São Paulo, quinta-feira, 01 de julho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

A intransigência no saneamento

É curioso o que ocorre com a questão do saneamento no país. Até alguns anos atrás não havia demandas de políticos para esgoto tratado. Hoje, há fila. O saneamento, finalmente, entrou na agenda do país e pela primeira vez tem endereço, o Ministério das Cidades. Existem formas modernas de financiamento, agentes privados disponíveis, associações representando os diversos agentes, com interlocutores para um debate político-técnico.
O nó do saneamento reside no fato de o setor não se entender e não sair da casca. Briga-se para dentro, entre eles, não há um arbitramento externo, situação que leva à paralisia completa. É o que impede o saneamento de se tornar prioridade nacional.
As raízes do impasse remontam ao final do Planasa, o plano implantado nos anos 70, extraordinariamente bem-sucedido, que permitia estender a água tratada a praticamente todo o país. Era fundado em grandes companhias estaduais financiadas com recursos do FGTS, com os municípios praticamente sendo instados a aderir a elas.
O modelo esgotou-se antes de universalizar a captação e o tratamento de esgoto. O fim da ditadura marcou a politização e a piora de gestão das companhias públicas e o início de um novo federalismo que, compreensivelmente, levou à radicalização entre os entes federados -no caso do saneamento, entre Estados e municípios, em torno do tema da titularidade (quem define a concessão).
A discussão toda consiste em saber quem define essa lógica socioeconômica. Hoje em dia existem 23 empresas estaduais de saneamento, 2/3 das quais operacionalmente deficitárias e politicamente arrogantes no trato com os municípios.
A reação tem sido a exacerbação de um municipalismo, pretendendo passar para cada município a decisão sobre seus serviços de saneamento. A radicalização chegou até o Ministério das Cidades, que apresentou um projeto de lei para saneamento que tira completamente o poder das estaduais e o remete para consórcios de municípios -que nem sequer existem-, sem definir formas de atuação e de indenização dos ativos das estaduais e tudo o mais. Corre-se o risco de desmontar um modelo que pode ser aprimorado e não colocar nenhum no lugar.
Ocorre que, diferentemente do SUS (Sistema Único de Saúde), o saneamento não pode ser tratado pelos municípios de forma isolada. As cidades estão interligadas por bacias hidrográficas, compartilham a mesma água e têm obrigatoriamente que conversar entre si. E universalização do sistema não pode depender de recursos orçamentários: o setor tem que ser auto-sustentável. Isso implica os consumidores (regiões ou cidades) de maior poder aquisitivo bancar as regiões economicamente menos interessantes.
As duas partes -Estados e municípios- têm suas razões e também suas intransigências. As estaduais têm razão em querer preservar sua lógica econômica. Os municípios têm razão em pretender uma participação mais efetiva no planejamento de investimento das estaduais. A saída passa pela construção de um arcabouço que permita o compartilhamento das decisões entre as duas partes, sem comprometer a lógica econômica das companhias.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


Texto Anterior: Opinião econômica: Um outro artista da política
Próximo Texto: Política monetária: Meta de inflação terá teto menor em 2006
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.