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LUÍS NASSIF
A intransigência
no saneamento
É curioso o que ocorre
com a questão do saneamento no país. Até alguns anos
atrás não havia demandas de
políticos para esgoto tratado.
Hoje, há fila. O saneamento, finalmente, entrou na agenda do
país e pela primeira vez tem endereço, o Ministério das Cidades. Existem formas modernas
de financiamento, agentes privados disponíveis, associações
representando os diversos agentes, com interlocutores para um
debate político-técnico.
O nó do saneamento reside
no fato de o setor não se entender e não sair da casca. Briga-se
para dentro, entre eles, não há
um arbitramento externo, situação que leva à paralisia
completa. É o que impede o saneamento de se tornar prioridade nacional.
As raízes do impasse remontam ao final do Planasa, o plano implantado nos anos 70, extraordinariamente bem-sucedido, que permitia estender a
água tratada a praticamente
todo o país. Era fundado em
grandes companhias estaduais
financiadas com recursos do
FGTS, com os municípios praticamente sendo instados a aderir a elas.
O modelo esgotou-se antes de
universalizar a captação e o
tratamento de esgoto. O fim da
ditadura marcou a politização
e a piora de gestão das companhias públicas e o início de um
novo federalismo que, compreensivelmente, levou à radicalização entre os entes federados -no caso do saneamento,
entre Estados e municípios, em
torno do tema da titularidade
(quem define a concessão).
A discussão toda consiste em
saber quem define essa lógica
socioeconômica. Hoje em dia
existem 23 empresas estaduais
de saneamento, 2/3 das quais
operacionalmente deficitárias e
politicamente arrogantes no
trato com os municípios.
A reação tem sido a exacerbação de um municipalismo, pretendendo passar para cada município a decisão sobre seus serviços de saneamento. A radicalização chegou até o Ministério
das Cidades, que apresentou
um projeto de lei para saneamento que tira completamente
o poder das estaduais e o remete para consórcios de municípios -que nem sequer existem-, sem definir formas de
atuação e de indenização dos
ativos das estaduais e tudo o
mais. Corre-se o risco de desmontar um modelo que pode
ser aprimorado e não colocar
nenhum no lugar.
Ocorre que, diferentemente
do SUS (Sistema Único de Saúde), o saneamento não pode ser
tratado pelos municípios de forma isolada. As cidades estão interligadas por bacias hidrográficas, compartilham a mesma
água e têm obrigatoriamente
que conversar entre si. E universalização do sistema não pode
depender de recursos orçamentários: o setor tem que ser auto-sustentável. Isso implica os consumidores (regiões ou cidades)
de maior poder aquisitivo bancar as regiões economicamente
menos interessantes.
As duas partes -Estados e
municípios- têm suas razões e
também suas intransigências.
As estaduais têm razão em querer preservar sua lógica econômica. Os municípios têm razão
em pretender uma participação
mais efetiva no planejamento
de investimento das estaduais.
A saída passa pela construção
de um arcabouço que permita o
compartilhamento das decisões
entre as duas partes, sem comprometer a lógica econômica
das companhias.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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