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GESNER OLIVEIRA
Campeões mundiais
Tanto o ultraliberalismo como a volta ao estatismo são respostas equivocadas às circunstâncias do século 21
A MEGAOPERAÇÃO de compra da
Arcelor de Luxemburgo pela
companhia indiana Mittal é
apenas o começo da concentração
em escala mundial. É certo que o
processo não pára por aí. Há menos
clareza acerca de que políticas estratégicas os Estados nacionais deveriam adotar diante da globalização
da produção. Tanto o ultraliberalismo como a volta ao estatismo são
respostas equivocadas às circunstâncias do século 21.
Os números da operação Mittal-Arcelor são impressionantes. A nova
empresa responderá pela produção
de 110 milhões de toneladas, mais de
três vezes a da atual segunda na classificação (Nippon Steel), terá 320
mil funcionários e US$ 60 bilhões de
faturamento.
Mas a Arcelor-Mittal só parece gigante. Na realidade é pequena, respondendo por 10% do mercado
mundial. Em segmentos como o siderúrgico nos quais o padrão tecnológico é estável, os saltos de produtividade dependem de escala. Não é
possível se tornar mais eficiente
sem produzir em grandes quantidades. Além disso, a cadeia produtiva é
fortemente concentrada. Vários dos
insumos que as empresas siderúrgicas adquirem têm origem em mercados concentrados, como o de minério de ferro. Vários dos consumidores industriais são igualmente oligopolizados, como na indústria automotiva.
O que devem fazer os governos
nacionais diante da inexorabilidade
da concentração e multinacionalização? Há duas posições freqüentes,
polares e erradas. A primeira é ultraliberal. Recomenda que os governos
se abstenham de qualquer política
setorial. A estabilidade monetária e
o respeito aos contratos seriam suficientes para atrair empresas inovadoras e dispostas a gerar produção e
investimento no país. Qualquer incentivo setorial representaria desvio de recursos públicos de prioridades sociais em benefício de interesses privados específicos. A segunda é
intervencionista e, no limite, estatizante. Para enfrentar a concorrência de grandes companhias multinacionais, o Estado deveria promover,
a qualquer custo, fusões entre empresas nacionais de sorte a criar um
"campeão nacional". Na ausência de
capital privado nacional, o campeão
deveria ser estatal.
Por que essas opções estão equivocadas? A alternativa ultraliberal
ignora o fato de que, no mundo real,
os empreendimentos de vulto não
brotam por geração espontânea.
Uma orientação governamental crível tem o condão de galvanizar inversões produtivas sem desperdiçar
dinheiro público. Em contraste, a
falta de rumo no setor público afugenta os grupos econômicos mais
dinâmicos e dispostos a investir.
A tese do campeão nacional é
igualmente equivocada. A fusão artificial de empresas sem a devida
ênfase na geração de eficiências
cria gigantes despreparados para a
feroz concorrência internacional,
como eram a maioria das estatais
do passado. A proteção concedida a
tais empreendimentos acaba lhes
conferindo poder de mercado excessivo em prejuízo do consumidor e da inovação. Porém há muito
que os governos nacionais podem
fazer para além, é claro, de políticas horizontais de melhoria da infra-estrutura, racionalização da
carga tributária e estabilidade e
transparência das regras contratuais. Uma política setorial moderna deveria conter três ingredientes. O primeiro, o exercício de planejamento estratégico mediante a
fixação de metas indicativas e seu
monitoramento sistemático. O segundo, a eficiência gerencial impedindo que o processo de decisão
nos órgãos governamentais seja
tão moroso como na atualidade. O
terceiro, a coordenação ágil de políticas públicas em áreas distintas,
mas de interesse público, como
ambiente e defesa da concorrência.
Analistas experientes do setor siderúrgico têm identificado oportunidades com operações que gerem
ganhos de escala para produtores
nacionais. Um exemplo nesse sentido é o estudo da economista Mônica Carvalho sobre as tendências
de consolidação da indústria mundial e seus reflexos no Brasil. Lembre-se de que o conjunto da produção nacional não chega a um terço
da Arcelor-Mittal.
Economias nacionais não existem no abstrato. A existência de
grupos nacionais competitivos
constitui elemento essencial. Políticas setoriais estratégicas podem
contribuir para elevá-los à condição de campeões mundiais.
GESNER OLIVEIRA, 50, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-Eaesp,
presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia e
ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
gesner@fgvsp.br
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