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OPINIÃO ECONÔMICA
Palco da crise
BENJAMIN STEINBRUCH
O genial brasileiro Joaquim
Maria Machado de Assis escreveu quase 200 contos. Um dos
mais singelos de sua lavra, "A
Chinela Turca", de 1875, termina
assim: "O maior drama está no
espectador, e não no palco".
Essa frase veio-me à mente ao
observar as cenas dramáticas vividas pelos brasileiros na semana
passada, quando mais de 50 mil
cariocas se enfileiraram no Sambódromo do Rio em busca de um
emprego de gari.
Nem todos os que ali estiveram
eram desempregados. Um recepcionista de 26 anos entrou na fila
porque o salário de lixeiro, de R$
610 mensais, representaria para
ele um aumento de quase 100%.
Mas o drama do desemprego, que
atinge meio milhão de cariocas,
estava estampado naquela fila
imensa, que provocou tumulto e
obrigou a polícia a lançar bombas de efeito moral para controlar
a confusão.
A frase de Machado de Assis fazia sentido naquele contesto porque nós, espectadores da cena, vivemos um drama quase tão intenso quanto o dos desempregados. Em momentos como esse, até
os mais críticos se sentem na obrigação de propor soluções para
que a economia volte a crescer e a
absorver mão-de-obra.
Soluções não cairão do céu.
Nem virão só de ações do governo. Cabe a todos os brasileiros
buscar fórmulas de inverter as expectativas negativas. Vale lembrar, então, que em meio ao drama vivido por 2,7 milhões de desempregados (só nas seis maiores
metrópoles do país) começam a
aparecer sinais de esperança.
O Banco Central cedeu às pressões e reduziu a taxa básica de juros em meio ponto percentual. Isso não muda nada, mas indica
uma nova tendência. O Conselho
Monetário Nacional alterou a
meta de inflação para dar mais
folga à política monetária, permitir redução mais rápida dos juros
e, com isso, viabilizar um crescimento de 3,5% da economia em
2004.
Uma medida provisória obrigou os bancos a destinar parte dos
seus financiamentos a pequenos
tomadores. Trata-se do microcrédito, que deverá colocar R$ 20 bilhões em circulação em cinco
anos, mas que não pode substituir
as ações para alargar o "macrocrédito", este sim um estimulador
da economia.
A inflação no varejo, que ameaçou voltar no início do ano, já recuou de forma até surpreendente
e poderá ser zero neste mês. Ontem, o governo anunciou programa para estimular o primeiro
emprego.
Do exterior vêm bons sinais. Os
efeitos do 11 de Setembro estão
sendo superados, os preços do petróleo mantêm-se em torno de
US$ 30 e a Guerra do Iraque acabou. Na semana passada, o banco
central americano reduziu os juros de 1,25% para 1%. Um grupo
de 30 economistas ouvidos pela
"BusinessWeek" considerou que,
se não houver novos choques, pode-se esperar um forte crescimento da economia americana em
2004, de até 4%. A indústria da
tecnologia da informação, que viveu dois anos de recessão dramática, está em recuperação.
As exportações brasileiras, a
despeito da queda do dólar, continuam firmes e o saldo comercial
do primeiro semestre deve alcançar US$ 10 bilhões. A credibilidade brasileira no exterior mantém-se em alta. O FMI já avisou que,
se o Brasil desejar, aprova sem
problemas a renovação do atual
acordo, que vence em agosto.
Há muito ainda a fazer: aprovação das reformas, programas
emergenciais de emprego, política
industrial para estimular os setores competitivos, saneamento de
grandes empresas em dificuldades, investimentos em infra-estrutura etc.
Nem sempre, porém, é bom negócio esperar a confirmação dos
sinais positivos para iniciar investimentos. Empresas que hesitam
correm o risco de chegar atrasadas.
É enorme o sofrimento de milhões de brasileiros, vítimas de
uma política que privilegiou a estabilidade monetária e desdenhou o desenvolvimento econômico. Os desempregados estão no
palco da crise e vivem seus dramas. Porém os espectadores, que
também participam do drama,
não têm o direito de cultivar conservadorismo, derrotismo, apatia
e desesperança.
Benjamin Steinbruch, 49, empresário,
é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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