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São Paulo, terça-feira, 01 de julho de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Palco da crise

BENJAMIN STEINBRUCH

O genial brasileiro Joaquim Maria Machado de Assis escreveu quase 200 contos. Um dos mais singelos de sua lavra, "A Chinela Turca", de 1875, termina assim: "O maior drama está no espectador, e não no palco".
Essa frase veio-me à mente ao observar as cenas dramáticas vividas pelos brasileiros na semana passada, quando mais de 50 mil cariocas se enfileiraram no Sambódromo do Rio em busca de um emprego de gari.
Nem todos os que ali estiveram eram desempregados. Um recepcionista de 26 anos entrou na fila porque o salário de lixeiro, de R$ 610 mensais, representaria para ele um aumento de quase 100%. Mas o drama do desemprego, que atinge meio milhão de cariocas, estava estampado naquela fila imensa, que provocou tumulto e obrigou a polícia a lançar bombas de efeito moral para controlar a confusão.
A frase de Machado de Assis fazia sentido naquele contesto porque nós, espectadores da cena, vivemos um drama quase tão intenso quanto o dos desempregados. Em momentos como esse, até os mais críticos se sentem na obrigação de propor soluções para que a economia volte a crescer e a absorver mão-de-obra.
Soluções não cairão do céu. Nem virão só de ações do governo. Cabe a todos os brasileiros buscar fórmulas de inverter as expectativas negativas. Vale lembrar, então, que em meio ao drama vivido por 2,7 milhões de desempregados (só nas seis maiores metrópoles do país) começam a aparecer sinais de esperança.
O Banco Central cedeu às pressões e reduziu a taxa básica de juros em meio ponto percentual. Isso não muda nada, mas indica uma nova tendência. O Conselho Monetário Nacional alterou a meta de inflação para dar mais folga à política monetária, permitir redução mais rápida dos juros e, com isso, viabilizar um crescimento de 3,5% da economia em 2004.
Uma medida provisória obrigou os bancos a destinar parte dos seus financiamentos a pequenos tomadores. Trata-se do microcrédito, que deverá colocar R$ 20 bilhões em circulação em cinco anos, mas que não pode substituir as ações para alargar o "macrocrédito", este sim um estimulador da economia.
A inflação no varejo, que ameaçou voltar no início do ano, já recuou de forma até surpreendente e poderá ser zero neste mês. Ontem, o governo anunciou programa para estimular o primeiro emprego.
Do exterior vêm bons sinais. Os efeitos do 11 de Setembro estão sendo superados, os preços do petróleo mantêm-se em torno de US$ 30 e a Guerra do Iraque acabou. Na semana passada, o banco central americano reduziu os juros de 1,25% para 1%. Um grupo de 30 economistas ouvidos pela "BusinessWeek" considerou que, se não houver novos choques, pode-se esperar um forte crescimento da economia americana em 2004, de até 4%. A indústria da tecnologia da informação, que viveu dois anos de recessão dramática, está em recuperação.
As exportações brasileiras, a despeito da queda do dólar, continuam firmes e o saldo comercial do primeiro semestre deve alcançar US$ 10 bilhões. A credibilidade brasileira no exterior mantém-se em alta. O FMI já avisou que, se o Brasil desejar, aprova sem problemas a renovação do atual acordo, que vence em agosto.
Há muito ainda a fazer: aprovação das reformas, programas emergenciais de emprego, política industrial para estimular os setores competitivos, saneamento de grandes empresas em dificuldades, investimentos em infra-estrutura etc.
Nem sempre, porém, é bom negócio esperar a confirmação dos sinais positivos para iniciar investimentos. Empresas que hesitam correm o risco de chegar atrasadas.
É enorme o sofrimento de milhões de brasileiros, vítimas de uma política que privilegiou a estabilidade monetária e desdenhou o desenvolvimento econômico. Os desempregados estão no palco da crise e vivem seus dramas. Porém os espectadores, que também participam do drama, não têm o direito de cultivar conservadorismo, derrotismo, apatia e desesperança.


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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