São Paulo, domingo, 01 de julho de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VIZINHO EM CRISE
Especialistas do país dizem que medida é impopular; para os de fora, fim da conversibilidade "já começou"
Peso desvalorizado é tabu só na Argentina

DO ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES

A Argentina pode desvalorizar o peso, atado ao dólar há dez anos e, agora, também ao euro? É curioso, mas só fora da Argentina é possível ouvir "sim" como resposta a essa pergunta.
No país prevalece o sentimento assim descrito pela consultora Graciela Römer: "Os efeitos da hiperinflação dos anos 80 foram tão absolutamente dramáticos que ainda estão na memória coletiva. A Alemanha precisou de 50 anos para superar o trauma. Aqui, ainda não se passaram nem 20 anos".
Desvalorização e hiperinflação são sinônimos, na memória coletiva dos argentinos. Por isso, diz Graciela, "ainda que seja necessário economicamente, é muito difícil politicamente". Confirma o deputado peronista Jorge Remes Lenicov: "Desvalorizar ainda é absolutamente impopular".
Para Rodolfo Corvi, diretor-executivo do banco Itaú na Argentina, não é apenas uma questão política ou psicossocial. "A desvalorização custaria muitíssimo à Argentina", diz Corvi, que calcula que o salário real teria queda de 15% a 20%.
Mas, fora da Argentina, há até quem diga que "a desvalorização já começou" -caso do historiador britânico Kenneth Maxwell, um dos maiores especialistas em América Latina, pesquisador do Council on Foreign Affairs.
É uma óbvia alusão ao novo dólar comercial recentemente introduzido pelo ministro da Economia, Domingo Cavallo.
"O ministro Cavallo apenas torce para que os mercados pensem de maneira diferente e não retirem capital ou especulem contra a moeda argentina", diz Maxwell.
Um pouco na mesma direção vai Francisco Panizza, da London School of Economics, que até recorre à sabedoria política mineira para responder: "O que importa não é o fato, mas a versão. Neste caso, o que importa é a percepção de que não se tratará do primeiro passo para uma desvalorização descontrolada, como ocorreu no Brasil em 1999".
Robert Kaufman (Universidade de Columbia) é outro que diz que, "cedo ou tarde", a Argentina terá que sair da rigidez da conversibilidade. Mas diz ter "fortes dúvidas" de que o momento seja este, "no meio de uma crise financeira tão grande".
Reforça Janina Onuki (USP): "É a única alternativa da Argentina neste momento, porque a paridade serviu apenas para solucionar o problema da inflação, mas agora não resolve o problema da necessidade de crescimento da economia, de aumento das exportações e da atração de investimentos estrangeiros".
Se, como muitos temem, a desvalorização escapar do controle, Maxwell traça um teorema que é um sinal de alerta para o Brasil. Primeiro, diz que o contágio de uma desvalorização ensandecida na Argentina será "provavelmente menor" (do que a do real), confinado aos vizinhos do Mercosul.
"Se for de fato assim, e a crise não for entendida como capaz de pôr em risco o sistema financeiro global, é duvidoso que haja socorro externo desta vez, especialmente com o Tesouro norte-americano comandado por um homem que não gosta da idéia de socorros em nenhum caso."
Seja como for, o cientista político Atilio Boron (Clacso) põe uma bela pimenta política no caso. Primeiro, pergunta: "Cavallo quer ser presidente?". E responde: "Se quiser, terá que fazer coisa muito diferente do que está fazendo".
Ou seja, deixa no ar a hipótese de que o próprio feiticeiro da conversibilidade desfaça a mágica, agora inútil e até contraproducente, não por um cálculo econômico, mas pensando na Casa Rosada, a sede do governo. (CR)



Texto Anterior: Especialistas apontam neoliberalismo de Menem como origem do problema
Próximo Texto: Privatização emagrece Estado, mas a corrupção bate recordes
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.