, da London
School of Economics, que até recorre à sabedoria política mineira
para responder: "O que importa
não é o fato, mas a versão. Neste
caso, o que importa é a percepção
de que não se tratará do primeiro
passo para uma desvalorização
descontrolada, como ocorreu no
Brasil em 1999".
Robert Kaufman (Universidade
de Columbia) é outro que diz que,
"cedo ou tarde", a Argentina terá
que sair da rigidez da conversibilidade. Mas diz ter "fortes dúvidas"
de que o momento seja este, "no
meio de uma crise financeira tão
grande".
Reforça Janina Onuki (USP): "É
a única alternativa da Argentina
neste momento, porque a paridade serviu apenas para solucionar
o problema da inflação, mas agora não resolve o problema da necessidade de crescimento da economia, de aumento das exportações e da atração de investimentos estrangeiros".
Se, como muitos temem, a desvalorização escapar do controle,
Maxwell traça um teorema que é
um sinal de alerta para o Brasil.
Primeiro, diz que o contágio de
uma desvalorização ensandecida
na Argentina será "provavelmente menor" (do que a do real), confinado aos vizinhos do Mercosul.
"Se for de fato assim, e a crise
não for entendida como capaz de
pôr em risco o sistema financeiro
global, é duvidoso que haja socorro externo desta vez, especialmente com o Tesouro norte-americano comandado por um homem que não gosta da idéia de socorros em nenhum caso."
Seja como for, o cientista político Atilio Boron (Clacso) põe uma
bela pimenta política no caso. Primeiro, pergunta: "Cavallo quer
ser presidente?". E responde: "Se
quiser, terá que fazer coisa muito
diferente do que está fazendo".
Ou seja, deixa no ar a hipótese
de que o próprio feiticeiro da conversibilidade desfaça a mágica,
agora inútil e até contraproducente, não por um cálculo econômico, mas pensando na Casa Rosada, a sede do governo.
(CR)
Texto Anterior: Especialistas apontam neoliberalismo de Menem como origem do problema Próximo Texto: Privatização emagrece Estado, mas a corrupção bate recordes Índice
|