São Paulo, sábado, 01 de julho de 2006

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GESNER OLIVEIRA

Campeões mundiais

Tanto o ultraliberalismo como a volta ao estatismo são respostas equivocadas às circunstâncias do século 21

A MEGAOPERAÇÃO de compra da Arcelor de Luxemburgo pela companhia indiana Mittal é apenas o começo da concentração em escala mundial. É certo que o processo não pára por aí. Há menos clareza acerca de que políticas estratégicas os Estados nacionais deveriam adotar diante da globalização da produção. Tanto o ultraliberalismo como a volta ao estatismo são respostas equivocadas às circunstâncias do século 21.
Os números da operação Mittal-Arcelor são impressionantes. A nova empresa responderá pela produção de 110 milhões de toneladas, mais de três vezes a da atual segunda na classificação (Nippon Steel), terá 320 mil funcionários e US$ 60 bilhões de faturamento.
Mas a Arcelor-Mittal só parece gigante. Na realidade é pequena, respondendo por 10% do mercado mundial. Em segmentos como o siderúrgico nos quais o padrão tecnológico é estável, os saltos de produtividade dependem de escala. Não é possível se tornar mais eficiente sem produzir em grandes quantidades. Além disso, a cadeia produtiva é fortemente concentrada. Vários dos insumos que as empresas siderúrgicas adquirem têm origem em mercados concentrados, como o de minério de ferro. Vários dos consumidores industriais são igualmente oligopolizados, como na indústria automotiva.
O que devem fazer os governos nacionais diante da inexorabilidade da concentração e multinacionalização? Há duas posições freqüentes, polares e erradas. A primeira é ultraliberal. Recomenda que os governos se abstenham de qualquer política setorial. A estabilidade monetária e o respeito aos contratos seriam suficientes para atrair empresas inovadoras e dispostas a gerar produção e investimento no país. Qualquer incentivo setorial representaria desvio de recursos públicos de prioridades sociais em benefício de interesses privados específicos. A segunda é intervencionista e, no limite, estatizante. Para enfrentar a concorrência de grandes companhias multinacionais, o Estado deveria promover, a qualquer custo, fusões entre empresas nacionais de sorte a criar um "campeão nacional". Na ausência de capital privado nacional, o campeão deveria ser estatal.
Por que essas opções estão equivocadas? A alternativa ultraliberal ignora o fato de que, no mundo real, os empreendimentos de vulto não brotam por geração espontânea.
Uma orientação governamental crível tem o condão de galvanizar inversões produtivas sem desperdiçar dinheiro público. Em contraste, a falta de rumo no setor público afugenta os grupos econômicos mais dinâmicos e dispostos a investir.
A tese do campeão nacional é igualmente equivocada. A fusão artificial de empresas sem a devida ênfase na geração de eficiências cria gigantes despreparados para a feroz concorrência internacional, como eram a maioria das estatais do passado. A proteção concedida a tais empreendimentos acaba lhes conferindo poder de mercado excessivo em prejuízo do consumidor e da inovação. Porém há muito que os governos nacionais podem fazer para além, é claro, de políticas horizontais de melhoria da infra-estrutura, racionalização da carga tributária e estabilidade e transparência das regras contratuais. Uma política setorial moderna deveria conter três ingredientes. O primeiro, o exercício de planejamento estratégico mediante a fixação de metas indicativas e seu monitoramento sistemático. O segundo, a eficiência gerencial impedindo que o processo de decisão nos órgãos governamentais seja tão moroso como na atualidade. O terceiro, a coordenação ágil de políticas públicas em áreas distintas, mas de interesse público, como ambiente e defesa da concorrência.
Analistas experientes do setor siderúrgico têm identificado oportunidades com operações que gerem ganhos de escala para produtores nacionais. Um exemplo nesse sentido é o estudo da economista Mônica Carvalho sobre as tendências de consolidação da indústria mundial e seus reflexos no Brasil. Lembre-se de que o conjunto da produção nacional não chega a um terço da Arcelor-Mittal.
Economias nacionais não existem no abstrato. A existência de grupos nacionais competitivos constitui elemento essencial. Políticas setoriais estratégicas podem contribuir para elevá-los à condição de campeões mundiais.


GESNER OLIVEIRA, 50, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-Eaesp, presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
gesner@fgvsp.br


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